Vacinação contra a covid-19: no ritmo atual, Brasil demoraria maisquatro anos para alcançar imunidaderebanho:

Ampola da vacina CoronaVac

Crédito, Buda Mendes/Getty Images

Legenda da foto, Se considerarmos que a campanha começou no país há 12 dias e 1.129.885 brasileiros receberam a primeira dose, a média é94.157 pessoas vacinadas por dia.

Mas quais são as metasvacinação? E como será possível atingir a imunidaderebanho no país?

Vacina como bem coletivo

Por mais que todos pensemosproteger a própria saúde quando tomamos uma vacina, o efeito dela ultrapassa as barreiras individuais.

Isso porque a imunizaçãolarga escala permite proteger toda a comunidade, mesmo aquelas pessoas que, por um motivo ou outro, não podem tomar as doses.

Esse fenômeno é conhecido popularmente como imunidaderebanho, embora os cientistas prefiram o termo imunidade coletiva.

De forma simplificada, para cada doença infecciosa prevenível por vacina há uma porcentagem da população que precisa ser protegida para que o vírus ou a bactéria deixecircular naquele local.

Esse limiarimunidaderebanho variaacordo com vários fatores, entre eles o quanto aquela enfermidade é contagiosa, a formatransmissão da doença e a eficácia das vacinas disponíveis.

Vamos a alguns exemplos práticos. Para controlar o sarampodeterminada região, é necessário que mais95% das pessoas estejam vacinadas. Já na gripe, essa taxa fica na casa dos 50%.

Em outras palavras, se 95 pessoas são efetivamente vacinadas contra o sarampo, aquelas cinco que não podem tomar suas doses ficam protegidas por tabela, pois o vírus não encontra indivíduos vulneráveis para iniciar cadeiastransmissão e um surto local.

E na pandemia atual?

Ainda não se sabe ao certo qual é a porcentagemvacinação necessária para atingir a imunidaderebanho contra a covid-19.

Atualmente, os cientistas calculam que essa taxa deve ficar entre 70% e 90%.

Em dezembro, o imunologista americano Anthony Fauci, líder da força-tarefaresposta à pandemia nos Estados Unidos, admitiu que será preciso vacinar mais90% da população para conseguir controlarvez os númeroscasos e mortes.

Enfermeira Monica Calazans tomando a primeira dose da CoronaVac

Crédito, NELSON ALMEIDA/Getty Images

Legenda da foto, A enfermeira Mônica Calazans recebeu a primeira dose da vacina contra a covid-19 no dia 17janeiro

Esses indícios já mostram que a aplicaçãodoses aprovadas no Brasil precisa ser acelerada com urgência, uma vez que atingimos apenas 0,68% da população, segundo o bancodados Our World in Data atualizados até 28janeiro (para efeitos comparativos, Israel, um país pequeno, mas o mais avançado na vacinação até agorarelação ao tamanhosua população, já imunizou 4,56 milhõespessoas).

Se considerarmos que a campanha começou no Brasil há 12 dias e,acordo com Our World Data, 1,45 milhãobrasileiros receberam a primeira dose até quinta-feira (28), isso dá uma média120 mil pessoas vacinadas por dia.

Se precisarmos imunizar até 90% da população para eventualmente atingir a imunidade coletiva, no Brasil esse total corresponde a 188,5 milhõespessoas vacinadas.

Mas, se continuarmos no ritmo atual94 mil doses por dia, demoraremos 1.570 dias (ou pouco maisquatro anos) para atingir o limiar90%.

Lembrando que, para a maior parte das vacinas contra o coronavírus (incluindo a CoronaVac e a AstraZeneca, as duas disponíveis aqui até agora) são necessárias duas doses do imunizante.

Exemplo que vem do passado

A epidemiologista Carla Domingues foi coordenadora do Programa NacionalImunizações (PNI) do Ministério da Saúde por quase dez anos, entre 2011 e 2019.

De acordo comexperiência, o Brasil tem total capacidadeacelerar seu plano e vacinar um número bem maiorpessoas contra a covid-19.

"Nas campanhasvacinação contra a gripe, que acontecem todos os anos, nós conseguimos imunizar 80 milhõesbrasileirosapenas 90 dias", compara.

Domingues acrescenta que o país tem cerca30 mil profissionaissaúde contratados para fazer a vacinação.

"Cada um deles consegue atender20 a 30 pessoas por dia. Portanto, não é exagero dizer que podemos imunizar 900 mil ou até 1 milhãoindivíduos no país diariamente", pontua.

O PNI também traz ótimas lembrançasoutras campanhasimunização que, ao longoanos, foram capazescontrolar e até eliminar algumas doenças do país (pelo menos temporariamente), como a poliomielite, a varíola e o sarampo.

Exemplo que vemfora

Com a aprovação das primeiras vacinas contra a covid-19, Israel logo despontou como o modelorapidez e eficiência na aplicação das doses.

Com o início da campanha19dezembro, o país conseguiupouco maisum mês proteger metade dapopulação.

Dados divulgados recentemente pelo governo israelense indicam uma queda significativa nas notificaçõesnovos casosinfecção e na taxahospitalização.

É claro que as escalas são incomparáveis: Israel possui um território pequeno, com fronteiras bem controladas e apenas 8,8 milhõeshabitantes.

Mas a experiência por lá sinaliza que a pandemia pode ser controlada se o planejamento for rápido e bem coordenado.

Outras nações que já avançaram bastante na vacinação são Emirados Árabes Unidos (29% da população vacinada), Reino Unido (11%) e Bahrein (8%).

Situação exige agilidade

Além da vacinação representar a única saída possível (e segura) desta pandemia, é preciso lembrar outro fator que está preocupando os cientistas: a descobertamutações do coronavírus.

Por ora, as três que chamaram mais atenção foram detectadas no Reino Unido, na África do Sul e no Brasil, mais precisamenteManaus.

Com a alta circulação da doença, há o riscoaparecerem mutações que diminuem a eficácia das vacinas já testadas e aprovadas.

Por isso, é urgente agir com rapidez para quebrar as cadeiastransmissão do coronavírus e evitar que essas novas variantes se espalhem e tomem conta do pedaço.

"Também não sabemos quanto tempoimunidade as vacinas conferem. Pode ser que, no futuro, precisaremos vacinarnovo os grupos prioritários sem ter dado a primeira dose para todo mundo", antevê o médico virologista Amilcar Tanuri, professor titular da Universidade Federal do RioJaneiro.

O que acontece na prática?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a campanhavacinação contra a covid-19 no Brasil está sofrendo com falhas nos sistemasinformação.

"Nas campanhas anteriores, os profissionaissaúde precisavam apenas transmitir os númerosvacinadoscada público-alvo. Ao final do período, eles basicamente passavam às centrais municipais e estaduais informações do tipo 'hoje eu vacinei 50 idosos, 20 indivíduos com doença cardíaca, 10 com doença renal…'", exemplifica Domingues.

Na campanha contra a covid-19, esse processo se tornou bem mais complexo. Agora, é necessário preencher nome, endereço, CPF, número do cartão do SUS, dose da vacina, qual lote ela pertence, o fabricante…

Essa exigência existe porque temos duas vacinas aprovadas no país até o momento: a CoronaVac (Instituto Butantan/Sinovac) e a CoviShield (FioCruz/UniversidadeOxford/AstraZeneca).

Ambas exigem as duas doses para conferir proteção, mas o tempo entre a primeira e a segunda aplicação é diferente.

A segunda dose da CoronaVac é dada14 a 28 dias depois da primeira. Já na CoviShield, esse intervalo sobe para um a três meses.

Outro pontoatenção: um indivíduo deve receber duas doses da mesma vacina. Não dá pra aplicar uma da CoronaVac e depois a outra da CoviShield, por exemplo.

Todas essas recomendações e cuidados exigem, portanto, um tipocadastro mais completo para que não ocorram confusões. O problema é que esse processo toma muito tempo e está sendo feito na hora da vacinação.

Mulher recebe dose da vacina CoviShield

Crédito, Andre Coelho/Getty Images

Legenda da foto, Brasil tem capacidadevacinar 900 mil pessoas por dia

"Sabendo que a campanha iria começar e alguns grupos tomariam a vacina primeiro, o Ministério da Saúde poderia já ter começado a fazer esse cadastro com antecedência lá nos mesessetembro ou outubro", lamenta Domingues.

Alémtodo o trabalho no preenchimento dos dados, técnicos e enfermeiros estão relatando falhas e lentidão do sistema informatizado do Ministério da Saúde.

Em alguns locais sem internet, os profissionais precisam preencher as informações à mão, num papel, para só depois digitar tudo num computador.

Portanto, é possível que o número realvacinados seja maior do que as estatísticas oficiais apontam.

O outro lado

Procurado pela reportagem da BBC News Brasil, o Ministério da Saúde respondeu por meiouma nota encaminhada pela assessoriaimprensa.

O ministério informa que o planovacinação é dinâmico e pode sofrer ajustes necessários nas fasesdistribuição das vacinas, "considerando a indicaçãouso apresentada pelo fabricante, o quantitativodoses entregues e os públicos prioritários já definidos".

Na nota, também fica claro que o cronogramavacinação e como será feita a convocação dos públicos-alvo depende da disponibilidade das doses da vacina, que são entregues pelas fabricantesforma gradativa.

"Atualmente o Brasil tem 354 milhõesdosesvacinas garantidas para 2021, por meio dos acordos com a Fiocruz (212,4 milhõesdoses), Butantan (100 milhõesdoses) e Covax Facility (42,5 milhõesdoses)."

Se esse número for realmente confirmado (uma vez que a grande maioria dessas doses sequer foi fabricada), essas 354 milhõesdoses atenderiam até 177 milhõesbrasileiros.

De acordo com os cálculos feitos pelo ministério, 77 milhõesbrasileiros fazem parte dos 27 grupos prioritários definidos no planovacinação contra a covid-19.

Esses grupos são divididos por faixas etárias (acima80 anos, entre 75 e 79,70 a 74 e assim por diante), por condições (indivíduos com diabetes, doenças cardíacas, deficiências…) e por categoria laboral (profissionais da saúde, trabalhadores da educação, forçassegurança, funcionários do sistema prisional…).

"Lavajatismo vacinal"

Na opiniãoLotufo, outro fator que tem atrapalhado o andamento da campanhavacinação contra a covid-19 é o excessopolêmicas com as pessoas que aproveitam cargos e posiçõesprestígio para tomarem suas doses mesmo quando não fazem parte dos grupos prioritários.

Em algumas cidades, como Manaus, a vacinação chegou a ser paralisada para que fossem apurados desvios e o "sumiço"doses.

"Estamos acompanhando uma espécie lavajatismo vacinal,que se presta mais atenção nos casos dos fura-filas, que logicamente estão errados, do que no problema sistêmico da faltadados einformações das secretarias estaduais e municipaissaúde", diz.

O epidemiologista faz alusão à Operação Lava-Jato, o conjuntoinvestigaçõescorrupção da Polícia Federal que culminou na prisãopolíticos e empresários e contou com ampla cobertura da imprensa nos últimos anos.

"Muitos secretáriosSaúde só sabem tirar fotos. Eles precisam ser cobrados sobre o que estão fazendo para que mais pessoas sejam vacinadas logo", opina.

Línea

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