'Atuação policial contra negros chegou ao limite da irracionalidade', diz reitor da faculdade Zumbi dos Palmares:flamengo betano

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Legenda da foto, José Vicente é reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares,flamengo betanoSão Paulo

Além disso, Vicente escreveu um manifesto com críticas à atuação policial eflamengo betanoempresas privadasflamengo betanosegurança contra jovens negros e moradores da periferia. "Chegamos ao limite do que nos separa da irracionalidade", afirmou ele, sobre operaçõesflamengo betanoque policiais foram flagrados agredindo pessoas negras já sob custódia.

Vicente,flamengo betano60 anos, nasceuflamengo betanoMarília, interiorflamengo betanoSão Paulo, e chegou a trabalhar como boia-fria antesflamengo betanose formarflamengo betanoDireito — ele também é doutorflamengo betanoEducação.

Vicente é um dos fundadores da Zumbi dos Palmares, instituição criadaflamengo betano2004 como a primeira (e até agora única) faculdade negra do Brasil. Com sedeflamengo betanoSão Paulo e 1.500 estudantes — 80% deles negros —, a faculdade tem cursosflamengo betanoDireito, Comunicação e Administração.

Confira a entrevista abaixo.

flamengo betano BBC News Brasil - O sr. tem participadoflamengo betanoencontros com autoridades e formadoresflamengo betanoopinião para discutir violência policial, principalmente contra a população negra. O que o sr. tem dito nessas reuniões?

flamengo betano José Vicente - Digo que chegamos ao nosso limite civilizatório. Ou temos a capacidadeflamengo betanonos rebelar contra esse destino manifesto ou não teremos um legado para os que virão: não vamos olhar para as futuras gerações sem nos sentirmos como um bandoflamengo betanoincompetentes e covardes.

Como indivíduos e sociedade, não tem outra ação ou postura que não seja aflamengo betanodizer um basta. É indispensável que nos juntemos para dar um salto civilizatório contra esse tipoflamengo betanoprática que remonta a tempos do primitivismo social e político.

A polícia está pisando no pescoçoflamengo betanouma mulher, mãe e avó, na frente dos seus filhos e netos,flamengo betanouma maneira injustificada, desnecessária, opressiva e criminosa. E ninguém está levantando contra isso: nem a corporação, nem o Estado nem as pessoas que são mais aguerridas na defesaflamengo betanodignidade humana. Ninguém está se rebelando contra esse tipoflamengo betanocoisa.

Por isso que digo que chegamos ao limite do que nos separa da irracionalidade.

flamengo betano BBC News Brasil - Como as pessoas que o sr. conversa têm reagido?

flamengo betano Vicente - De uma maneira bastante responsável e coerente. Querem juntar forças para fazer os encaminhamentos que a situação exige.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Bandeira do Brasil com buracos representa tirosflamengo betano111 balas disparadas pela polícia contra 5 jovens no Rio,flamengo betano2015

Os grupos que se formaram no entorno desse 'Movimento AR' são pessoas da sociedade que tradicionalmente não estavam agrupados dentro dessa agenda. Mas agora elas entenderam que precisavam dar um passo adiante, que era criar um grande grupoflamengo betanoformadoresflamengo betanoopiniãoflamengo betanouma barricada contra esse estadoflamengo betanocoisas.

Nas conversas, existe pelo menos uma convergênciaflamengo betanoque chegamos ao fundo do poço eflamengo betanoque precisamos dar um saltoflamengo betanotodas as direções. Mas principalmente no que diz respeito às ações das forçasflamengo betanosegurançaflamengo betanorelação ao jovem negro.

flamengo betano BBC News Brasil - 'Não consigo respirar' é uma frase que tem dita por pessoas que sofrem esse tipoflamengo betanoviolência. O sr. acha que essa frase flamengo betano (dita por George Floyd, americano negro morto por um policial branco) flamengo betano também tem um sentido simbólico para o negro no Brasil?

flamengo betano Vicente - O nome movimento capta justamente esse fio condutor do racismo e da discriminação sinuosaflamengo betanonosso país. Ao final, o joelho, os braços ou coturnos visíveis, mas também os invisíveis, produzem o mesmo resultado.

Ou seja, eles asfixiam, sufocam e trucidam. Eles impedem que nós, negros, possamos respirar livremente e ter uma vida regular e normal, usufruindo do Estado democráticoflamengo betanodireito como qualquer cidadão.

Essa asfixia se manifesta nos indicadores sociais e econômicos. No Brasil, as comunidades e periferias viraram bantustões (território separado para negros da África do Sul durante o apartheid). Sairflamengo betanolá e atravessar a linha demarcatória pode significar o riscoflamengo betanovocê terflamengo betanovida eliminada pela força policial.

Ou, dentro dessas comunidades, você pode terflamengo betanovida eliminada por não ter nenhuma instituição do Estado do seu lado: você não tem a escolaflamengo betanoqualidade, não tem postoflamengo betanosaúde, cultura, a segurança...

De um lado você está entregue às milícias e aos Comandos Vermelhos; do outro, quando você passa do limite demarcatório, encontra uma polícia que te agride, vilipendia e desumaniza gratuitamente, só porque você é negro.

flamengo betano BBC News Brasil - Um comandante da Rota (pelotãoflamengo betanoelite da PM paulista) disseflamengo betanoentrevista que a polícia não pode agirflamengo betanobairrosflamengo betanoperiferia da mesma forma que atuaflamengo betanobairros nobres…

flamengo betano Vicente - Agora, a polícia chegou ao absurdoflamengo betanoagredir as pessoas à luz do dia e na frente das câmeras. Um policial pisou no pescoçoflamengo betanouma mulherflamengo betano52 anos na frente dos netos, e com todo mundo filmando.

O código é o seguinte: 'não adianta vocês filmarem ou se rebelarem, porque a lei quem determina sou eu', a despeitoflamengo betanoexistir o Estado.

Imagina se essa polícia pega alguém do Morumbi (bairro ricoflamengo betanoSão Paulo)…

flamengo betano BBC News Brasil - Quais ações o sr. acha que deveriam ser tomadas para que esse tipoflamengo betanocena não se repita no Brasil?

flamengo betano Vicente - Precisamos criminalizarflamengo betanoforma rigorosa esse tipoflamengo betanoconduta. Não basta afastar o policial ou transferi-lo para o serviço administrativo, ou instaurar inquérito na Corregedoria, pois a gente não sabe o que acontece lá dentro. Os casos se diluem dentro das instituições.

Um agente do Estado que transgride as normas para violentar os direitosflamengo betanoum cidadão tem que responder por crime hediondo, inafiançável e imprescritível.

O panoflamengo betanofundo é que nossas forçasflamengo betanosegurança são tomadas pelo espírito e pela crença da contenção social. O inimigo da polícia é o povo pobre que colocaflamengo betanorisco a tranquilidade da classe média e da elite brasileira.

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Legenda da foto, Em relação aos brancos, os negros brasileiros têm menos escolaridade, acesso à saúde e emprego, morremflamengo betanointervenções policiais

Precisamos transformar a políciaflamengo betanouma polícia cidadã, desmilitarizando-a. Precisamos desconstruir essa crençaflamengo betanoque a corporação existe para combater ao invésflamengo betanoproteger.

Também precisamos ter um controle mais efetivo das instâncias da sociedade, sem corporativismo. O Ministério Público, que faz esse controle externo da atuação policial, não cumpre seu papel. As Assembleias Legislativas têm instânciasflamengo betanomonitoramento, mas também não atuam nesse sentido. O mesmo ocorre no Tribunalflamengo betanoContas, no Judiciário, na Defensoria...

Por causa disso, a atuação policial não tem controle, transparência e participação da sociedade. Quem constrói a políticaflamengo betanosegurança pública no Brasil é a polícia, e não pode ser ela. Tem que ser a sociedade.

flamengo betano BBC News Brasil - No manifesto que o sr. escreveu é citad flamengo betano a flamengo betano a violência inclusiveflamengo betanoempresas privadas, como bancos e supermercados. Como essas instituições também propagam violência contra negros?

flamengo betano Vicente - Com silêncio e omissão. Quando há um comportamento violento, a responsabilidade nunca é do ambiente empresarial, e sim sempre do outro.

Essas empresas usam segurança privada, que cumpre dois papéis. Um deles,flamengo betanotese, é fazer guarda patrimonial.

O outro serve para criar um muroflamengo betanoproteção. Quando chega alguém desavisado, mal ajambrado e com aparência que não condiz com a estética padronizada, a segurança sai do seu papel patrimonial para oflamengo betanocontenção social.

Na maioria das vezes, há uma seletividadeflamengo betanoquem é o 'marginal', aquele que vai poluir a padronização. Quando entra um negro no shopping, o guarda se coloca a acompanhá-lo. As próprias lojas também recebem esse público com estranhamento, com diferenciação.

Quando há uma situação limite, a vítima preferencial é sempre o negro.

Houve aquele episódio (em 2019), no supermercado Extra da Tijuca, no Rioflamengo betanoJaneiro,flamengo betanoque um garoto foi morto por um segurança. Como se mata alguém na frenteflamengo betanotodo mundo, sem que o gerente do estabelecimento sequer saia daflamengo betanocadeira para impedir? Depois, a empresa afirma que não 'coaduna' com essas ações e que o problema é da terceirizadaflamengo betanosegurança.

O problema é que a segurança que a empresa contrata é estruturadaflamengo betanomaneira racista e discriminatória.

Por outro lado, a maioria das empresasflamengo betanosegurança são comandadas por militares ou ex-policiais. Ou seja, esse sistema violento sai das polícias para entrar nas empresas privadas.

Quando algo acontece, o ambiente empresarial sequer é chamado à responsabilidade, a reparar o erro e o crime. O conselhoflamengo betanoadministração não responde, não acontece nada com o presidente, o compliance não está nem aí… A loja abre no dia seguinte como se estivesse 'tudo bem'.

flamengo betano BBC News Brasil - Quais a dificuldades que um jovem negro recém-formado na universidade enfrenta para entrar no mercadoflamengo betanotrabalho?

flamengo betano Vicente - Primeiramente a cor daflamengo betanopele. Não existem mais placas dizendo 'não aceito negros', mas há restrições pedindo 'boa aparência'. E a gente sabe o que isso quer dizer.

Nós somos uma sociedade patrimonialista,flamengo betanogrupo sociais. A estruturaflamengo betanomanutenção desses grupos se dáflamengo betanocimaflamengo betanouma rede que se comunica entre si. Mesmo uma vagaflamengo betanotrabalho é resolvida dentro desses grupos, nos quais o negro não tem acesso.

Às vezes, quando surge a oportunidade, o jovem negro nem tem a informação sobre essas vagasflamengo betanoemprego, simplesmente ela porque não chega até ele. Quando a vaga é minimamente publicizada, às vezes para cumprir algum procedimento obrigatório, o candidato que vai passar já foi escolhido antes.

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Legenda da foto, Para José Vicente, jovens negros com formação superior têm pouco acesso a vagasflamengo betanoempresas

Isso não quer dizer que um ou outro não consiga furar esse cerco. Isso acontece, mas não é uma regra, é exceção.

Atualmente, com as proliferação das cotas, milharesflamengo betanoestudantes negros vão se formarflamengo betanobreve. Nós precisamos criar condições para furar esse muro.

flamengo betano BBC News Brasil - Pessoas negras costumam ganhar bem menos do que os brancos. Naflamengo betanoavaliação, quais seriam medidas efetivas que empresas poderiam tomar para melhorar esse cenário?

flamengo betano Vicente - Cumprir a lei.

Neste mês o Estatuto da Igualdade Racial completa 10 anos. Ele é a constituiçãoflamengo betanopolíticas públicas para combater o racismo, a discriminação e elevar o negro ao patamarflamengo betanoigualdade. Está tudo previsto ali: cotas, financiamento, escolas… Mas 10 anos depois, o que aconteceu? Nada.

O que se sabe é que o negro abandona a escola porque precisa trabalhar — ou trabalha ou vai para escola e morreflamengo betanofome. O estatuto falaflamengo betanoconstruir condições para que os negros não abandonem a escola.

Mas a escola, por natureza, já exclui o negro. Ela é europeizada: trata o negroflamengo betanoforma discriminatóriaflamengo betanomodo que ele não se vejaflamengo betanolugar nenhum, nem nos livros didáticos nem nos currículos.

Proporcionalmente não existe professor negro. Não existe história do negro nas aulas. Não existe o negro realizador, grandioso, fantástico. Existe o negro escravo, o negro que apanha da polícia, o negro bandido.

Mesmo quem se mantém na escola não encontra estágio. Quase não há negros na massaflamengo betanoestagiários no Brasil, proporcionalmente. Jovens negros não são escolhidos.

Depois, se o jovem quiser entrarflamengo betanouma faculdade, vai precisar pagar um preço bastante salgado, porque na universidade pública ele vai enfrentar um limite intransponível, mesmo que hoje existam cotas.

Se ele continuar, as empresas impõem um Muroflamengo betanoBerlim difícilflamengo betanoatravessar. Mas, mesmo aqueles que entram, encontram outra barreira: ele entra assistente e continua assistente para sempre, não desenvolve a carreira. Além disso, o salário é menorflamengo betanocomparação com os brancos.

Imagina que coisa absurda e surreal um país onde as 5 mil maiores empresas não têm negrosflamengo betanoseus quadros diretivos. E isso ocorreflamengo betanoum país que tem 54% daflamengo betanopopulação formada por negros.

flamengo betano BBC News Brasil - Dentro da própria estrutura do Estado há poucos negrosflamengo betanoquadrosflamengo betanodireção, não?

flamengo betano Vicente - Exato. Se pegarmos a extrema-direita conservadora, que é excludente por natureza e hoje governa o país, não há negros no primeiro, no segundo nem no terceiro escalões. Não há negros nos cargos comissionados, nas subsidiárias, nas estatais.

Mas se você vier para a cidadeflamengo betanoSão Paulo, por exemplo, governada pelo PSDBflamengo betanocentro-esquerda, também não há negros nos primeiros escalões — e isso porque estamosflamengo betanouma cidade diversa.

Não temos um governador negro no Brasil.

Mesmo na esquerda, com Lula na presidência ou Fernando Haddadflamengo betanoSão Paulo, não teve negros também — quando muito, havia um só.

Nas estruturas partidárias também não há negrosflamengo betanocargosflamengo betanodireção. O mesmo com o Judiciário e no Ministério Público.

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Legenda da foto, 'Imagina que coisa absurda e surreal um país onde as 5 mil maiores empresas não têm negrosflamengo betanoseus quadros diretivos', diz José Vicente

flamengo betano BBC News Brasil - Nas varasflamengo betanojustiça criminal, pelo menosflamengo betanoSão Paulo, também é muito difícil encontrar juízes negros.

flamengo betano Vicente - Por outro lado, a grande maioria dos presos no Brasil é negra. É esse racismo e essa discriminação sinuosa que todo mundo nega.

flamengo betano BBC News Brasil - Hoje a população negra tem mais acesso a cursos superiores por causaflamengo betanoprogramas como as cotas e o Prouni. Mas uma das questões que se coloca é o acesso à pós-graduação e à pesquisa científica. Como o sr. enxerga hoje esse setor?

flamengo betano Vicente - São duas coisas: para fazer pesquisa, a pessoa precisa ter meiosflamengo betanosustentação, insumos financeiros. Quem tem esses recursos éflamengo betanoclasse média para cima.

O negro, mesmo aquele que chega à universidade, continua na periferia, com todos os limites e dificuldade. Quando se forma, ele vai fazer uma pós-graduação ou vai precisar arrumar um emprego para sustentar a família? A grande maioria vai atrásflamengo betanoemprego.

Quem continua tem muita dificuldadeflamengo betanoconseguir bolsas da Capes (Coordenaçãoflamengo betanoAperfeiçoamentoflamengo betanoPessoalflamengo betanoNível Superior), por exemplo. Na estrutura da Capes não há negros. Quem acessa os recursos são aqueles que integram esse grupo, por ser branco ouflamengo betanoclasse média.

Quando há uma política pública, como as cotas na pós-graduação, elas não são implementadas integralmente ou acabam revogadas, como fez o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub (a medidaflamengo betanoWeintraub acabaria revogada dias depois). O governo mostrou um grau ostensivoflamengo betanooposição à política pública. O que ele quis dizer foi: 'eu não quero que esse público acesse o benefício'.

flamengo betano BBC News Brasil - Como o sr. avalia as recentes expulsõesflamengo betanoestudantes que fraudaram as cotas raciaisflamengo betanouniversidades públicas?

flamengo betano Vicente - É um lampejoflamengo betanoesperança no sentidoflamengo betanogarantir que a lei seja cumprida. Ela é uma leiflamengo betanoinclusão racial para negros, precisa ser cumprida. Qualquer um que atentar contra a legislação temflamengo betanoser punido, pois cometeu um crime.

O que assistimos até agora são pessoas loiras eflamengo betanoolho azul entrandoflamengo betanocotas para pessoas negras. Até então, não havia coragem por parte das universidadesflamengo betanose tomar uma medida contra essas fraudes.

flamengo betano BBC News Brasil - A lei sobre o ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira nas escolas,flamengo betano2003, está sendo cumprida?

flamengo betano Vicente - Ela não é cumprida nem sob a ordem do Exército, da Marinha e da Aeronáutica… (risos).

Maisflamengo betano15 anos depois da aprovação, 80% das escolas públicas e privadas não cumprem a lei. E não acontece nada com o gestor da escola, com o secretárioflamengo betanoEducação, com prefeito nem com o governador.

Não há qualquer fiscalização ou cobrança por parte dos órgãosflamengo betanocontrole, como Ministério Público Federal, Defensoria, Assembleias ou Câmaras Legislativas.

Você até consegue construir um marco legal com muito esforço político, mas o próprio Estado não cumpre.

flamengo betano BBC News Brasil - Qual é a opinião do o sr. sobre o governo Bolsonaro nas questões raciais, enfrentamento ao racismo e políticas públicas para a população negra?

flamengo betano Vicente - O governo Bolsonaro não tem qualquer ação nessa área. Pelo contrário, o pouco que existe tem sido destruído ou desfigurado, seja por medidas administrativas, como decretos, seja com cortes no orçamento.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Para José Vicente, governo Bolsonaro não tem pollíticas públicas voltadas à população negra

A própria Fundação Cultural Palmares, que é um organismo que implementa e reconhece os territórios quilombolas, neste ano terá o menor orçamento dos últimos anos. Hoje, os quilombolas e os indígenas estão morrendo por covid-19. O que o governo fez? Cortou o envioflamengo betanoágua potável e equipamentosflamengo betanohigiene para essa população.

Eu digo que a senha do comportamento do governo nessa área já estava clara antes da eleição, quando Bolsonaro afirmou que os quilombolas pesavam 'sete arrobas' e que 'não serviam nem para reprodução'. Já o vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou (durante a campanha eleitoralflamengo betano2018) que um dos grandes problemas do país era a 'indolência dos índios' e a 'malandragem dos negros'.

Ou seja, eles vieram a público para transgredir e violar a respeitabilidade do cidadão brasileiro negro. É uma violência e uma agressividade.

flamengo betano BBC News Brasil - Como o sr. vê a presença do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo?

flamengo betano Vicente - Ele é o que se chamaflamengo betanoboiflamengo betanopiranha. Não tem muito o que comentar.

A bem da verdade, todos os governos agem dessa forma. Por exemplo, eles criam um 'conselho do negro' e colocam um negro nesse órgão. Aí, toda vez que alguém leva uma reivindicação, o governo responde: 'olha, temos aqui um espaço só para o negro, temos até um negro na direção'.

Mas, quando você pega o orçamento desse órgão, dá para pagar só o cafezinho.

Pelo menos, nesse sentido Bolsonaro é franco e honesto. Ele diz: 'não gostoflamengo betanovocês mesmo, não tenho nada a ver com isso, é tudo vitimização, mimimi, todos são iguais e que vença o melhor'.

flamengo betano BBC News Brasil - Como surgiu a Universidade Zumbi dos Palmares?

flamengo betano Vicente - Vivíamos o período posterior à Constituiçãoflamengo betano1988, que criou o crime racial. Os princípios das nossa nação passaram a repudiar o racismo, dizendo que a igualdade racial era o objetivo. Pensamos: 'agora vai'. Mas essa igualdade nunca chegou.

Naquela época, os negros eram 3% dos alunos no ensino superior. A USP tinha quatro professores negros. A polícia e esquadrões da morte faziam um estrago na juventude negra.

Nós éramos estudantes universitários negros, todos oriundos da Escolaflamengo betanoSociologia e Políticaflamengo betanoSão Paulo. Nossos professores diziam que o jovem precisa ter ambição para intervir na sociedade e mudar seu entorno.

Nos deixamos tomar por essas cantilenas. No TCC, nosso grupo conheceu as universidade negras americanas. Fui aos Estados Unidos, a convite da embaixada, para conhecer algumas delas. Fui à Universidadeflamengo betanoHoward,flamengo betanoWashington.

Na hora que vi a universidade, e conheci as personalidades que passaram por ela, fiquei embasbacado. Pensei: 'vamos criar uma coisa assim no Brasil'.

Claro que sempre vem aquela pergunta: 'e quanto você tem no bolso para fazer isso?' Eu tinha um vale-transporte... (risos)

Crédito, Luis Alvarenga/Getty Images

Legenda da foto, Reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares se diz esperançosoflamengo betanorelação ao combate ao racismo no Brasil

No final do curso, uma meia-dúzia topou construir o projeto,flamengo betano1998. A universidade surgiuflamengo betanouma forma romântica, artesanal… Era uma ideia na cabeça, uma solaflamengo betanosapato meio gasta e muita lábia para construir uma universidade negra no Brasil. Imagina você que maluquice… Abrimos as portasflamengo betano2004 e eis que estamos aqui até hoje.

Nossa experiência mostra que é fácil resolver a questão do negro no Brasil. Se com um vale-transporte nós construímos uma universidade, imagina se a sociedade e os governos colocassem a questão racial como uma prioridade.

Ao mesmo tempo, nós somos a única universidade negra na América do Sul, quando deveria existir pelo menos umaflamengo betanocada capital.

Acho que a Universidade Zumbi dos Palmares mostra que existem meiosflamengo betanoresolver esses problemas, pois definimos a força e resiliência dos negros brasileirosflamengo betanoconstruir pontes e caminhos alternativos.

Os meninos do cursoflamengo betanoDireito aqui da Zumbi passam na prova da OAB como os da USP. Ou seja, se você colocar condições mais ou menos equilibradas, todos têm talentos e habilidades para se transformarflamengo betanograndes pessoas e grandes profissionais. Nosso país abre mão disso, joga as pessoas na lataflamengo betanolixo. Todos perdem quando o racismo cria essas barreiras.

flamengo betano BBC News Brasil - O sr. é esperançosoflamengo betanoque esse cenário possa mudar?

flamengo betano Vicente - Acredito nessa juventudeflamengo betanohoje. E passei a acreditar mais nela, pois as ferramentas tecnológicas possibilitam algo que eu não tinha na minha época: a capacidadeflamengo betanoconstruir redes,flamengo betanopoder falar. Um dos limites para nós era não ter um canalflamengo betanofala, não ter interlocução.

Esses carasflamengo betanoagora estão dizendo na lata, eles têm canal no Youtube, têm Instagram. Hoje, há uma juventude negra muito qualificada. E ela está falando, publicizando e construindo redes.

Mesmo a sociedade racista e elitizada não vai conseguir ludibriá-los, como ocorria muitas vezes com minha geração. Antes, a elite falavaflamengo betanomeritocracia ou manutenção do status quo. Dizia: 'a situação vai melhorar quando o bolo crescer, daí a gente pode dividi-lo com vocês'. Muita gente acreditava nesse discurso.

Mas com essa juventudeflamengo betanohoje esse papo não cola mais.

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