Pandemia desmascara 'arrogância da ignorância'galera bet ganhe 50governantes, diz historiador:galera bet ganhe 50

Crédito, Harvard/Divulgação

Legenda da foto, O historiador Sidney Chalhoub falou à BBC News Brasil sobre a responsabilidadegalera bet ganhe 50governos e possíveis 'legados positivos' da pandemiagalera bet ganhe 50covid-19

Em entrevista à BBC News Brasil, Chalhoub, professorgalera bet ganhe 50História egalera bet ganhe 50Estudos Africanos e Afro-americanos na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, traça paralelos entre epidemias passadas e a covid-19.

Ele conta que situações atuais, como divergências entre autoridades quanto à melhor formagalera bet ganhe 50responder à crise e o debate entre salvar vidas ou a economia, também ocorreram no passado.

Naquela época, no entanto, a "medicina científica" ainda era vista com desconfiança por parte expressiva do povo e das elites - um cenário distinto do atual,galera bet ganhe 50que a maioria das autoridades globais recorre à ciência para definir suas políticas contra a pandemia.

Já os governantes que têm ignorado o caminho da ciência estão sendo desmascarados pelos fatos, diz Chalhoub. "No Brasil, a figura do presidente, que é uma caricatura disso, mostra como a ignorância é impotente contra a tragédia", afirma.

Em Harvard desde 2015, Chalhoub lecionou na Unicamp (Universidade Estadualgalera bet ganhe 50Campinas) por 30 anos e foi professor visitante nas universidadesgalera bet ganhe 50Michigan e Chicago.

Alémgalera bet ganhe 50Cidade febril, é autorgalera bet ganhe 50Trabalho, lar e botequim, sobre a vida nas classes baixas cariocas, egalera bet ganhe 50Visões da Liberdade, sobre as últimas décadasgalera bet ganhe 50escravidão na cidade.

Também escreveu Machadogalera bet ganhe 50Assis, historiador, sobre as ideias políticas do escritor, e coeditou cinco livros sobre a história social do Brasil.

Crédito, Getty Images

Na entrevista à BBC News Brasil, Chalhoub diz ainda que, embora trágica, a pandemia pode deixar legados positivos — como nos ensinar formasgalera bet ganhe 50viver com uma "economia desacelerada", que reduza a "movimentação alucinadagalera bet ganhe 50mercadorias e pessoas, que está explodindo com o planeta e que faz com que tudo circule mais rápido: bactérias, vírus e poluição".

Confira os principais trechos da entrevista:

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - Qual o impacto que as epidemias no fim do Brasil Império tiveram na sociedade nacional?

galera bet ganhe 50 Sidney galera bet ganhe 50 Chalhoub - A epidemia que primeiro teve um impacto poderoso foi agalera bet ganhe 50febre amarelagalera bet ganhe 501849-1850.

Ela não só matou muita gente como fez muito estrago nas elites. O imperador perdeu um filho. Como ela matava imigrantes, ela afetava o sonhogalera bet ganhe 50importar trabalhadores europeus.

E como ela voltava a cada verão, Petrópolis cresceu. Os nobres todos fugiam para lá, pois o mosquito transmissor não sobrevivia na altitude da região serrana, embora nem se soubesse ainda que a doença era transmitida por mosquito.

A epidemia também foi mais um argumento pelo fim do contrabandogalera bet ganhe 50africanos, que estava proibido desde a décadagalera bet ganhe 501830, mas continuava intenso e contava com a conivência do Estado brasileiro.

Havia médicos que argumentavam que a febre amarela era transmitida para as Américas por meio do tráfico negreiro. Então houve finalmente a decisãogalera bet ganhe 50acabar com o tráfico.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - Que outras epidemias foram marcantes na época?

galera bet ganhe 50 Chalhoub - Eu citaria uma epidemiagalera bet ganhe 50cólera violentíssima que houvegalera bet ganhe 501855. Como ela se espalhava pelo consumogalera bet ganhe 50alimentos e água contaminados, as casas mais abastadas, que tinham acesso a água e alimentosgalera bet ganhe 50melhor qualidade, estavam mais protegidas do que aquelas que utilizavam rios da cidade para atender suas necessidades.

Essa epidemia matou uma quantidade enormegalera bet ganhe 50escravos e foi inclusive responsável por uma mudança no mercadogalera bet ganhe 50trabalho. Até ali, havia certa abundânciagalera bet ganhe 50escravos. A epidemia mudou essa equação.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - De que forma essas epidemias moldaram a estrutura do governo?

Crédito, Marcos Corrêa/Agência Brasil

Legenda da foto, Presidente Jair Bolsonaro já disse que a covid-19 é uma 'gripezinha'

galera bet ganhe 50 Chalhoub - A partir do enfrentamento da febre amarela, surge uma comissãogalera bet ganhe 50higiene que depois daria origem à Junta Centralgalera bet ganhe 50Higiene Pública, o primeiro órgão do governo imperial que tenta centralizar a contençãogalera bet ganhe 50epidemias e elaborar políticas públicas para enfrentá-las.

No caso do Rio, onde a junta funcionava, ela ajuda a articular a políticagalera bet ganhe 50repressão aos cortiços quando eles começam a crescer muito na cidade.

Ela também passa a sugerir políticasgalera bet ganhe 50transformação urbana para, segundo as teorias médicas da época, dispersar os miasmas e diminuir as chancesgalera bet ganhe 50epidemias.

As cidades começaram a ter avenidas largas, e não era para as pessoas andaremgalera bet ganhe 50automóvel. Era para os miasmas se dispersarem. As reformas do (prefeito Georges-Eugene) Haussmanngalera bet ganhe 50Paris, nos anos 1850, foram para isso.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - O sr. dizgalera bet ganhe 50seu livro que as moradias dos pobres eram associadas à disseminaçãogalera bet ganhe 50epidemias no Brasil Império, o que levou a uma políticagalera bet ganhe 50erradicação dos cortiços. Hoje fala-se o mesmo das favelas, mas as autoridades parecem ter desistidogalera bet ganhe 50dar uma "solução final" para o problema. O que mudou?

galera bet ganhe 50 Chalhoub - Um fator foi a expansão das cidades. Até o século 19, não havia grandes cidades no mundo e elas não eram segregadas como hoje. Casarões ficavam ao ladogalera bet ganhe 50cortiços. A cidade não tinha essa projeção espacial da estruturagalera bet ganhe 50classes.

Boa parte das reformas urbanas na segunda metade do século 19 teve como resultado e intuito a projeção espacial das desigualdades da sociedade. Passa a haver regiões dos ricos e regiões dos pobres.

Essa segregação permite também a criação da ideiagalera bet ganhe 50que os espaços ocupados pelos pobres sãogalera bet ganhe 50perigo,galera bet ganhe 50vadios,galera bet ganhe 50criminosos,galera bet ganhe 50circulaçãogalera bet ganhe 50doenças. Eles tinham que ser afastados para não contaminar.

O problema é que, abstraindo todo esse estigma, sabemos que a aglomeração nas moradias mais pobres é um elemento que facilita o contágiogalera bet ganhe 50uma doença como a covid-19.

A soluçãogalera bet ganhe 50erradicar as favelas já foi tentada, é violenta e não funciona. Mas você pode imaginar outras coisas.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - Como o quê?

galera bet ganhe 50 Chalboub - Se aumenta a quantidadegalera bet ganhe 50gente trabalhando remotamente, como tem ocorrido agora, talvezgalera bet ganhe 50partes grandes da cidade possa haver menos edifícios dedicados a escritórios. Poderia haver programasgalera bet ganhe 50moradia no centro.

Também pode-se diminuir a densidade demográfica das favelas, o que já permitiria outra visãogalera bet ganhe 50relação ao acesso a serviços públicos.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - O sr. menciona no livro como as autoridades imperiais temiam a "ociosidade" dos pobres. Como o medogalera bet ganhe 50sublevação das classes baixas acompanha a história das epidemias no Brasil?

galera bet ganhe 50 Chalhoub - A segunda metade do século 19 criou a ideiagalera bet ganhe 50ameaça das massas urbanas. Isso continua.

O próprio presidente (Jair Bolsonaro) parece estar insuflando a rebelião, estimulando as pessoas a voltar a trabalhargalera bet ganhe 50qualquer maneira e sugerindo que, se não conseguirem sobreviver nessa situação, vão resolver seu problema a qualquer custo.

Parece que ele está insuflando os saques e a desobediência a essas medidas que estão sendo sugeridas para ganhar tempo até que se tenham estratégias eficazesgalera bet ganhe 50conter o dano da epidemia.

Seria desejável que houvesse um concerto entre as autoridade públicas para que a mensagem fosse unívoca e as políticas fossem o mais eficazes quanto podem ser numa situaçãogalera bet ganhe 50extrema dificuldade.

Os sinais contraditórios podem, isso sim, aumentar o desespero e a noçãogalera bet ganhe 50salve-se quem puder.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - Nas epidemias do passado, houve disputas equivalentes às que temos hoje entre governadores, que defendem medidas mais restritivas, e o presidente, que quer aliviar a quarentena?

galera bet ganhe 50 Chalhoub - Um exemplo interessante foi a questão da vacina antivariólica. Ela já existia desde o início do século 19 e era comprovadamente eficaz.

No início do século 20, o (presidente) Rodrigues Alves e o (diretor-geralgalera bet ganhe 50Saúde Pública) Oswaldo Cruz tinham uma posição unívoca a favor da vacinação, um não ficava brigando com o outro como vemos hoje.

Mas havia problemas, porque era um procedimento doloroso e interferiagalera bet ganhe 50concepções religiosasgalera bet ganhe 50origem africana ou mesmo católicas, como a noçãogalera bet ganhe 50que os flagelos eram puniçõesgalera bet ganhe 50Deus que vinham para purificar sociedade.

O movimento antivacínico era muito forte. Havia uma presença policial ostensiva e violência na forma como a vacinação era conduzida, o que foi provocando uma reação da população.

Outra questão é que parte da elite, da imprensa e dos políticos pregava contra a vacina. Isso explode na revolta antivacinagalera bet ganhe 501904 - que é trágica, porque, quatro anos depois, o Riogalera bet ganhe 50Janeiro teria uma das piores epidemiasgalera bet ganhe 50varíola dagalera bet ganhe 50história.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - Também havia debates sobre o equilíbrio entre salvar vidas e reduzir os danos à economia?

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O Brasil já registrou maisgalera bet ganhe 50mil mortes por covid-19; no mundo, já são maisgalera bet ganhe 50100 mil mortes

galera bet ganhe 50 Chalhoub - Sim. Quando as autoridades percebiam que havia uma epidemiagalera bet ganhe 50cólera ougalera bet ganhe 50febre amarela, elas primeiro tentavam negar ao máximo, porque isso prejudicava a economia. A importaçãogalera bet ganhe 50produtos ficava paralisada.

E quando se impunham quarentenas, os navios evitavam os portos, o que criava dificuldades para a exportaçãogalera bet ganhe 50café. Então sempre havia a preocupaçãogalera bet ganhe 50equilibrar o combate à doença com os prejuízos econômicos que ela causava.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - A atual pandemia pode nos deixar legados positivos?

galera bet ganhe 50 Chalhoub - Acho que sim. Por mais que tenhamos passado os últimos anos governados pelas fake news, nessa hora todo mundo espera a salvação pela ciência.

Espero que a epidemia ajude a desautorizar políticos levianos que têm governado várias partes do mundo com a arrogância da ignorância. Essa arrogância está agora sendo desmascarada por fatos trágicos.

No Brasil, a figura do presidente, que é uma caricatura disso, mostra como a ignorância é impotente contra a tragédia.

Não há solução foragalera bet ganhe 50uma vacina, ou da descobertagalera bet ganhe 50medicamentos eficazes, ougalera bet ganhe 50seguir recomendações sanitárias que diminuam o estrago imediato.

Isso mudougalera bet ganhe 50relação às epidemias dos séculos 19 e início do 20. Hoje há uma medicalização muito maior da sociedade e o entendimento da eficácia da medicina científica.

O que torna essa pandemia mais assustadora é que ela é uma metáfora perfeita da globalização. Ela segue a trilha das mercadorias e da circulaçãogalera bet ganhe 50pessoasgalera bet ganhe 50maneira tão radical e tão incontrolável quanto a ideologia neoliberal imaginava que a economia poderia ser.

Sempre houve uma relação direta entre a circulaçãogalera bet ganhe 50mercadorias e agalera bet ganhe 50vírus e bactérias. A cólera e a febre amarela só viraram pandemias no século 19 quando os navios ficaram mais rápidos e quando começou a ter estradagalera bet ganhe 50ferro.

Só que a pandemia atual é ainda mais rápida. Esse neoliberalismo agressivo que tomou conta das políticas econômicas internacionais criou outro problema, porque essas políticas diminuíram o Estado, e,galera bet ganhe 50repente, os países se veem despreparados para lidar com uma crise agudagalera bet ganhe 50saúde pública.

É por isso que ela também ataca o imagináriogalera bet ganhe 50forma tão radical. Ela colocagalera bet ganhe 50questão todo um meiogalera bet ganhe 50vida egalera bet ganhe 50pensar a economia nas últimas décadas, o Estado mínimo e a naturalização das desigualdades.

galera bet ganhe 50 BBC News Brasil - Como tem sidogalera bet ganhe 50rotina durante a pandemia?

galera bet ganhe 50 Chalhoub - Desde o dia 10galera bet ganhe 50março, a universidade determinou que os alunos todos fossem para casa. Dois dias depois, todos os funcionários e professores pararamgalera bet ganhe 50ir aos escritórios.

A universidade fez um esforço muito grande para que todos os professores que nunca deram aula online antes tivessem um mínimogalera bet ganhe 50treinamento sobre como fazer isso. Então as aulas têm acontecido. A universidade está a pleno vapor.

O que me faz pensar: se você pega os escritórios todosgalera bet ganhe 50uma grande cidade e reduz os diasgalera bet ganhe 50trabalho conjunto para dois dias por semana, imagina a quantidadegalera bet ganhe 50reduçãogalera bet ganhe 50poluição egalera bet ganhe 50sobrecarga no transporte público?

Talvez essa pandemia também nos ensine algo sobre como viver com uma economia desacelerada.

Uma desaceleração da movimentação alucinadagalera bet ganhe 50mercadorias e pessoas, que está explodindo com o planeta e que faz com que tudo circule mais rápido: bactérias, vírus e poluição.

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