'Se morrenovibet 365mãe, é 100%. A perda é absoluta', diz médica paliativista sobre ameaça do coronavírus:novibet 365

Diantenovibet 365floresnovibet 365memorial, mulher com máscara se dobranovibet 365sinalnovibet 365reza na China

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Mulhernovibet 365Wuhan, cidade chinesa onde coronavírus teve origem, faz homenagem a vítimas da doença; a médica Ana Claudia Quintana Arantes alerta que pandemia traz desafios sem precedentes para o lutonovibet 365milharesnovibet 365pessoas

"É traumático porque fogenovibet 365todos os parâmetrosnovibet 365organização da perda: não tem acesso ao remédio, não tem acesso ao teste, não tem acesso à entubação, não tem acesso à família", explica Arantes, formadanovibet 365medicina pela Universidadenovibet 365São Paulo, com residêncianovibet 365geriatria e gerontologia e especializaçãonovibet 365cuidados paliativos pelo Instituto Pallium e pela Universidadenovibet 365Oxford.

A médica aponta para o bloqueio ao acesso da família a pacientes internadosnovibet 365UTIs e das restrições a velórios, por riscosnovibet 365contaminação, como medidas inescapáveis hoje para o controle da pandemia — mas que terão consequências altamente complexas para o processonovibet 365despedidanovibet 365pacientes enovibet 365luto para suas pessoas queridas.

"Se você pensa mais ou menos dez enlutados para cada morte, imagina os milhõesnovibet 365pessoas que ficarão inviáveis ou terão dificuldadenovibet 365reabilitação paranovibet 365própria vida (por ter perdido alguém para a covid-19)."

Ana Claudia Quintana Arantes sorri para fotonovibet 365dentronovibet 365construção histórica

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, 'O processonovibet 365luto énovibet 365altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus', diz a paliativista Ana Claudia Quintana Arantes

Sobre o percentualnovibet 365letalidade do coronavírus, Arantes reconhece que ele é menor do que onovibet 365outras doenças, mas critica que considerar estatísticas na saúde é se distanciar "da experiência humana".

"Se morrenovibet 365mãe, é 100%. Você pode pensar: 1% das mães morreram, 99% delas estão vivas. Acontece que para você é 100%. A experiência da perda é concreta e absoluta", define a médica, diretora da Casa Humana, que presta cuidados paliativosnovibet 365domicílio para pacientes com diagnósticos como câncer e sequelasnovibet 365AVC.

Confira os principais trechos da entrevista.

novibet 365 BBC News Brasil - A atual pandemianovibet 365coronavírus está impactando a relação das pessoas com a saúde e a morte?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - É como se o mundo todo estivesse com o resultadonovibet 365uma biópsia na mão, para abri-lo, com um possível diagnósticonovibet 365uma doença que ameaça a continuidade da vida.

Com o coronavírus, está todo mundo com a possibilidadenovibet 365se contaminar e, se contaminando, a possibilidadenovibet 365perdernovibet 365vida. Ou alguém danovibet 365família. A questãonovibet 365risconovibet 365vida está batendo na portanovibet 365todo mundo ao mesmo tempo. É o mundo inteiro na mesma página agora, pode ser americano, canadense, sul-americano...

Quando você tem a consciêncianovibet 365que estánovibet 365risco, muitos sentimentos vêm. O medo é o principal deles; mas também a urgência pela vida.

Quando você tem essa percepção, você pensa: por que eu não disse que amava? Por que eu não dei valor a essa vida quando ela era acessível?

Quem nunca pensou nesse assunto antes, está agora vivendo um sofrimento muito intenso.

Além da questãonovibet 365ficarnovibet 365isolamento. Quando havia problemasnovibet 365ansiedade, uma crise dentronovibet 365si mesmo, você podia fugir para fora. Agora, tem que ficar dentronovibet 365casa.

Ficarnovibet 365casa para muita gente significa ficarnovibet 365si mesmo. Só que muita gente habita um mundo interno muito hostil. Além das questões da convivência, das pessoas entrandonovibet 365contato com uma realidade afetiva que nunca foinovibet 365fato enfrentada, como os casais. Agora é a hora da verdade.

Em cemitério, cercanovibet 365dez pessoas rezam ao fundo;novibet 365primeiro plano, três pessoas com jaleco e inteiramente protegidas seguram caixão

Crédito, REUTERS/Bruno Kelly

Legenda da foto, Enterronovibet 365Manausnovibet 365Denis Queiroz da Silva, 34 anos, vítima da covid-19; médica especialistanovibet 365cuidados paliativos aponta que medidas para bloquear contaminação pelo coronavírus terão implicações ainda mais desafiadoras para processo do luto

novibet 365 BBC News Brasil - Você lidanovibet 365seu trabalho com pessoas diagnosticadas com doenças difíceis, incuráveis. Mas agora estamos falandonovibet 365uma doença nova e desconhecida. Isso traz implicações diferentes?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Sim, porque não haverá a oportunidadenovibet 365um paciente grave ter tempo com as pessoas. No meu livro A morte é um dia que vale a pena viver, eu fiz um convite às pessas refletirem sobrenovibet 365finitude, tornando a vida digna, para que não se precise pensarnovibet 365uma morte digna, e sim na vida. Para que pessoas, mesmo gravemente enfermas, possam estar presentes no encontro com as outras.

Mas agora, a gente vive um momentonovibet 365que isso não é possível.

Por isso, a reflexão é muito mais urgente, porque ela diz respeito a uma vida que não está acessível agora.

Nós vamos passar por um processonovibet 365reabilitação da vida. Para ninguém a vida será a mesma depois disso. Mesmo quem não perder ninguém, que tiver só perdas econômicas, vai ter uma experiêncianovibet 365olhar para as condições dela, materiais, profissionais,novibet 365outro jeito.

No mundo médico, até outro dia era uma crise absurda contra a telemedicina, "que absurdo os profissionais não terem contato com o paciente". Uma epopeia. E aí, do dia pra noite, a telemedicina é liberada, publicada no Diário Oficial.

É uma quebra — uma quebra não, uma dissoluçãonovibet 365paradigmas. Elesnovibet 365repente desapareceram por conta das necessidades.

novibet 365 BBC News Brasil - Para algumas pessoas, essa pandemia ampliou a possibilidade do teletrabalho, mas pra outras, tornou ainda mais urgente questões sociais como condições precáriasnovibet 365moradia.

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Também é uma realidade que ninguém se importava antes e estamos falando dela agora.

Vou te falar minha opinião, que não sei se vale muita coisa, mas sobre essa demanda dos empresários para que se volte a trabalhar logo.

Se as pessoas voltam a trabalhar, vai ter morte aos milhares. E essas pessoasnovibet 365subcondiçãonovibet 365vida vão morrernovibet 365maior número. Essas pessoas (empresários que adotam esse tiponovibet 365discurso priorizando a economia) não entendem que não vai ter chãonovibet 365fábrica, porque as pessoas vão morrer. Estão lutando pela retomadanovibet 365economianovibet 365cimanovibet 365cadáveres.

Podem falar: mas é pior para as pessoas pobres ficaremnovibet 365casa. Na verdade, o pior já aconteceu: um total descaso da sociedadenovibet 365viabilizar uma vida digna para essas pessoas. De ter um lugar habitável, estruturanovibet 365saneamento básico, escolas, segurança, saúde.

As pessoas destruíram o sistemanovibet 365saúde, inviabilizaram a ciência e agora a única formanovibet 365sobreviver é retornando a condiçõesnovibet 365acesso à saúde que estavam sendo destruídas.

De repente,novibet 365poucas semanas, tem que reconstruir toda a assistêncianovibet 365saúde e o investimento na ciência porque existe uma necessidadenovibet 365resposta que as grandes corporações não trazem. São os cientistas que têm que decidir sobre a dosagemnovibet 365anticorpos, ou a produçãonovibet 365uma vacina. Quem estava dedicado a isso, perdeunovibet 365bolsanovibet 365pesquisa.

novibet 365 BBC News Brasil - Principalmente no início dos casosnovibet 365covid-19, políticos e até médicos minimizaram o perigo desta doença, posição que foi mantida mais recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro, que falounovibet 365uma "gripezinha". Sabemos das inúmeras perdas que essa doença já causou pelo mundo, mas também é um fato que a mortalidade dela é diferentenovibet 365outras doenças infecciosas, por exemplo. Por que a reação a essa doença é diferente?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Esse papo furadonovibet 365estatística só pertence a quem está interessado no resultado da estatística. Sou médica, e no nosso meio, quando falamosnovibet 365estatísticasnovibet 365congressos, mestrados, doutorados, estamos nos distanciando da experiência humana do processo.

Estatisticamente, o percentualnovibet 365morte é baixo. Concordo. A questão é: é um vírus que contamina muito rápido. Então, percentualmente, a letalidade é baixa, masnovibet 365números absolutos, é indecente. É inimaginável pensar que pode haver 200 mil mortesnovibet 365uma semana.

Aí vem o papo: ah, a dengue mata também, o H1N1 mata também. Mata, mas a proporção está diluída ao longo do tempo. E o serviçosnovibet 365saúde bem o mal se acomodamnovibet 365viabilizar os cuidados.

O que está acontecendo é inviável.

Então, a estatística é linda para publicar artigo, para palanque político.

Mas se morrenovibet 365mãe, é 100%. Você pode pensar: 1% das mães morreram, 99% delas estão vivas. Acontece que para você é 100%. A experiência da perda é concreta e absoluta.

(Nota da redação: Hoje, a estimativa da OMS é que 3,4% das pessoas infectadas pelo vírus morrem, mas alguns cientistas estimam que esse índice girenovibet 365tornonovibet 3651%.)

novibet 365 BBC News Brasil - O luto já é difícil, e o coronavírus está mudando algumas partes do processo.

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Para cada pessoa que morre, a gente estima dez enlutados. O processonovibet 365luto énovibet 365altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus.

Uma pessoa pode estar bem, até ter doenças crônicas, é infectada enovibet 365três semanas morre. E sem poder ter contato com a família.

É traumático porque fogenovibet 365todos os parâmetrosnovibet 365organização da perda: não tem acesso ao remédio, não tem acesso ao teste, não tem acesso à entubação, não tem acesso à família. É uma desorganização diante do que antes era considerado normal, esperado.

E pra quem fica, o processonovibet 365luto pode inviabilizar uma vida — por meses, anos, afetando no trabalho, os relacionamentos...

Então, se você pensa mais ou menos dez enlutados para cada morte, imagina os milhõesnovibet 365pessoas que ficarão inviáveis ou terão dificuldadenovibet 365reabilitação paranovibet 365própria vida (por ter perdido alguém para a covid-19).

Essa é a complexidade da situação.

Grafitenovibet 365empenanovibet 365prédio retrata profissionaisnovibet 365saúde na Polônia

Crédito, WOJTEK RADWANSKI/AFP

Legenda da foto, Homenagem a profissionaisnovibet 365saúde na Polônia; médica brasileira aponta que eles terão ainda mais importância nos momentos finaisnovibet 365pacientes

novibet 365 BBC News Brasil - Por que fazer velórios normalmente, ou ter contato com o corpo, coisas inviabilizadas agora pela covid-19, podem fazer falta no processonovibet 365luto?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - A ritualização, como o funeral, faz partenovibet 365uma elaboração da nova etapa da pessoa que fica. Cada cultura vai ter seu ritual.

Quando você vê o corpo, enterra, chora, faz a missanovibet 365sétimo diz, faz as rezas, isso estrutura o processo. É como se você fosse fazer uma trilha, e tem uma sinalização. A ritualização dá seguranças.

Sem essa ritualização, a emoção da perda é arrebatadora.

novibet 365 BBC News Brasil - Nas situaçõesnovibet 365que um paciente internado não pode receber visitas, o profissionalnovibet 365saúde que estará ao lado dele terá ainda mais importância, certo?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Ainda mais importância, porque possivelmente será a única formanovibet 365conexão humana ainda disponível.

novibet 365 BBC News Brasil - Para profissionais como esses e que nunca tiveram muito contato com as noções dos cuidados paliativos, o que você daria como orientação?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Quando elas verem que uma pessoa está morrendo, idealmente antesnovibet 365entubar o paciente, eu diria: farei o melhor que eu puder para anovibet 365vida.

Se eu falo isso na horanovibet 365entubar uma pessoa, cria-se uma conexão muito forte,novibet 365confiança.

Se a última coisa que você ouvir nanovibet 365vida for isso, vai ter valido à pena. No momento que você estava nanovibet 365maior fragilidade, teve alguém que falou: farei o possível pelanovibet 365vida. Não é nem para salvarnovibet 365vida, mas o possível pelanovibet 365vida.

Se o paciente realmente estiver morrendo, já foram tomadas todas as medidas e ele não está respondendo, você fala para ele: você é muito corajoso.

São duas coisas que acredito precisarem fazer parte da experiência humana. Uma delas é saber que você é importante para alguém; e outra é se ver como alguémnovibet 365valor.

novibet 365 BBC News Brasil - E, como aconteceunovibet 365outros países, pode ser que estes profissionais tenham que fazer o que tem sido chamadonovibet 365escolhanovibet 365Sofia novibet 365 . Há algum preparo para este tiponovibet 365situação?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Nenhum preparo. Tem muitos jovens que estão sendo nomeados chefesnovibet 365UTI e não têm condiçõesnovibet 365saber escolher; vão fazer escolhas com bases intuitivas, ou minimamente qualificadas... E vão sofrer muito por isso.

Mesmo as pessoas mais experientes, ninguém está preparado.

novibet 365 BBC News Brasil - No ramo dos cuidados paliativos, tem iniciativas pelo mundo na atual pandemia que têm te chamado a atenção?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Existe um movimento mundialnovibet 365cima dessas prerrogativasnovibet 365paliativosnovibet 365emergência. Centrosnovibet 365referêncianovibet 365cuidados paliativos estão promovendo documentação, treinamentos, para que agir no meio desta emergência.

Está tendo também uma campanhanovibet 365doaçãonovibet 365tabletsnovibet 365Portugal para usonovibet 365despedidas (entre pacientes e pessoas queridas).

Aqui no Brasil, estamos orientando profissionaisnovibet 365saúde que podem oferecer cuidados paliativos via Casa do Cuidar, Associação Nacionalnovibet 365Cuidados Paliativos, várias Unimeds que têm a redenovibet 365cuidados paliativos...

Estamos formalizando treinamentos para manejonovibet 365sintomas respiratórios, como tosse e faltanovibet 365ar. O acesso a medicações como morfina, a midazolam, que é um ansiolítico para controlar a faltanovibet 365ar...

Mas o Brasil já tinha muito pouco perto da necessidade que já tínhamos. Havia a estimativanovibet 365só 0,3% dos pacientes que precisariamnovibet 365cuidados paliativos tinham acesso. Então estamos muito atrasadosnovibet 365númerosnovibet 365equipes, mas a qualidade delas costuma ser muito boa.

(Nota da redação: A médica menciona também que colaborou com a criaçãonovibet 365uma guia para despedidas à distância, que está sendo desenvolvida por Tom Almeida, fundador do movimento inFinito. Procurado depois da entrevista, Almeida contou que o Guianovibet 365Rituaisnovibet 365Despedidas Virtuais será lançadonovibet 36515novibet 365abril na internet, oferecendo orientações e dicasnovibet 365plataformas que permitem, por exemplo, chamadasnovibet 365vídeo para conectar pacientes internados e familiares).

novibet 365 BBC News Brasil - Sendo geriatra, como você vê o tratamento, cultural mesmo, aos idosos nessa pandemia?

novibet 365 Ana Claudia Quintana Arantes - Penso que a forma com a gente lida com os idosos no Brasil é bastante... imatura. A gente olha para o idoso como uma pessoa incapaznovibet 365compreender e como alguém que precisa obedecer um adulto jovem.

Só que esse idoso é capaz e começa a se revoltar com isso (a tutela).

O idoso, que está sendo muito agredido, tratadonovibet 365forma pejorativa sobre o isolamento social, quando exige um espaçonovibet 365escuta, está sendo massacrado.

Eu não tive problemas com os idosos que cuido. Eu conversei com cada um deles, fiz consultas por vídeo (a médica diz que seus pacientes já eram atendidos por contanovibet 365outras condiçõesnovibet 365saúde, mas alguns têm suspeitanovibet 365coronavírus; estes casos estão sendo monitorados).

Também precisamos entender que alguns idosos também têm seu processonovibet 365negação, assim como os adultos.

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