Coronavírus: o que diz a Ciência sobre 6 pontos do discursoBolsonaro:

O presidente Jair Bolsonaro durante o pronunciamento realizado24março2020

Crédito, Reprodução/Palácio do Planalto

Legenda da foto, PronunciamentoBolsonarorede nacional provocou uma sériecríticasautoridades

A BBC News Brasil analisou trechos do discurso do presidente à luz das evidências científicas divulgadas até agora e da experiênciaoutros países. Confira abaixo. A íntegra do discurso está no final da reportagem.

Mulher usando máscara passa por moradorruaMilão,25março2020

Crédito, DANIEL DAL ZENNARO/EPA

Legenda da foto, Em seu discurso, Bolsonaro disse que a imprensa espalhou 'pavor' a partir das mortes na Itália

Jair Bolsonaro: Mas o que tínhamos que conter naquele momento era o pânico, a histeria e ao mesmo tempo traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desempregomassa. Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. Grande parte dos meioscomunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensaçãopavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande númerovítimas na Itália. Um país com grande númeroidosos e com um clima totalmente diferente do nosso.

A Itália é hoje o país com o maior númeromortos por covid-19 (mais6,8 mil), a doença causada pelo novo coronavírus. O país ultrapassou a China, epicentro da pandemia, nesse quesito no dia 19.

De fato, a Itália tem uma grande populaçãoidosos (23%). Proporcionalmente, é a segunda maior mundo, depois do Japão (27%). Aproximadamente, um a cada quatro italianos tem mais65 anos. No Brasil, essa proporção éum a cada dez (quase 9,8%).

O país, assim como o restante da Europa, está agora na primavera, mas o surtocoronavírus teve início durante o inverno, quando as temperaturas dificilmente ultrapassam 15 graus, especialmente no norte do país, a região mais afetada até agora. Gripes e resfriados também são mais comuns durante o inverno.

O alto percentualidosos da Itália, no entanto, não é a única explicação para o número elevadomortes. O segundo país mais afetado da Europa, a Espanha, com 43 mil casos confirmados até agora, tem, proporcionalmente, a 14ª maior populaçãoidosos.

Já a Alemanha, apesarsua enorme populaçãoidosos (21%), tem até agora uma das mais baixas taxasmortalidade entre os maiores países da Europa.

A quantidadeleitosUTI disponíveis, 25 mil, comparada àpaíses como a Itália, 5 mil, vem sendo apontada como uma das razões. Ou seja, o Brasil pode ter a suposta vantagem demográfica comprometida pela capacidade do sistemasaúde.

Ainda que idosos sejam o principal gruporisco da doença - têm mais chancesdesenvolver os sintomas mais graves e morrerdecorrência dela, não são os únicos afetados pelo novo coronavírus. Qualquer pessoa com doenças pré-existentes, independentementesua faixa etária, também.

Além disso, na semana passada, a OMS (Organização Mundial da Saúde) emitiu um alerta aos jovens.

"Tenho uma mensagem para os mais jovens: vocês não são invencíveis; o vírus pode colocá-los no hospital por semanas ou até matá-los. Mesmo se vocês não ficarem doentes, as escolhas que vocês fazem sobre aonde vão podem significar a diferença entre a vida e a morte para outra pessoa", disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, Willem van Schaik, professor do InstitutoMicrobiologia e Infecção da UniversidadeBirmingham, no Reino Unido, disse "ser muito errado pensar que aqueles abaixo50 anos sempre vão ter sintomas leves: haverá indivíduos mais jovens e muito doentes também e eles vão precisartratamento".

Embora o riscomorte por covid-19 entre aqueles abaixo50 anos, especialmente os mais jovens,até 30 anos, seja extremamente raro, o problema é que eles, justamente por serem menos suscetíveis a desenvolver os sintomas mais graves da doença, acabam expondo-se mais ao risco e, como resultado, podem ocupar leitos que poderiam ser destinados àqueles que mais precisam.

Em relação ao clima, não há garantiasque temperaturas mais amenas interrompam o surto. Vale lembrar que uma variedade diferentecoronavírus — causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), por exemplo — surgiu no verão, na Arábia Saudita. Além disso, éabril que o númeroinfecções respiratórias começa a subir no Brasil, principalmente no sul do país.

Homem usa máscara no Saara, no RioJaneiro,24março2020

Crédito, Buda Mendes/Getty Images

Legenda da foto, Coronavírus deixou as ruas vazias e fez as pessoas buscarem proteção ao saircasa

Bolsonaro: É essencial que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós. O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará.

O primeiro casocoronavírus confirmado no Brasil foi oum empresário61 anosSão Paulo que viajou à Itália e voltou ao país no iníciomarço com os sintomas da doença. A primeira morte, um homem62 anos, tambémSão Paulo, foi registrada no dia 17.

Desde então, já houve transmissão comunitária do vírus — quando ele já circula livremente e já não é mais possível rastrear a origemtodos os casos confirmados.

O Ministério da Saúde vem tomando medidas para mitigar o contágio, como distanciamento social e regulamentação da telemedicina.

Maspaíses que já sofreram — ou estão sofrendo — a pior fase da pandemia, o vírus não sumiu naturalmente. Tampouco conseguiram debelá-lo "brevemente" sem tomar medidas duras.

A China, por exemplo, isolou várias cidades com milhõeshabitantes e construiu hospitaismenosuma semana para lidar com a emergência. Foram necessários três meses desde o início do surto para que o país não mais registrasse casos locais, o que aconteceu no dia 19março.

Já a Coreia do Sul, considerada um exemplo no combate à pandemia, dado o baixo númeromortos, apesar do alto númeroinfectados, realizou testesmassa.

"A Coreia do Sul monitora 10 mil pessoas por dia, muitas das que tiveram resultados positivos apresentaram sintomas leves", explicou à BBC Benjamin Cowling, professorepidemiologia da UniversidadeHong Kong.

Além disso, dados mostram que a curvacontágio no Brasil segue a mesma tendência observadaoutros países do mundo, com o númerocasos confirmados dobrando inicialmente a cada três a quatro dias.

A avenida Paulista,São Paulo, vazia24março2020

Crédito, Amanda Perobelli/Reuters

Legenda da foto, Presidente criticou medidas como o fechamento do comércio, que esvaziaram marcos como a avenida Paulista,São Paulo

Bolsonaro: Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceitoterra arrasada, a proibiçãotransportes, o fechamentocomércio e o confinamentomassa.

A preocupação com a economia é generalizadatodo o mundo. Na semana passada, o governo federal anunciou um pacote emergencialR$ 147,3 bilhões contra o impacto do coronavírus. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, as ações visam a proteger a população mais vulnerável e manter empregos.

Os Estados Unidos foram além. Congressistas republicanos e democratas anunciaram nesta quarta-feira (25/03) um acordo preliminar para um pacoteestímulos econômicos que deve injetar US$ 2 trilhões na economia.

A imensa maioria dos países que sofreu ou ainda está sofrendo os efeitos perversos do coronavírus não se furtaram a decretar medidas duras, fechando comércios não-essenciais e confinando as pessoascasa.

Itália, França e Espanha determinaram que a população não saiacasa a não ser para ir ao supermercado, à farmácia ou ao hospital - e ao trabalho para aqueles que prestam serviços essenciais que não possam ser feitos remotamente.

Quem descumprir a ordem está sujeito a multas e até prisão. O objetivo é "achatar a curva", ou seja, reduzir o númeroinfectados e evitar a saturação dos sistemassaúde.

Bolsonaro: O que se passa no mundo tem mostrado que o gruporisco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fataispessoas sãs, com menos40 anosidade. Noventa por centonós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.

Ainda que as crianças tenham menos probabilidadedesenvolver os sintomas mais graves da doença, podem transmiti-la para os mais velhos. São consideradas, assim, "super-transmissores".

Além disso, adultos que trabalham nas escolas podem infectar uns aos outros, alémexpor a todos (pais, alunos e outros profissionais) ao vírus. Jovens também podem espalhar a doença.

Além disso, segundo a OMS,80% (e não 90%) dos casos confirmadoscoronavírus, os pacientes tiveram sintomas leves, parecidos aosuma gripe, e se recuperaram sem ter a necessidadecuidados intensivos.

Jair Bolsonaro fala com jornalistas no Palácio da Alvorada,25março2020

Crédito, Andressa Anholete/Getty Images

Legenda da foto, Em conversa com a imprensa na manhã desta quarta, Bolsonaro repetiu retórica

Bolsonaro: Devemos sim é ter extrema preocupaçãonão transmitir o vírus para os outros,especial aos nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde. No meu caso particular, pelo meu históricoatleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometidouma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.

Atletas não estão imunes a contrair o coronavírus e a desenvolver os sintomas mais graves da doença. Mas, por serem mais jovens e cuidarem dos pilares necessários para manter uma boa imunidade, podem debelá-la com mais facilidade, dizem especialistas.

Mesmo assim, o nadador sul-africano Cameron van der Burgh,31 anos, medalhistaouro nos Jogos Olímpicos2012, contraiu coronavírus e disse estar com problemas para executar tarefas simples.

"É,longe, o pior vírus que já encarei, apesarser um indivíduo saudável com pulmões fortes (não fumar/praticar esporte), viver um estilovida saudável e ser jovem", disse o nadador na última segunda-feira (23março).

"Ainda que os sintomas mais severos (febre alta) tenham diminuído, sinto ainda um forte cansaço e uma tosse residual da qual não consigo me livrar. Qualquer atividade física, como andar, acaba me deixando exausto por horas", acrescentou Van der Burgh, que concluiu: "A covid-19 não é piada".

Além dele, o francês Earvin Ngapeth,29 anos, astro do vôlei, também recebeu diagnóstico positivoinfecção pelo vírus. O campeão mundial afirmou ter passado "três dias complicados" e precisou ser internado.

Em nota, a Sociedade BrasileiraInfectologia disse que "neste difícil momento da pandemiaCOVID-19todo o mundo e no Brasil, trouxe-nos preocupação o pronunciamento oficial do Presidente da República Jair Bolsonaro, ao ser contra o fechamentoescolas e ao se referir a essa nova doença infecciosa como 'um resfriadinho'".

"Tais mensagens podem dar a falsa impressão à população que as medidascontenção social são inadequadas e que a COVID-19 é semelhante ao resfriado comum, esta sim uma doença com baixa letalidade", acrescentou a entidade.

Segundo alerta a Sociedade BrasileiraImunologia (SBI), a "COVID-19 não é um resfriado, mesmo que muitos infectados apresentem sintomas similares. Ela é uma doença que emforma mais grave leva o infectado a um quadro agudopneumonia".

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante anúncio sobre a crise do coronavírus24março2020

Crédito, MANDEL NGAN/AFP

Legenda da foto, FalaTrump sobre a cloroquina levou a corrida às farmácias brasileiras

Bolsonaro: Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA [órgãocontrolemedicamentos] americano e o Hospital Albert Einste i n,São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do c ovid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.

Pesquisas recentes mostraram resultados positivos,caráter preliminar, na administração da hidroxicloroquina no tratamentopacientes com coronavírus.

Uma dessas pesquisas foi publicada por cientistas chineses na revista científica Nature e trouxe conclusões promissoras desse medicamento para combater o novo coronavíruscélulas do rimuma espéciemacacos.

No entanto, ainda não há comprovação da eficácia e da segurança da hidroxicloroquina - ouqualquer outro medicamento - no combate a covid-19.

Nos Estados Unidos, um homem morreu e uma mulher foi internada depoisfazer uso da droga sem supervisão médica.

No Brasil, a notíciaque a medicação poderia combater a doença, após fala do presidente americano, Donald Trump, provocou uma corrida às farmácias e fez com que a Anvisa (AgênciaVigilância Sanitária) restringissevenda.

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Veja o discurso completoJair Bolsonaro:

Desde quando resgatamos nossos irmãosWuhan, na China,uma operação coordenada pelos ministérios da Defesa e Relações Exteriores, surgiu para nós um sinal amarelo.

Começamos a nos preparar para enfrentar o coronavírus, pois sabíamos que mais cedo ou mais tarde ele chegaria ao Brasil. Nosso ministro da Saúde reuniu-se com quase todos os secretáriosSaúde dos estados para que o planejamento estratégicoenfrentamento ao vírus fosse construído e, desde então, o doutor Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente trabalhoesclarecimento e preparação do SUS para atendimentopossíveis vítimas.

Mas o que tínhamos que conter naquele momento era o pânico, a histeria e ao mesmo tempo traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desempregomassa.

Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. Grande parte dos meioscomunicação foi na contramão. Espalharam exatamente a sensaçãopavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande númerovítimas na Itália. Um país com grande númeroidosos e com um clima totalmente diferente do nosso.

Um cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país. Contudo, percebe-se que,ontem para hoje parte da imprensa mudou seu editorial: pede calma e tranquilidade. Isso é muito bom, parabéns imprensa brasileira.

É essencial que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós. O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade.

Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceitoterra arrasada, a proibiçãotransportes, o fechamentocomércio e o confinamentomassa.

O que se passa no mundo tem mostrado que o gruporisco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fataispessoas sãs, com menos40 anosidade. Noventa por centonós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.

Devemos sim é ter extrema preocupaçãonão transmitir o vírus para os outros,especial aos nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde. No meu caso particular, pelo meu históricoatleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometidouma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.

Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA [órgãocontrolemedicamentos] americano e o Hospital Albert Einstein,São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.

AcreditoDeus, que capacitará cientistas e pesquisadores do Brasil e do mundo na cura dessa doença. Aproveito para render minha homenagem a todos os profissionaissaúde: médicos, enfermeiros, técnicos e colaboradores que, na linhafrente nos recebem nos hospitais, nos tratam e nos confortam.

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