Demitidos por causa do coronavírus: os brasileiros que já ficaram desempregados com a pandemia:betano conta

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Cuidadora Jaqueline De Nicola soube por meio do WhatsApp que seria demitida por conta do novo coronavírus

Ela prestava serviços a uma empresa terceirizada. O saláriobetano contaR$ 1,2 mil era fundamental na casabetano contaque ela mora com o marido, os quatro filhos e o netobetano contaum ano,betano contaTatuí (SP).

O marido dela,betano conta55 anos, está desempregado desde 2018. A única pessoa com emprego fixo na família, atualmente, é uma filha do casal,betano conta19 anos, que trabalha na áreabetano contacomputação e recebe cercabetano contaR$ 1,8 mil.

"O jeito agora é rezar, porque as contas não parambetano contachegar. Ninguém suspendeu pagamentobetano contaágua, luz ou internet", diz Jaqueline, que passou boa parte da segunda-feira (23/03) chorando,betano contavirtude da demissão. "Não sei o que fazer agora", lamenta.

Ela conta que, ao menos, outras 215 pessoas que também trabalhavam na empresabetano contaterceirização foram demitidas. Eles foram informadosbetano contaque seriam dispensados por meiobetano contauma mensagembetano contaWhatsApp encaminhada pela companhia, que disse que o Estadobetano contaSão Paulo havia cancelado o contrato, por não haver previsão para que as aulas retornassem.

Crédito, EPA

Legenda da foto, Ministério da Saúde confirmou maisbetano conta2,9 mil casos e 77 mortes por coronavírus no Brasil

"A partirbetano conta23betano contamarço, o Governo nos comunicou que não fará qualquer pagamento para a atividadebetano contacuidador. Em função deste ocorrido, infelizmente somos obrigados a encerrar os contratos imediatamente por motivobetano contaforça maior, também a partir do dia 23", diz o comunicado da empresa terceirizada, que prometeu pagar todos os direitos trabalhistas aos funcionários dispensados.

Desemprego e informalidade

Jaqueline faz partebetano contaum grupo que, segundo especialistas, deve crescer exponencialmente nas próximas semanas: obetano contademitidosbetano contadecorrência dos prejuízos causados pelo Sars-Cov-2, como é chamado oficialmente o novo coronavírus.

Nos últimos dias, Estados brasileiros passaram a adotar ações como suspensõesbetano contaaulas, fechamentosbetano contabares e restaurantes e cancelamentosbetano contaeventos para evitar aglomerações.

As medidas são adotadas para conter a propagação do vírus, que já infectou maisbetano conta2,6 mil pessoas no Brasil e matou 63 até esta quinta-feira (26).

Medidas semelhantes foram tomadas tambémbetano contaoutros países que enfrentam explosãobetano contacasos do novo coronavírus, como Itália, Espanha, França, Argentina e China — neste foram registrados os primeiros casos no mundo.

Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o mundo vai levar anos para se recuperar dos impactos da pandemia do novo coronavírus.

A entidade avalia que o choque econômico já é maior que o da crise financeirabetano conta2008 ou abetano conta2001, após os ataquesbetano conta11betano contasetembro daquele ano.

No Brasil, dados do Instituto Brasileirobetano contaGeografia e Estatística (IBGE), anteriores à pandemia, apontavam que havia cercabetano conta12 milhõesbetano contadesempregados. Havia ainda, aproximadamente, 38 milhõesbetano contabrasileirosbetano contatrabalhos informais.

Para associações e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a estimativa ébetano contaque os dadosbetano contadesemprego tenham crescimento expressivo durante e após a pandemia. Os números, segundo alguns especialistas, devem passarbetano conta20 milhõesbetano contadesempregados.

Desemprego e incerteza

A técnicabetano contacontabilidade Tatiane Marques,betano conta41 anos, também foi impactada duramente pela crise causada pelo novo coronavírus.

Ela trabalhava havia cinco meses no setor administrativobetano contaum restaurante e foi demitida na semana passada. "O meu ex-chefe conversou com os funcionários e explicou que como iria fechar o restaurante, não haveria faturamento e não teria como manter todos os trabalhadores", relata.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A técnicabetano contacontabilidade Tatiane Marques afirma que ainda não sabe o que fará da vida após demissãobetano contarestaurantebetano contaSP

No Estadobetano contaSão Paulo, o governador João Doria anunciou, no sábado (21), a aplicação da quarentena a partir da terça-feira (24). Estabelecimentos cujas atividades não são consideradas essenciais, como bares e restaurantes, fecharam as portas por, ao menos, 15 dias — período que poderá ser prorrogado.

Tatiane mora com os dois filhos, umbetano contacinco anos e outrobetano conta15. Para ir ao trabalho no bairro paulistano do Morumbi, a moradorabetano contaSão Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, passava maisbetano contaduas horas no transporte público.

"O dinheiro que eu ganhava ali era muito importante para mim", relata a mulher, que recebia cercabetano contaR$ 2 mil no emprego. O valor, junto com a pensão alimentícia que recebe do ex-marido, era fundamental para que ela pudesse pagar as contas da casa.

"Foi triste ser demitida. Fiquei chateada. Eu ainda não tinha a carteira assinada. Se estivesse há mais tempo lá e com a carteira assinada, poderia cumprir aviso prévio e receber seguro-desemprego. Mas não foi assim. Na minha situação, apenas recebi as verbas rescisórias e pronto", diz.

Ela conta que outros dois rapazes, que também não tinham a carteira assinada ainda, também foram demitidos. "Falaram que primeiro iriam começar as demissões por quem ainda não era registrado, porque não teria tanto encargo", relata.

Os demais funcionários do local ainda estão com o futuro indefinido. Segundo ela, o dono do restaurante não quis transformar o localbetano contaum espaço somente para delivery, como foi permitido pelo governobetano contaSão Paulo durante a quarentena. "Ele diz que não tem estrutura para isso", pontua.

Os próximos meses são incertos para Tatiane. "Não sei o que vou fazer. Alémbetano contatudo, não posso nem sairbetano contacasa, para evitar pegar o vírus", diz. Ela cogita vender pães e salgados, ao menos por enquanto, para ter uma renda extra.

"Talvez eu tente fazer isso por aqui, no condomíniobetano contaque moro. Mas não sei. Sinceramente, não sei o que vai ser daqui pra frente. Dá até desespero pensar", relata.

A Associação Brasileirabetano contaBares e Restaurantes (Abrasel) estima que dos 6 milhõesbetano contaempregados ligados ao setor no Brasil, metade deles podem ser demitidos nos próximos 30 ou 40 dias, caso os estabelecimentos permaneçam fechados.

Além disso, a entidade estima que muitos trabalhadores informais, donos do próprio negócio e que não possuem empregados, também terão dificuldades e poderão fechar as portas.

"Os bares e restaurantes estão entre os maiores empregadores do Brasil e os mais afetados por tudo isso. Os outros setores, como agricultura ou construção civil, poderão se recuperar mais rapidamente. Mas o nosso setor terá enorme dificuldade. Além disso, temos dificuldades para obter créditos no Brasil", declara Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.

Solmucci comenta que estudos apontam que o setorbetano contaalimentaçãobetano contapaíses como Europa e Estados Unidos tem capacidade para aguentar até 16 dias com as portas fechadas. No Brasil, segundo ele, a situação é pior, pois o setor no país já enfrentava um períodobetano contabaixa.

"A nossa capacidadebetano contaresistir é muito menor. Além disso, há maisbetano conta10 dias as vendas começaram a cair muito, porque muitas pessoas deixarambetano contafrequentar os estabelecimentos", declara. Para reduzir as demissões, ele espera que o governo federal crie iniciativas para auxiliar os proprietáriosbetano contabares e estabelecimentos neste período.

Dívidas acumuladas

Os fechamentosbetano contabares e restaurantes culminaram também no desemprego do técnicobetano contalogística Jonatas Almeida,betano conta26 anos. Ele trabalhavabetano contauma fábricabetano contabebidasbetano contaSão Joãobetano contaMeriti (RJ).

O rapaz, que era responsável pelo almoxarifado do local, foi dispensadobetano contarazão da queda nas vendas. "Fui dispensado no dia 13betano contamarço. Um dos donos me comunicou que iria dispensar por cortebetano contagastos", relata.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Jonatas Almeida,betano conta26 anos, foi demitidobetano conta13betano contamarço e estábetano contabuscabetano contanovo emprego no RJ

Segundo ele, outros funcionários da fábrica também foram dispensados. "Não tinha mais venda. O caminhãobetano contaentregas não saía mais", detalha. Segundo ele, na segunda-feira (23) a fábrica suspendeu as atividades.

Casado, Jonatas era o responsável pelo sustento da casa. A esposa também está desempregada. Ele conta que está muito preocupado com a situação, pois tem dívidas a pagar até o fim deste ano.

"Eu tinha reformado a nossa casa e estava tudo parcelado, contando com o meu salário", diz o rapaz, que recebia cercabetano contaR$ 1,3 mil.

Ele trabalhava na empresa desde agostobetano conta2019. Agora, planeja sacar o FGTS para ajudar a pagar parte das dívidas. Por ter recorrido ao seguro-desempregobetano contamarço do ano passado, quando saiu do trabalho anterior, ele não conseguiu acesso ao benefício desta vez.

"Acho que o governo federal deveria mudar as regras desse seguro e diminuir os critérios neste momento, porque é uma situação atípica. Isso ajudaria aqueles que ficaram desempregados", afirma.

Na Câmara dos Deputados, um Projetobetano contaLei prevê facilidades para a concessão do seguro-desemprego, permite a antecipaçãobetano contaférias e adia o pagamentobetano contaimposto do empregador e contribuições durante o estadobetano contacalamidade pública, decretadobetano contarazão do novo coronavírus.

No texto, que estábetano contafasebetano contaanálise, o seguro-desemprego deve ser concedido ao trabalhador demitido sem justa causa que comprove vínculo empregatício nos seis meses anteriores à demissão. Neste cenário, Jonatas poderia pleitear o benefício.

Após a demissão, o jovem passou a enviar currículos para diversos lugares. Na semana passada, participoubetano contadois processos seletivos. "Fui até as entrevistasbetano contaempregobetano contaônibus, mas sempre com álcool nas mãos para me higienizar", diz.

Ele conta que não queria sairbetano contacasa neste momentobetano contaque os casosbetano contacoronavírus crescem cada vez mais - o Estado do Riobetano contaJaneiro é o segundo com mais registros no país. "Mas não tenho opção, preciso ir atrásbetano contaemprego", declara. Até o momento, ele ainda não teve respostas das empresas.

'Cenário catastrófico'

Outro setor que também prevê demissõesbetano contamassa é obetano contalojas. A Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos) estima que cercabetano conta4 milhõesbetano contapessoas que trabalham na área podem ficar desempregadas, pois quase todos os centrosbetano contacompras do país fecharam suas portas por tempo indeterminado nas últimas semanas.

"O cenário é catastrófico. A gente não sabe quanto tempo os shoppings e os comérciosbetano contarua vão ficar fechados. As pessoas vão ficar sem trabalhar. A população vai empobrecer", diz Angelo Augustobetano contaCampos, membro do conselho da Ablos e donobetano contauma redebetano contalojabetano contaroupas com cercabetano conta350 funcionários.

"Muita gente acha que o comerciante nadabetano contadinheiro. Mas não é verdade, principalmente porque os shoppings têm reajuste anual dos aluguéis, mesmo que as vendas não aumentem. É uma situação complicada", afirma.

Ele relata que manteve os empregos dos funcionários, mesmo tendo fechado todas as lojas da rede. "A gente quer segurar os funcionários, porque tem noçãobetano contaque eles não terão fontebetano contarenda se nós os colocarmos nas ruas. A maioria dos brasileiros não tem nenhuma reserva financeira", diz.

Crédito, Divulgação/Abrasel

Legenda da foto, Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, estima que bares e restaurantes sofrerão durante pandemia e farão milhõesbetano contademissões no Brasil

"Nós, lojistas, precisamosbetano contaajuda urgente. O governo federal precisa nos ajudarbetano contaalguma forma. Como vai ser lá na frente? Vai estar todo mundo quebrado", assevera Campos.

A estratégiabetano contamanter os funcionários, ainda quebetano contameio às dificuldades, é apontada por especialistas como a melhor forma para evitar maiores prejuízos à sociedadebetano contageral.

"Há a chamada função social da empresa. Mandar embora um funcionário pode até resolver um problema momentaneamente para aquele patrão. Mas isso, na sociedade, gera um impacto muito ruim. Aumenta o nívelbetano contadesemprego e estresse", declara João Batista Berthier, procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Riobetano contaJaneiro.

"Talvez, nessa fase, as coisas possam se resolver se o empresário olhar essa questão com solidariedade. Nesse momentobetano contacrise, a melhor estratégia é a negociação coletiva. É importante conversar com os empregados ou com os sindicatos para uma solução mais ampla", pontua Berthier.

Entre as estratégias que podem ser adotadas durante esse período para evitar demissõesbetano contamassa, segundo Berthier, estão o teletrabalho, férias antecipadas ou a reduçãobetano contajornada e salário. "São alternativas menos onerosas e que beneficiam os dois lados", pontua.

Caso o trabalhador entenda que teve algum direito prejudicado pela empresa, poderá recorrer à Justiça.

Berthier ressalta que a legislação permite demissões sem justa causa, desde que o empregador avise com antecedência, viabilize o saque dos fundos e conceda os direitos trabalhistas ao funcionário.

"Mas e a função social da empresa nesse momento? A gente está enfrentando uma crise muito grave. Nessa situação, o empregador se vale do poder para jogar o ônus para o trabalhador. O ônus precisa ser dividido para os dois lados. Se a crise existe, o sacrifício precisa ser dividido", afirma.

Muitas empresas, porém, afirmam que não possuem condições financeiras para manter os empregados durante o períodobetano contafechamento das portas. Desta forma, optam por demissões sem tentar acordos para que possam manter os empregos.

Medidasbetano contaBolsonaro

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que destinaria um auxílio emergencialbetano contaR$ 200 para trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais (MEIs) que integrem famíliasbetano contabaixa renda.

Nesta quinta-feira (26), a Câmara dos Deputados aprovou o auxílio emergencial e definiu que ele deve serbetano contaR$ 600 — o Palácio do Planalto concordou com a alteração. O texto aprovado pelos parlamentares prevê que o benefício terá duração inicialbetano contatrês meses, podendo ser prorrogado por mais três meses.

A medida tem o objetivobetano contaproteger segmentos considerados mais vulneráveis durante a crise econômica — autônomos, desempregados e microempreendedoresbetano contabaixa renda.

A proposta aprovada pelos deputados também estabelece que até dois membros da mesma família poderão receber o benefício, somando uma renda domiciliarbetano contaR$ 1.200. Já mulheres que sustentam lares sozinhas poderão acumular dois benefícos individualmente.

A expectativa ébetano contaque beneficie cercabetano conta24 milhõesbetano contapessoas. Para que entrebetano contavigor, a proposta precisa ser aprovada no Senado e receber sançãobetano contaBolsonaro.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Fechamentosbetano contacentrosbetano contacomprabetano contatodo o país podem culminar na perdabetano contamilhõesbetano contaempregos, diz entid

O governo federal ainda planeja uma Medida Provisória — que precisa ser efetivada pelo Congressobetano contaaté 120 dias — para permitir a reduçãobetano contasalários e jornadasbetano contatrabalhobetano contaaté 50%. Segundo o Ministério da Economia, o principal objetivo é manter os postosbetano contatrabalho no país.

Conforme levantamento feito por pesquisadores do Observatóriobetano contaPolítica Fiscal do Instituto Brasileirobetano contaEconomia (Ibre/FGV), as medidas do governo Bolsonaro para conter o impacto do coronavírus no Brasil estão "muito abaixo do que foi anunciadobetano contaoutros países".

O levantamento feito pela entidade, divulgadobetano contareportagem da BBC News Brasil na terça-feira (24), apontou que iniciativas anunciadas pelo governo federal até o início desta semana — como antecipação do 13º saláriobetano contapensionistas e aposentados do INSS, redução temporáriabetano contaimpostos para empresas, ampliação do programa Bolsa Família, novos recursos para o Ministério da Saúde e transferências para Estados e municípios — somam cercabetano conta4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Na Alemanha, por exemplo, os gastos do governo para enfrentar a crise do coronavírus atingiram 37% do PIB na segunda-feira (23/03), com o anúnciobetano contamais um pacotebetano conta800 bilhõesbetano contaeuros (cercabetano contaR$ 4,4 trilhões).

"Essas medidas adotadas pelo Bolsonaro são muito tímidas diantebetano contauma crisebetano contagrande magnitude. O país precisarábetano contamais estímulo do governo para o crescimento da economia", avalia Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Ibre-FGV. Ele acredita que se o presidente não preparar medidas que atendam mais a população, a situação durante e após a pandemia será trágica.

"Vai se tornar um caos social. No momento, estamos olhando apenas a questão da saúde. Faz total sentido o isolamento domiciliar para evitar calamidade da saúde pública. Mas se o governo não entender o problema, como parece não ter entendido, vai haver uma situaçãobetano contaquebradeira generalizada. Muitos não vão ter comida na mesa", declara.

Ele estima que até 40 % da população brasileira pode ficar desempregada durante ou logo após o avanço do coronavírus.

Ottoni pontua que com a aprovação do estadobetano contacalamidade pública, que autoriza o governo federal a não cumprirbetano contameta fiscal prevista na Lei Orçamentária, o governo federal deveria focarbetano contaum programa estruturado e focado nos grupos vulneráveis. "Isso vai ser fundamental para evitar o caos socialbetano contadecorrência da pandemia", diz o especialista.

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