Por que o Paraguai é estratégico para o PCC?:

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, PCC surgiu1993 dentropresídios brasileiros, mas se tornou conhecido nacionalmente com as rebeliões dos anos 2000

As forçassegurança do Paraguai entraramalerta máximo depois que se descobriu neste domingo (19) que 75 presos fugiram da penitenciáriaPedro Juan Caballero, a maioria suspeitapertencer à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

Agentes da polícia e das Forças Armadas foram enviados para reforçar a segurançaoutros presídios do país. Dos 75 fugitivos, 40 são brasileiros e 35, paraguaios.

Um túnel20 metros, que partiaum dos banheiros até uma rua nos arredores da unidade prisional, foi descoberto. Apesar disso, o ministro do Interior, Euclides Acevedo, diz acreditar que não houve uma fuga, e sim uma "libertaçãopresos", grande parte"alta periculosidade".

"Encontramos um túnel e acreditamos que esse túnel foi uma cortinafumaça para maquiar a liberação dos presos. Há cúmplices dentro da prisão e esse é um fenômeno que acontecetodas as penitenciárias", afirmou Acevedo.

Segundo ele, investigadores afirmam que alguns dos fugitivos deixaram o local ao longo da semana passada pela porta da unidade prisional, que fica a menos10 km da fronteira com a cidade brasileiraPonta Porã (MS).

"Estamos trabalhando junto com as forças estaduais para impedir a reentrada no Brasil dos criminosos que fugiramprisão do Paraguai. Se voltarem ao Brasil, ganham passagem sóida para presídio federal", escreveu no Twitter o ministro brasileiro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

A atuação do PCC no país vizinho ocorre há maisuma década, mas se intensificou nos últimos anosmeio à internacionalização da facção criminosa surgidapresídios paulistas nos anos 1990.

Crédito, Governo do Paraguai

Legenda da foto, Patrulhamento foi reforçadopresídios do Paraguai onde estão membros do PCC

Estima-se que o Paraguai seja um dos países da América Latina com maior presençamembros do PCC fora do Brasil, com mais500 pessoas.

Mas por que o Paraguai é tão estratégico para as operaçõestráficodrogas e armas do PCC, que já atuatodos os Estados brasileiros?

Expansão sul-americana

Para Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e autoradois livros sobre o PCC, desde o fim dos anos 1990 várias organizações criminosas brasileiras migraram para países vizinhos,especial o Paraguai, não só por uma estratégia comercial, mas também por acreditarem que eram lugares seguros para suas atividades.

Crédito, Ministério Público do Paraguai

Legenda da foto, Terra retirada por presidiários durante escavação do túnel usadofuga

"Juntou a fome com a vontadecomer", afirmou a professora à BBC News Brasil2018, dizendo que essa migração se intensificou a partir dos anos 2000 e somente2016 o Paraguai passou a reagir expulsando brasileiros associados ao PCC presos naquele país.

VizinhaPonta Porã, Pedro Juan Caballero é uma das cidades estratégicas da fronteira que estão inseridas na principal rotanarcotráfico que envolve o Brasil.

Essa rota, que se valeaviões, carros e caminhões, permite a grupos criminosos comprarem cocaína produzidapaíses produtores, como Bolívia e Peru, e a levarem para São Paulo e RioJaneiro. Parte da droga depois é enviada à África e à Europa por meioassociações com outras quadrilhas internacionais.

Segundo a Abin (Agência BrasileiraInteligência), o Mato Grosso do Sul ganhou força como "corredordrogas" por causa da ampla fronteira seca com o Paraguai, que facilita o transporte rodoviáriogrande escala para lugares estratégicos como o portoSantos, e da implantaçãoduas estratégiassegurança: os sistemasmonitoramento por satélite na região amazônica e a chamada Lei do Abate, que passou a permitir a derrubadaaviões não identificados desde 1998.

Até meados desta década, toda essa região paraguaia era controlada por famílias tradicionais e ricas, que administravam estabelecimentos comerciais e também lidavam com comércioprodutos ilícitos e entorpecentes.

O PCC enfrentava obstáculos para dominar a região e passou a se associar a criminosos locais para eliminar concorrentes e principalmente intermediários no Paraguai, na Bolívia e na Colômbia.

Mirava maiores margenslucro e controle das operaçõestráficodrogas e armas — segundo a Polícia Federal brasileira, boa parte do armamento ilegal apreendido no Brasil nos últimos anos era oriundacontrabando do Paraguai.

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Ataque do PCC para tomar controle do tráfico no Paraguai usou metralhadora militar pesada

Em 2016, esse processoexpansão chegou ao ápice: um atentado ousado executado por criminosos brasileiros matou Jorge Rafaat Toumani, empresário apontado como chefe da maior quadrilhaPedro Juan Caballero.

O assassinato acentuou a disputa tripla entre seguidoresRafaat e membrosdois grupos brasileiros, o PCC e o Comando Vermelho, criada no RioJaneiro.

A facção fluminense, que também explorava essa rota, passou a dependeroutras, como a rota norte, que vem do Peru e é mais cara, e acabou entrando num confronto mais amplo com o PCC — este, aliás, é um dos motivos da explosão da violência na região Norte do Brasil.

A caminhose tornar máfia

Após ter consolidado o acesso aos canaisproduçãopaíses vizinhos e a distribuição no Brasil, o PCC passou a mirar uma expansão no lucrativo mercado consumidor europeu.

Segundo investigadores, o quilococaína é vendido nos países produtores por quase US$ 2.000 e chega ao Brasil custando o triplo. Depoisatravessar o Atlântico, é vendido na Europa por valores entre US$ 35 mil e US$ 40 mil.

Operações policiais já identificaram ligações do PCC com máfias italianas, a exemplo da 'Ndrangheta, alémum grupo criminoso da Sérvia.

Em entrevista à BBC News Brasil no ano passado, o promotor Lincoln Gakiya, principal responsável por investigar o PCC, afirmou que o PCC está num estágio pré-máfia. "Se se tornar uma organização com lavagemdinheiro eficiente, com usodoleiros eoutros negócios para desviar o foco da droga, vai se transformar um problema muito maior."

Crédito, Reuters

Legenda da foto, O Primeiro Comando da Capital é largamente coordenadodentropresídios brasileiros

Segundo Wálter Maierovitch, desembargador aposentado e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni FalconeCiências Criminais, o PCC ainda tem uma atuação econômica pouco sofisticada e proporcionalmente pequena se comparada ao peso do narcotráfico na economia da Colômbia ou do Marrocos e lhe falta ganhar força econômica investindo o dinheiro lavado do crimeoutras atividades.

Os cartéis mexicanos, por exemplo, se envolvem com o controle da produção, do processamento, do transporte e da venda das drogas. Mas estes estão voltados para o maior mercado consumidordrogas do mundo, os Estados Unidos.

"O PCC não consegue montar uma rede própria para expandir serviços fora do Brasil e fazer com que outras organizações se unam a ele. Pelo contrário, ele tende a se 'plugar' a redes internacionais já existentes", afirmou à BBC News Brasil2018.

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