Ecoturismo faz renascer região abalada por um dos piores desastres ambientais do governo militar:vaidebet suporte

Crédito, Dubes Sônego/BBC News Brasil

Legenda da foto, Aos poucos, o turismo ressurge na região amazônica do rio Uatumã, décadas após a construçãovaidebet suporteuma das hidrelétricas que mais prejudicaram o meio-ambiente no Brasil

Contaminada pelo apodrecimento das árvores e animais mortos pelo lago, a água do Uatumã nessa área se tornou imprópria para banho e consumo humano e, assim que as comportas foram abertas,vaidebet suporte1989, deixou um rastrovaidebet suportemortesvaidebet suportepeixes e animais rio abaixo.

Essa história é contada, entre outras fontes, no documentário "Balbina no País da Impunidade", tambémvaidebet suporte1989, e por matériasvaidebet suporteimportantes jornais estrangeiros.

Orçada oficialmentevaidebet suporteUS$ 750 milhões, Balbina levou quase nove anos para ser construída. Tida como cara evaidebet suportealto custovaidebet suportemanutenção, recebeu críticas desde que ainda era projeto.

Para o físico e então reitor da Universidadevaidebet suporteSão Paulo, José Goldemberg, havia alternativas melhores, como a construçãovaidebet suportetérmicas abastecidas por gás natural que a Petrobras havia descobertovaidebet suporteJuruá, a 500 quilômetrosvaidebet suporteManaus.

Também se falava do fatovaidebet suportea obra ser construídavaidebet suporteuma regiãovaidebet suportefloresta com imensa biodiversidade. Em marçovaidebet suporte1988, cercavaidebet suporteseis meses após o início do alagamento dessa região da Amazônia, a repórter Marlise Simons, do The New York Times, acompanhou uma das equipesvaidebet suporteum grupovaidebet suporte250 pessoas encarregadovaidebet suporteencontrar, capturar e soltarvaidebet suporteáreas seguras animais ilhados.

O título apontava: "O Brasil quer hidrelétricas, mas a que custo?"

Crédito, Dubes Sônego/BBC News Brasil

Legenda da foto, Decomposição das árvores submersas produzem impacto 25 vezes maior no efeito estufa do que antes da hidrelétrica, segundo cálculosvaidebet suporteecólogo da Embrapa

"Os animais terrestres aqui ou fugiram ou morreram", contava à jornalista o zoólogo Bento Melo, enquanto seguiam pelo riovaidebet suporteexpedição. "Estamos buscando animaisvaidebet suporteárvores, como primatas, preguiças, felinos e tamanduás."

Sem o mesmo tipovaidebet suportesocorro, bichos menores como lagartos, escorpiões e aranhas se defendiam como podiam - ficavam amontoados na copa das árvores, o que resultavavaidebet suporteimagens insólitasvaidebet suportefolhagens tomadas por essas espécies.

Animais que nadam bem foram deixados sozinhos. O alagamento resultou na criaçãovaidebet suportemaisvaidebet suporte3,5 mil ilhas no lago, algumas pequenas, outras com alguns quilômetros quadrados. "Ninguém tem a mínima ideiavaidebet suportequantos bichos há nesta área, nem a quantidadevaidebet suportevida que ela pode sustentar", dizia Melo.

Ao menos duas aldeias indígenas existentes na região do lago — como a dos Waimiri-Atroari — foram transferidas e, com a morte dos peixes, após o início da operação, muitos moradores da região ficaram sem ter o que comer e beber.

Problemas ambientais prolongados

Os efeitos ambientais são sentidos até hoje. A decomposição das árvores submersas geram dióxidovaidebet suportecarbono na superfície e, no fundo do lago, metano, com impacto 25 vezes maior no efeito estufa do que antes da hidrelétrica, segundo cálculos do ecólogo Alexandre Kemenes, da Embrapa (Empresa Brasileiravaidebet suportePesquisa Agropecuária).

Crédito, Alexandre Kelmes/Embrapa

Legenda da foto, Recentemente, a usinavaidebet suporteBalbina foi considerada a pior hidrelétrica brasileira,vaidebet suporteuma listavaidebet suportemaisvaidebet suporte100 nomes composta por especialistas

Preso ao fundo pela pressão, o gás é liberado na passagem da água pelas turbinas da usina e contribui para a mortevaidebet suportepeixes do fundo do rio, como os bagres. Com isso,vaidebet suporteacordo com Kemenes, Balbina emite dez vezes mais gases do efeito estufa que uma usina termelétrica a carvão com a mesma potência — há outros estudos que apontam um número menor, mas todos trazem evidênciasvaidebet suporteque a hidrelétrica emite mais gasesvaidebet suporteefeito estufa que uma termelétrica com potencial equivalente.

Por tudo isso, e pela baixa capacidadevaidebet suportegeraçãovaidebet suporterelação ao tamanho do lago, recentemente a usina foi considerada a pior hidrelétrica brasileira,vaidebet suporteuma listavaidebet suportemaisvaidebet suporte100 nomes composta por especialistas como Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e professorvaidebet suporteplanejamento energético da Coppe/UFRJ.

Passados 30 anos, a água do Uatumã ainda não voltou a ser potável e peixesvaidebet suportealgumas espécies, antes comuns, são hoje relativamente raros.

"Quando as águas baixaram, o cheirovaidebet suportepeixe morto era insuportável. Tudo aquivaidebet suportevolta, no mato, onde a água chegou, cheirava muito mal", lembra o ribeirinho Antônio Martins Queirós,vaidebet suporte65 anos.

A situação, hoje, é outra e o que era degradação, nos últimos anos, vem se transformandovaidebet suporteoportunidade para quem vivevaidebet suporteuma área ricavaidebet suportebelezas naturais.

Três décadas depois do desastre ambiental, o ecoturismo encontra espaço no rio Uatumã, com a criaçãovaidebet suporteuma reservavaidebet suportedesenvolvimento sustentável, controle do acessovaidebet suportebarcos-hotéis vindosvaidebet suportefora e participação da população local na atividade turística.

Aos poucos, o turismo vai substituindo como fontevaidebet suporterenda a pesca, a caça e outras formasvaidebet suporteextrativismo nocivas ao meio ambiente.

Pousadas e preservação ambiental

Sentado sobre uma pilhavaidebet suportetijolos, descalço,vaidebet suportebermuda e camisa pólo, o ribeirinho Antônio Queirós discorre sobre seus planos. Até 2018, vivia da agriculturavaidebet suportesubsistência e da vendavaidebet suportemelancias que plantava no entorno da casa onde mora.

A picadavaidebet suporteuma surucucu (a segunda), no entanto, o levou a repensar o futuro.

Animado pelos resultadosvaidebet suporteoutros ribeirinhos, decidiu usar suas economias para construir uma pousada e se somou ao grupo que vem investindo no ecoturismo.

Já são dez as pousadasvaidebet suportefuncionamento na região, e outras cinco devem entrarvaidebet suporteoperação até 2020. Até cinco anos atrás, eram apenas duas pousadas. "É minha aposentadoria. Já não tenho disposição para a agricultura", diz Queirós.

O bom momento atual é reflexovaidebet suporteaçõesvaidebet suportepreservação ambiental na região.

Em 2004, depoisvaidebet suporteum períodovaidebet suporteforte degradação do rio, iniciado com a abertura das comportasvaidebet suporteBalbina, o governo do Estado do Amazonas transformou uma área quase duas vezes maior que o municípiovaidebet suporteSão Paulo, no entorno do rio, na Reservavaidebet suporteDesenvolvimento Sustentável do Uatumã (RDS Uatumã).

A unidadevaidebet suportepreservação ambiental foi o pontovaidebet suportepartidavaidebet suporteum plano estratégicovaidebet suportedesenvolvimento sustentável para a região, que prevê, entre outras coisas, a exploração do ecoturismo, do turismovaidebet suportebase comunitária e da pesca esportiva como alternativasvaidebet suporterenda para as populações ribeirinhas.

Crédito, Dubes Sônego / BBC News Brasil

Legenda da foto, Hoje são dez as pousadasvaidebet suportefuncionamento na região, e outras cinco devem entrarvaidebet suporteoperação até 2020; cinco anos atrás, eram apenas duas as opções para os turistas

Primeiro, veio a proibição à exploraçãovaidebet suportepousadas na região por quem não fosse morador — havia duas, hoje fechadas. Depois, o ordenamento para a construçãovaidebet suportepousadas pelos ribeirinhos.

Mais recentemente, houve a restrição a barcos-hotéis, vindosvaidebet suporteManaus, que até 2016 podiam circularvaidebet suportequalquer um dos três pólos da reserva.

As embarcações costumavam trazer dezenasvaidebet suportepessoas e deixavam para trás apenas lixo, contam os ribeirinhos.

Desde então, porém, a circulação ficou restrita a um dos pólos, o menor, onde não há pousadas. "Assim, os barcos deixaramvaidebet suporteconcorrer com as comunidades locais", afirma Cristiano Gonçalves, gerente da unidadevaidebet suportepreservação.

Melhorias para a economia local

De acordo com Gonçalves, dos pouco maisvaidebet suporte1,4 mil turistas registrados na reserva no ano passado, cercavaidebet suporte40% ficaram hospedadosvaidebet suportepousadasvaidebet suporteribeirinhos — os demais vieram nos barcos-hotéis remanescentes.

Em anos anteriores, segundo Cristiano Gonçalves, gerente da RDS do Uatumã, o controle do acesso era falho, o que não permite comparações precisas sobre a evolução da demanda. De todo modo, antes não havia pousadas suficientes para atender à demanda por hospedagemvaidebet suporteterra na reserva. Agora há, o que indica aumento na procura pelas pousadasvaidebet suporteribeirinhos.

Por um preço médiovaidebet suporteR$ 4,2 mil por pessoa por 5 dias (excluídos os custos da viagemvaidebet suporteManaus até o Uatumã e a compravaidebet suportecombustível), as estimativas sãovaidebet suporteque tenham deixado entre R$ 700 mil e R$ 1 milhão com as cercavaidebet suporte150 famílias envolvidasvaidebet suportealguma forma com o turismo, afirma o gestor.

Em toda a reserva, vivem 362 famílias, que somam cercavaidebet suporte1,6 mil pessoas,vaidebet suporte20 comunidades.

Além desse dinheiro, uma taxavaidebet suporteturismo que variavaidebet suporteR$ 25 a R$ 50 é cobrada dos visitantes e usada pelas comunidades ribeirinhas e na fiscalização da pesca esportiva pela Associação Agroextrativista das Comunidades do Rio Uatumã.

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Legenda da foto, O ribeirinho Antônio Martins Queirós usou suas economias para construir uma pousada na área da reserva do Uatumã

Os ganhos se refletemvaidebet suportemelhorias para receber os turistas.

Desde que começou a receber visitantes,vaidebet suporte2014, José Firme Fonteles,vaidebet suporte49 anos, amplia ano a ano a estruturavaidebet suportesua pousada. Na primeira vez, há cinco anos, recebeu seis turistas nos três quartos da própria casa, por faltavaidebet suporteopção.

Jávaidebet suporte2019 recebeu o primeiro grupo, com vinte pescadores do sul do país,vaidebet suporteoito quartosvaidebet suportemadeira, dispostos um ao lado do outro, com boa estrutura (banheiros privativos e ar-condicionado, raridade há alguns anos), além da área comum, coberta, com bar e vista para o rio.

Para 2020, os planos são construir ao menos mais dois chalés. "O turismo é financeiramente muito melhor do que a agricultura, que tem pouco mercado", diz Fonteles.

Apesar do reforço na renda, o turismo ainda não permite a dedicação exclusiva à atividade dentro da RDS do Uatumã. Tradicionalmente, a maior procura é pelo turismovaidebet suportepesca esportiva, entre os mesesvaidebet suportesetembro e dezembro, quando o rio está mais vazio.

Nos demais meses do ano, com o rio mais cheio, restam às famílias principalmente a agricultura familiar como alternativavaidebet suporterenda.

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Legenda da foto, Em 2019, cercavaidebet suporte1,4 mil turistas visitaram a reserva no ano passado; cercavaidebet suporte40% ficaram hospedadosvaidebet suportepousadasvaidebet suporteribeirinhos

A reserva e o combate à pesca predatória

A consolidação da demanda na pesca esportiva — que se diferencia da tradicional pela devolução dos peixes fisgados à água — foi um dos pontos-chave para que as melhorias na infraestruturavaidebet suporteecoturismo na área, com potencialvaidebet suportegeraçãovaidebet suporterenda o ano inteiro.

A criação da reserva teve papel crucial nessa consolidação. A pesca predatória, por exemplo, passou a ser combatida com a criação da RDS Uatumã. Antes disso, não havia nenhum combate à prática - era comum pescadoresvaidebet suportefinalvaidebet suportesemana, vindosvaidebet suporteManaus e cidades próximas, voltarem para casa com isopores cheiosvaidebet suportetucunarés, peixes que foram ficando cada vez mais raros.

Com a fiscalização, os peixes maiores, justamente os que atraem os praticantes da pesca esportiva, passaram a ser protegidos.

"O tucunaré, com o manejo, tem aumentado. Tínhamos relatosvaidebet suportepescadores esportivos que,vaidebet suporte2014, não encontravam mais peixes grandes. Só pequenos, evaidebet suportepouca quantidade. Agora, temos relatosvaidebet suportepeixesvaidebet suporteoito, dez quilos", diz Gonçalves.

Como parte dos esforços para a diversificação do turismo, segundo o gestor da RDS do Uatumã, algumas pousadas construíram trilhas com acesso a cachoeiras e áreasvaidebet suporteigapós (um tipovaidebet suportevegetação característico da Amazônia onde são comuns espécies como vitória-régia, orquídeas e bromélias).

Crédito, Dubes Sônego / BBC News Brasil

Legenda da foto, O ribeirinho José Camilo da Silva mostra um buriti, numa das trilhas abertas para uma pousada

A reserva tem também áreas altas para a construçãovaidebet suportemirantes. "A ideia daqui para frente é fortalecer o ecoturismo e o turismovaidebet suportebase comunitária, já que a pesca esportiva está consolidada", afirma Gonçalves. "Vamos apoiar a organização dos moradores e a construçãovaidebet suporteinfraestrutura para atrair esse público".

Na pousadavaidebet suporteFonteles, por exemplo, uma trilhavaidebet suportecercavaidebet suporte3 quilômetros foi aberta e está sendo preparada para receber turistas. Ao longo do caminho recém-aberto, há um pequeno córrego canalizado com tábuas e represado para criar peixes e áreasvaidebet suporteextraçãovaidebet suportemadeira para produçãovaidebet suportetábuas.

Nas comunidades próximas à pousada, é possível ver como é produzida a farinhavaidebet suportemandioca na região amazônica, com mandioca brava.

Enquanto anda pelo trilha, José Camilo da Silva,vaidebet suporte46 anos, genro do proprietário Fonteles, indica ao visitante árvoresvaidebet suportemadeira nobre, aponta pegadasvaidebet suporteanimais como pacas e onças pintadas, imita o barulhovaidebet suporteaves e mostra as frutas da região, como o buriti, a graviola e o tucumã. É um protótipo dos passeios que pretendem oferecer.

Recordevaidebet suportepeixes

Entusiasta das mudançasvaidebet suportecurso na reserva, Silva diz que a exploração do turismo tem como consequência, também, a conscientização da população ribeirinhavaidebet suporterelação à preservação.

"Antes, a gente matava um peixevaidebet suporteoito quilos e vendia na cidade, a R$ 5 o quilo, para ganhar R$ 40. Hoje, com ele vivo, temos umas 14 ou 15 pessoas empregadas, tirando R$ 3 mil por temporada", afirma o ribeirinho. "Agora, temos que fazer o mesmo com a caça para atrair os turistas e empregar o dobrovaidebet suportegente."

Ainda há melhorias a serem feitas, avaliam organizadoresvaidebet suportegruposvaidebet suporteturismovaidebet suportepesca esportiva que vendem pacotes na reserva. Em algumas das pousadas, não há ar condicionado, por exemplo. Encontrar bons cozinheiros também é tarefa difícil, e há resistênciavaidebet suportealguns ribeirinhos a fazer cursos para melhorar o atendimento, diz Almir Eduardo Altram, da Pesca & Mordomia, do interiorvaidebet suporteSão Paulo.

Crédito, Dubes Sônego/BBC News Brasil

Legenda da foto, O empresário Orlando Welter mostra o tucunaré do Uatumã, que capturou praticando pesca esportiva; antes, não havia fiscalização contra pesca predatória

Desde o ano passado, ele leva turistas à pousada do ribeirinho Ogésimo Miranda, no Uatumã. Silvio Montibeller, da Montibeller Pesca Esportiva,vaidebet suporteSanta Catarina, concorda. Afirma que,vaidebet suportefato, há questões a serem resolvidas. Mas avalia que, aos poucos, melhorias vêm sendo feitas e há bom potencialvaidebet suporteatrair visitantes. "A única formavaidebet suportedar errado é se começar a acontecer disputas entre os proprietários locais", diz Montibeller, no ramo desde os anos 1990.

Mas a satisfaçãovaidebet suportequem já faz turismo na região pode ser um bom indicador do caminho que vem sendo seguido no Uatumã.

Depoisvaidebet suporteuma semana no rio, o empresário Orlando Welter,vaidebet suporteFlorianópolis (SC) fazia a viagemvaidebet suportevolta a Manaus. Sentadovaidebet suporteuma das primeiras poltronas da lancha, ele mostrava as fotos dos peixes fisgados, feitas com o celular. Acostumado a viajar quatro vezes ao ano para pescar,vaidebet suportecinco dias, contava ter pego com o irmão, seu companheirovaidebet suporteviagem, 158 tucunarés. "Batemos nosso recorde", dizia o turista.

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