Polêmica sobre Moro não pode virar 'cavalobatalha' contra Lava Jato, diz Fausto De Sanctis:
Antes disso, no entanto, ele esteveuma situação parecida, aos olhos da opinião pública, à que Sergio Moro enfrenta hoje – o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça passa por uma criseimagem desencadeada pela sériereportagens do site The Intercept.
O site tornou públicos diálogosum aplicativoconversasque Moro, ainda juiz, daria conselhos, indicaria testemunhas e adiantaria decisões sobre a Lava Jato para integrantes do Ministério Público. Moro não reconhece a veracidade dos diálogos.
De Sanctis, no entanto, rejeita a comparação – diz que não viu similaridades, poissituação foi muito mais difícil. "A Lava Jato caminhouventopopa com apoio popular. Eu tinha dificuldadedar sentença,intimar as partes. Eu passei por situações...um determinado advogadorenome me dizer: 'não importa o que o senhor decida, vai ser desfeito'."
Na época da Satiagraha e da CasteloAreia, De Sanctis era titular da 6ª vara federal criminalSão Paulo e – como Moro – foi acusadoparcialidade durante o processo. Teve decisões desfeitas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e chegou a ser acusadodesobediência pelo ministro Gilmar Mendes, quando o juiz mandou prender o banqueiro Daniel Dantas um dia depoisGilmar tê-lo soltado.
Depoisprotestosdiversos nomes da área jurídica, Gilmar desistiupedir investigações sobre aconduta.
Aperfeiçoamento legislativo
De Sanctis foi questionado e censurado pelo Conselho NacionalJustiça – que depois arquivou o caso. Os pedidosafastamentoDe Sanctis dos processos também não avançaram e as acusaçõesparcialidade foram consideradas improcedentes pela Justiça.
Hoje desembargador do TRF-3São Paulo, De Sanctis,54 anos, diz que não quer comentar especificamente a situação do colega Moro, mas afirma que as polêmicastorno do comportamentoum juiz não devem virar "um cavalobatalha" contra a Lava Jato ou outra operação.
"Não podemos fazer disso (desse tipopolêmica) um circo armado, (dizer) 'ah, acabou a Lava Jato, acabou a operação X, Y... Calma. A gente tem que ter cautela, as provas estão aí", afirma.
"Existem provas contundentes (levantadas pela operação anticorrupção), reconhecidas não por um magistrado, mas por um conjunto da magistraturarespeito. Houve um reconhecimento da viabilidade das provas na Lava Jato como um todo, não estou falando do Lula, estou falandogeral", diz ele à BBC News Brasilentrevistaseu gabinete.
De Sanctis diz que a Lava Jato é "frutoum aperfeiçoamento legislativo e da consciência social" e que as operações anteriores não tiveram "o mesmo apoio massivo da população" porque, naquela época, a sociedade compreendia menos o seu papel.
"Nos primórdios das varas especializadaslavagemdinheiro, que começaram2003 no Brasil e2004São Paulo, a elite econômica transitava livremente no país e uma parte dela cometia os delitos econômicos, não havia ninguém que parasse a farraque existia. As varas foram um início, e elas foram ainda mal compreendidas. Porque quando elas começaram a atuar com um pouquinho mais com efetividade, houve uma reação brutal", diz.
Segundo o magistrado, a insatisfação da população com a crise econômica e os escândalos nos anos 2010 foram convergências que fizeram que a Lava Jato tivesse um maior apoio popular.
Conversas com o juiz
Reforçando que não quer comentar o caso específico do vazamentoconversas entre Moro e procuradores da Lava Jato divulgados pelo Intercept, afirmou que "certo nívelconversa entre o juiz e as partes do processo" é considerada normal.
"Eu não queria falar especificamente sobre o fato por conta da origem criminosa", diz. Os vazamentos foram entregues ao Intercept por uma fonte anônima. O governo diz que foi um hacker.
"Mas vamos supor que existe uma conversa entre um magistrado e as partes. Hoje existe essa conversa entre magistrado e parte, eu cansoreceber Ministério Público aqui, eu recebo advogados."
Ele diz, no entanto, que toma uma sériecuidados para que evitar que suspeitem daimparcialidade, como sempre receber as partes na presençaum funcionário.
De Sanctis afirma também que juízes e desembargadores "têm que ter uma cautela maior na utilização do sistema eletrônico pelo alcance (da internet), pela deturpação que é possível fazer e pela posiçãomagistrado que é uma posição que tem que ser vista como imparcial e neutra", diz ele.
Ele destaca que o próprio estatuto da OAB obriga que o juiz receba os advogados; o importante é que haja tratamento equilibrado a todas as partes, afirma.
"Se o juiz atende uma parte, vai atender a outra. Mas tem que haver respeitoparte a parte. Porque se eu avançar o sinal determinando algo a alguém, eu estarei desrespeitando o outro lado."
Questionado sobre se, nas conversas com as partes, é normal dar conselhos, como orientar o MP a mudar a ordem das fasesuma operação (como os audios vazados indicam que Moro teria feito), o magistrado reforça que não quer comentar o caso específicoMoro.
"Eu como magistrado sempre tive a posturalidar com as partes. Sempre respeitei os advogados, e a grande maioria sempre me respeitou, Ministerio Público a mesma coisa", diz ele.
"Conversas podem até existir sobre viabilidade ou não, desde que sejam algo que adiante decisão, algo no sentido'não perca seu tempo'".
Primeiras operações
Um dos primeiro juízes a usar mecanismos relativamente novos que depois se tornaram muito comuns na Lava Jato, como a delação premiada e a alienação antecipadabens dos réus, De Sanctis hoje dá palestras sobre crimes financeiros no exterior e acaboupublicar um livro sobre lavagemdinheiro nos EUA, Technology-Enhanced Methods of Money Laundering (sem edição no Brasil).
Mas no Brasil, diz ele, há uma "tentativa clarabarrar" as novas técnicas e estratégias usadas nas operaçõescombate à corrupção.
"A elite econômica que sempre exerceu o poder, ela quer continuar exercendo o poder como era antes, com a corrupção, com os conchavos...", diz.
Ele cita como exemplo as discussões sobre a regulação da delação premiada, que estão acontecendoum grupotrabalho na Câmara dos Deputados, e o projetopunir abusoautoridadejuízes. "A leiabusoautoridade não veio para punir o abuso, veio para punir o juiz", diz ele.
Segundo o desembargador, teses jurídicas e estratégias para combater o crime que sempre foram usadas para criminosos comuns passaram a ser questionadas quanto começaram a atingir crimonosos econômicos – como o usodenúncias anônimas para embasar processos, por exemplo.
"O que mais me assusta no Brasil é que as teses que eram comuns e sempre foram aplicadas a criminosos comuns, esses que têm a repercussão normal e o repúdio socialcima a baixo; quando se passaram a aplicar essas mesmas teses para o criminoso econômico, tudo começou a ser repensado, desqualificado, questionado", afirma.
Perseguição ao magistrado?
De Sanctis diz que, emvisão, as dificuldades que enfrentou na época das operações CasteloAreia e Satiagraha foram resultadouma tentativadeslegitimar suas decisões – e que essa é uma das técnicas complexas usadas por criminosos para tentar fugiruma condenação.
"Há doutrinas estrangeiras que falam que uma das técnicas do julgado para se defender é a destruição do julgador", diz ele, que afirma que isso foi usado contra ele "o tempo todo".
Oque o leva à história do advogado que chegou a dizer pessoalmente a ele que nada do que decidisse importava, porque seria desfeito pelas instâncias superiores.
"Abriu-se naquela ocasião, a porta do desrespeito. E essa porta do desrespeito foi aberta pela cúpula do Judiciário, que passou a desrespeitar os colegas, que passou a deixar que julgar fatos para julgar os magistrados euma maneira grosseira, leviana, e tendenciosa."
"Não estou falandotodos, mas houve uma linhaabsoluto desrespeito ao trabalho sério que sempre tentei fazer, certo ou errado, já que minha intenção era a melhor", diz ele.
Questionado se estaria falando do ministro Gilmar Mendes, ele diz que não.
"Eu estou falandovários, não do Gilmar Mendes não, tem vários assim, eu vejo até aqui no tribunal... A preocupação é a qualificação do magistrado, e não a abordagem (dele) sobre o fato."
"Se discorda (da decisão), julgue (contrariamente), mas não tem por que massacrar o juiz que tentou fazer seu melhor, porque essa é a regra geral, os juizesprimeiro grau são juizes independentes do Brasil", diz ele.
De Sanctis afirma que foi muitas vezes "considerado leviano", quando na verdade eu estava agindo como "juiz independente erespeito à Constituição."
"E e muito mais do que isso, respeitando as expectativas legítimas da populaçãoum magistrado que trate um criminoso econômico igualmente a um criminoso comum, sem privilégios."
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