Legadobet v365Marechal Rondon está ameaçado por governo Bolsonaro, diz biógrafo do explorador:bet v365
No curso da construção da linha telegráfica, que tomou quase dez anos dabet v365vida, ele estabeleceu contato com tribos isoladas, ajudando a mapeá-las e difundirbet v365cultura. A Comissão Rondon, como ficou conhecida a Comissãobet v365Linhas Telegráficas Estratégicasbet v365Mato Grosso ao Amazonas, publicou maisbet v365cem artigos científicos sobre suas descobertas, com assuntos que iam do clima aos costumes locais.
O mesmo mergulho foi feito nas outras duas dúziasbet v365expedições do militar, que chegou a guiar o ex-presidente americano Theodore Roosevelt pela Amazôniabet v3651914, numa ação bilateral que documentou o Rio da Dúvida, então desconhecido.
"Foi uma aventura descobrir que suas experiências ainda têm relevância para o Brasil do século 21", diz Rohter, que foi o correspondente da revista Newsweek e do jornal The New York Times no país.
"Por exemplo, (podemos aprender) a lidar com os povos indígenas e a reconciliar o desenvolvimento econômico do norte com a preservação das riquezas da região, especialmente a amazônica."
Rejeição histórica a lições colhidas
Apesarbet v365terem maisbet v365cem anos, as lições colhidas por Rondon nos seus 40 mil km pelo Brasil não foram aprendidas pelo atual governo, diz o biógrafo.
Ele vê na gestãobet v365Jair Bolsonaro uma ameaça ao legadobet v365Rondon, que foi fundador do Serviçobet v365Proteção aos Índios (antecessor da Funai), e atébet v365morte,bet v3651958, trabalhou para proteger suas tradições.
"Como candidato, Bolsonaro faloubet v365medidas que iriam contra a linha histórica estabelecida pelo Rondon. Como presidente, nesses cem dias dá para ver claramente ameaças às políticas históricas criadas por Rondon e perpetuadas pelos vários governos depois da primeira república", diz.
Até agora, entre as ações anunciadas pelo governo Bolsonaro para o meio ambiente estão a transferência da demarcaçãobet v365terras indígenas para o Ministério da Agricultura - revertida após decisão da comissãobet v365reforma ministerial - e a extinção da Secretariabet v365Mudanças Climáticas.
Além disso, o presidente defende a liberaçãobet v365atividadesbet v365mineração e agropecuária dentrobet v365reservas e a concessãobet v365parques nacionais à iniciativa privada. Na opiniãobet v365ambientalistas, as medidas devem representar mais riscos do que vantagens monetárias.
No entanto, lembra Rohter, esta não é a primeira vez que as ideiasbet v365Rondon são ignoradas. Retrocesso semelhante teria acontecido na ditadura militar, quando o nome do marechal foi usadobet v365forma distorcida para batizar um programa que pretendia colonizar a Amazônia e explorar seus recursos. Na época, difundia-se a imagem do explorador destemido e nacionalista, não a do humanista.
"Sua herança foi desmantelada durante a ditadura, nos anos 1970. Mas o valorbet v365suas políticas ressurgiu com a volta da democracia", diz o escritor.
Também durante o regime, o Serviçobet v365Proteção aos Índios foi extinto e substituído pela Funai que, embora continuasse a homenagear Rondon, tinha ordensbet v365"integrar os índios rapidamente", independentementebet v365seus desejos.
O que o marechal poderia dizer para evitar esses erros?, a reportagem pergunta. Afinal, alémbet v365ser descendente dos Bororo por partebet v365mãe e falar línguas indígenas, ele conheceu profundamente o Norte do país, onde percorreu milharesbet v365quilômetrosbet v365suas viagens.
Para Rohter, seu biografado daria uma dica simples ao governo Bolsonaro.
"Ele diria as mesmas coisas que disse na Primeira República, na ditadura varguista e até seu falecimento: respeite o índio, os direitos dos povos indígenas, o meio ambiente e o povo do interior", afirma.
"Antesbet v365mais nada, o Brasil tem um compromisso moral com os povos indígenas. E precisa cumprirbet v365palavra. Ela não pode mudarbet v365um governo para outro, é um compromissobet v365nação."
Em vida, Rondon foi interlocutorbet v365vários presidentes. Foi amigobet v365alguns, como Afonso Pena (1906-1909), um grande apoiador do projeto da linha telegráfica, mas sofreu pressões sob outras gestões. Durante o governobet v365Hermes da Fonseca (1910-1914), por exemplo, enfrentou acusaçõesbet v365que suas expedições à Amazônia, para instalação da linha e pesquisa do território, estavam "gastando dinheiro público à toa".
Em boa partebet v365sua carreira, teve que brigar por verbas.
"Ele precisou lutar contra forças econômicas e políticas poderosas. Na época, queriam até exterminar o índio", diz.
"Essas forças queriam explorar o interior do país do jeito que bem entendessem, sem levarbet v365conta os povos da região. Claro que isso leva a um conflito que persiste até hoje. As declaraçõesbet v365Jair Bolsonaro não são inéditas. Em suas falas, ouço ecos do passado."
Autonomia e equilíbrio
Mesmo com esses reveses, Rondon conseguiu deixarbet v365seus escritos os fundamentosbet v365sua visão idealistabet v365futuro.
"A frase que mais aparecebet v365seus diários, tirada dos evangelhos positivistas, é: 'o paraíso terrestre'. Ele achava 'ah, estou trabalhandobet v365prol do processo que vai levar ao paraíso terrestre'", diz o biógrafo. "Mas, ao mesmo tempo, estava operando num ambiente políticobet v365acordos, barganhas, parecido aobet v365hoje. Por isso era considerado um homem rígido, abnegado, dedicado ao serviço nacional."
Um dos preceitos seguidos por ele era o respeito às vontades dos grupos indígenas, a seu direitobet v365escolher o graubet v365acercamento com a sociedade brasileira.
Alguns sentiam-se atraídos pela cultura material da sociedade, pela medicina e pelas ferramentas industriais, por exemplo, enquanto outros desejavam manter-se afastados por contabet v365experiências traumáticas no passado com bandeirantes ou garimpeiros.
"Rondon respeitava a autonomia política e culturalbet v365cada povo. Se queriam um relacionamento íntimo com o Estado brasileiro, eram bem-vindos. Mas se preferiam ficar longe, isso também era seu direito e teríamos a obrigaçãobet v365ganharbet v365confiança e amizade", explica o escritor.
Um segundo fundamento seria o equilíbrio entre desenvolvimento e preservação. Rondon queria manter parte da floresta intacta e criar regiões para o usofruto do homem, masbet v365maneira sustentável. Às áreas abertas para a linha telegráfica, por exemplo, levou brotosbet v365cacau e café, para não deixar a terra ociosa.
Já no episódio contado no começo desta reportagem, o militar integrou os índios a seu projetobet v365desenvolvimento, ao receber a ajuda dos Bororo para a construçãobet v365um trecho da linha.
Sobre este momento, Rohter escreveu:
"(...) Rondon lançara por terra o que sempre fora aceito no Brasil e no resto do mundo como a ordem natural e imutável das coisas. Povos indígenas eram e sempre seriam tidos como inimigos da disseminação da 'ordem e do progresso' defendida pela sociedade 'civilizada', não colaboradores embet v365expansão. Valendo-sebet v365meios puramente pacíficos, porém, Rondon não só assegurara o consentimentobet v365um povo considerado hostil, como também alcançara a proezabet v365persuadi-los a participar,bet v365livre e espontânea vontade, no 'projeto nacional brasileiro', convencendo-osbet v365que traria benefícios também para eles."
O marechal via uma utilidade imediata na existência dos índios: eles eram sentinelas da mata, a protegiam contra incursões ilegais e denunciavam irregularidades aos órgãos competentes. Uma máxima era válida para Rondon: uma floresta habitada é uma floresta preservada.
Apesarbet v365suas qualidades pacificadoras, o marechal às vezes adotava práticas violentas, relata o jornalista. Para manter a ordem ou punir desobediências, castigava corporalmente seus soldados - nunca, porém, usou violência contra as tribos.
Sua doutrinabet v365relação aos índios foi resumida porbet v365frase mais famosa: "morrer se preciso for, matar nunca".
Rohter no Brasil
Com maisbet v365500 páginas, Rondon - Uma biografia tomou anosbet v365pesquisa e váriasbet v365viagens ao Brasil para ser concluído. Não que Larry Rohter fosse um estranho ao país. Ele foi correspondente da revista Newsweek durante a ditadura militar e, depois,bet v3651998 a 2008, trabalhou para o New York Times aqui.
Na primeira temporada, conheceu Rondônia e a história do marechal que deu o nome ao Estado. Nasceu alibet v365admiração pelo personagem.
"Chegando lá, fiquei cada vez mais admirado conforme eu ia avançando no interior, visitando garimpos, madeireiros, reservas indígenas, porque nos anos 1970 era difícil viajar por lá. As condições eram duras, mas era fácil imaginar como a experiência teria sido para eles 70 anos antes. Deve ter sido muito mais desafiador."
Embet v365segunda passagem, o jornalista tornou-se conhecido dos brasileiros depoisbet v365publicar uma reportagem no Times sobre como o apreço do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela bebida poderia estar prejudicando seu governo. Com um título parecido a "Hábitobet v365beberbet v365Lula se torna preocupação nacional", o texto, publicadobet v365maiobet v3652004, teve grande repercussão. O então correspondente teve seu visto cancelado, ação que depois foi revogada pelo governo.
Quinze anos depois do episódio, Rohter diz que o desentendimento com Lula durou apenas uma semana e não se compara aos seus anosbet v365experiência no país.
"Foi uma semana difícil, porque eles pretendiam me expulsar. Pensar que nunca mais poderia voltar ao Brasil foi uma coisa dolorosa, porque tenho um relacionamento íntimo com o país, mas isso passou."
Sobre tudo o que aconteceu com Lula desde então, do governo à prisão, Rohter prefere não falar. A biografia, diz, ocupou seus últimos anos e não tem acompanhadobet v365perto a situação do ex-presidente.
Questionado sobre uma entrevista que deubet v3652016, falando que a imagembet v365Lula e do PT estavam "manchadas para sempre", ele decide responder.
Para Rother, o partido promove uma campanha para "culpar os outros pela bagunça que eles mesmos fizeram" e não admitebet v365participação na criação do "fenômeno Bolsonaro".
"O fenômeno Bolsonaro foi e ainda é,bet v365certo sentido, uma reação às mazelas do governo PT: a corrupção, o mensalão, porque prometeram o governo mais limpo da história do Brasil. Eu estava lá,bet v365Brasília, quando o Lula tomou posse. Eu cobri a campanhabet v3652003, ouvi a retórica, mas a realidade foi bem diferente."
Juntando as duas pontas da conversa - Rondon e o Brasilbet v365hoje - o biógrafo escolhe uma frase do marechal para este momento do país. O que Rondon, um patriota positivista, idealista perene, diria diante do pessimismo crescentebet v365seus conterrâneos?
A citação vem da última entrevista concedida por Rondon,bet v3651957.
"O Exército deveria ser o grande mudo, pronto ao sacrifício pelo bem da Nação, sem, contudo, intervirbet v365mesquinhas questõesbet v365politicagem."
"Ele estava comentando a tentativabet v365golpe contra a posse do Juscelino Kubitschek. Mas suas palavras foram ignoradas pelos militaresbet v3651964 e acho que é uma frase que ainda tem relevância", explica o jornalista.
Por quê? Elas continuam sendo ignoradas?, a reportagem pergunta.
Rohter responde que não. Ele diz que não vê militares falandobet v365assumir o poder. As Forças Armadas, argumenta, aprenderam com a experiência da ditadura e não querem repetir a dose.
Seria então um conselho apropriado para o atual governo?, a BBC insiste.
Há uma nova negativa.
"Não especificamente, mas como um conselho geral...", continua. "De um marechal do Exército para as gerações vindouras."
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