Dia Internacional da Mulher: BárbaraboocasinoAlencar, a sertaneja 'inimiga do rei' que se tornou a primeira presa política do Brasil:boocasino

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, LivroboocasinoJoséboocasinoCarvalho publicadoboocasino1917: Bárbara ficou encarcerada por maisboocasinotrês anos,boocasinoprisõesboocasinoFortaleza, no Recife eboocasinoSalvador

Em 2017, a Biblioteca Nacional fez uma ampla exposição sobre a Revolução Pernambucana. Entre os documentos daquela época, diz a historiadora, aparecem os nomesboocasinoapenas três mulheres: duas escravas e dona Bárbara do Crato, como era chamada.

"A Revolução Pernambucana foi um movimento que nasceu entre os padres carmelitas, com lideranças urbanas e participação ativaboocasinointelectuais que estudaramboocasinoCoimbra,boocasinoLondres. O caso da Bárbara é interessante porque ela não era nada disso", diz.

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Capa do livro Bárbara,boocasinoAriadne Araújo

Um sertão sem fronteiras

Ela era uma rica proprietáriaboocasinoterras,boocasinoescravos eboocasinoum sobrenome bastante influente. Trêsboocasinoseus cinco filhos, assim com ela, lutaram para que o Nordeste se tornasse uma república.

O caçula, José Martiniano, é pai do escritor JoséboocasinoAlencar – autor do clássico Iracema e, ironicamente, defensor do regime monárquico durante o períodoboocasinoD. Pedro 2º.

"Não encontrei qualquer menção dele à avó", diz o escritor Gylmar Chaves, que há 15 anos se dedica a pesquisar a vida da sertaneja e que se prepara para lançar uma biografia romanceada sobreboocasinovida.

NaturalboocasinoExu,boocasinoPernambuco, Bárbara foi parar no interior do Ceará quando casou com o comerciante português José Gonçalves dos Santos, vendedorboocasinotecidos, loções e miudezas na feira do Crato.

As viagens entre as duas cidades, separadas por 60 kmboocasinosertão, se tornaram comuns quando ela atingiu a adolescência e acompanhava o pai nas incursões pelas feiras que faziam do interior do Nordeste daquele Brasil um espaço muitas vezes sem fronteiras.

Aos 22, ela casou com um homem 30 anos mais velho, às escondidas, sem o consentimento do pai - e ainda convenceu um padre da Igreja Católica a sacramentar o matrimônio.

Não foi a primeira vez que Bárbara transgrediu os costumes da época, nem a última.

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Vista da cidade do Recife a partir do ForteboocasinoSão João Batista do Brum por voltaboocasino1800

Depoisboocasinoum ano vivendo no Crato, conta Chaves, ela já administravaboocasinoseu Sítio do Pau Seco um engenho onde fabricava rapadura e cachaça e produzia tachos e panelas.

Tudo à revelia do companheiro, que julgava que aqueles eram "negóciosboocasinohomem". Bárbara tornou-se viúva jovem, com pouco maisboocasino40 anos, mas virou uma matriarca muito antes disso.

"Ela não deu muito espaço para o marido (dominar)", diz Chaves, divertindo-se.

Nos últimos quatro anos, o cearense rodou maisboocasino15 mil km a partirboocasinoFortaleza para falar sobre Bárbara nas escolas.

O projeto, feito inicialmenteboocasinoforma voluntária e hoje financiado pelo Edital Mecenas do Ceará, compreende entre 60 e 90 palestras por ano, para alunosboocasinoescolas públicas emboocasinomaioria do ensino médio.

De matriarca a 'inimiga do rei'

"Para dar a justa medida do papel das mulheres da época, ela era vista como masculina, o 'macho' da família, uma vez que tomava decisões e gerenciava os bens, sem conselhos dos homens", diz Ariadne Araújo, autora do livro BárbaraboocasinoAlencar.

O caminho para que ela se tornasse revolucionária foi pavimentado dentro do SeminárioboocasinoOlinda,boocasinoPernambuco, por onde passaram doisboocasinoseus filhos.

Fundadoboocasino1800 para formar clérigos para a Igreja Católica, o seminário foi criado pelo bispo Dom Azeredo Coutinho, que, apesarboocasinoser inquisidor-geralboocasinoPortugal, era "mais progressista" quando se tratavaboocasinoeducação, conta George Félix CabralboocasinoSouza, do departamentoboocasinoHistória da UFPE (Universidade FederalboocasinoPernambuco).

"Ele acreditava que os sacerdotes deveriam ajudar as pessoas do sertão. Assim, a formação envolvia amplos conhecimentos e com viés prático - que incluía o estudo da EnciclopédiaboocasinoDiderot e d'Alembert", diz o historiador, referindo-se à obra referência do Iluminismo.

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Legenda da foto, Dom João 6º como rei do Reino UnidoboocasinoPortugal, Brasil e Algarves: monarcas eram vistos como líderes escolhidos por Deus

"Contaminados" pelos ideais iluministas e pela maçonaria inglesa - que difundia o pensamento republicano -, os padres carmelitas seriam protagonistas da Revolução Pernambucana, ressalta Maria Eduarda Marques, da Biblioteca Nacional.

Amigoboocasinodona Bárbara, o frei paraibano Manuel da Arruda Câmara, que circulava pelo conventoboocasinoOlinda e foi idealizador do movimento, fundou a primeira loja maçônica do Brasil, estaboocasinoinspiração francesa.

Estudou filosofia natural na UniversidadeboocasinoCoimbra,boocasinoPortugal, e se mudou para a França revolucionáriaboocasino1790 - quando a Bastilha já havia sido tomadaboocasinoParis e a burguesia e os camponeses que haviam destronado Luís 16 realizavam a Assembleia Constituinte - para cursar MedicinaboocasinoMontpellier.

Umboocasinoseus discípulos, o padre João Ribeiro, que o acompanhava nas expedições para investigar a flora do sertão e ilustrava seus livrosboocasinobotânica, também estudou na Europa, onde teve contato com os conceitosboocasinoliberdade, igualdade e fraternidade - que, na prática, questionavam o caráter divino da figura do rei e a hierarquização estratificada da sociedade.

Professor do SeminárioboocasinoOlinda, ele se suicidariaboocasino1817, com a derrota das tropas republicanas, enforcando-seboocasinouma capela. Seu corpo sepultado foi violado, a cabeça separada do corpo e exposta espetadaboocasinoum estandarte nas ruas do Recife.

"O padre João Ribeiro, ao lado do padre Miguelinho, estava entre aqueles que tinham as ideias mais radicais", diz George Félix, da UFPE, citando também o nome do professorboocasinoretórica do Seminário.

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Legenda da foto, Frei Caneca estava entre as dezenasboocasinopadres que participaram da Revolução Pernambucana

Bárbara tinha contato com as ideias revolucionárias tanto através dos filhos radicadosboocasinoPernambuco - José MartinianoboocasinoAlencar e Carlos José dos Santos - quanto através dos religiosos com quem tinha amizade.

"Emboocasinocasa do Sítio Pau Seco recebeu a visitaboocasinoum dos mais ilustres ideólogos do sistemaboocasinogoverno republicano na colônia, o frei Manuel da Arruda Câmara, o qual fez menção sobre ela emboocasinocarta-testamento,boocasino1810", destaca Gylmar Chaves.

A partirboocasinosua fazenda no Crato, ela "assumiu para si a missãoboocasinocooptar simpatizantes e fundar núcleos republicanosboocasinofazendas e povoados".

Ariadne Araújo pontua que, naquela época, o clã dos Alencar gozavaboocasinopoder e prestígio não apenas na região do Cariri, hoje o sul do Ceará, onde estava instalado. A influência da família se estendia a outras áreas da capitania como Barbalha, Jardim e Araripe - na divisa com o atual EstadoboocasinoPernambuco - e Várzea da Vaca, hoje conhecida como Campos Sales, no limite com o Piauí.

"Bárbara certamente não só apoiava as novas ideiasboocasinoliberdade como as assumiu publicamente, ao apoiar o movimento. Isso que torna o papel dela importante para a época", comenta a escritora.

Isso porque, no Nordeste do século 19, diz Maria Eduarda, da Biblioteca Nacional, a atividade política e as revoluções eram espaços praticamente exclusivos dos homens. As mulheres,boocasinogeral, nem emitiam opiniões sobre esses assuntos.

"As mulheres que viviam nos sertões nordestinos na épocaboocasinoque viveu BárbaraboocasinoAlencar não tinham direito a nada. Se ela teve o papel que teve nesse movimento político é porque veioboocasinouma família com muita força, dinheiro, terras e prestígio, orgulhososboocasinosua independência", acrescenta Ariadne.

"Estas condições transformaram Bárbaraboocasinouma mulher que sabia o que queria, forte e corajosa, com um espaço - muito raro por aqueles tempos e naquelas bandas do interior - para existir como sujeito."

A escritora pondera que, ainda que a participação política tenha colocado a matriarca como ponto fora da curva, ela ainda era "frutoboocasinouma cultura local extremamente moralista e católica".

Nesse sentido, destaca-se o fatoboocasinoque ela, até onde se sabe, não era abolicionista - ao contrárioboocasinoalguns dos seus contemporâneos rebeldes. Bastante religiosa, exigia que os escravos seguissem preceitos do catolicismo e não permitia, por exemplo, que fossem amasiados.

Os cativos, entretanto, não dormiamboocasinosenzalas, não sofriam os maus tratos comuns da época e a chamavamboocasino"madrinha", lembra Chaves. Um deles, Barnabé, chegou a decepar a própria língua entre os dentes quando foi interceptado pelas tropas reais, para não denunciar o paradeiro da "sinhá". Outra, Brasilina, acompanhou pela mata a peregrinaçãoboocasinoBárbara, depoisboocasinocapturada, até a prisãoboocasinoFortaleza.

Por que o Nordeste queria se separarboocasinoPortugal e virar república?

A vinda da família real portuguesa para o Brasilboocasino1808, fugindo das invasões patrocinadas por Napoleão Bonaparte na Europa, mudou o eixo político e econômico da colônia - concentrado nos primeiros séculos na empresa açucareira do Nordeste.

Dom João 6º, então príncipe regente do Brasil, instalou-se com a corte no RioboocasinoJaneiro e, daliboocasinodiante, parte considerável dos impostos arrecadadosboocasinotodo o território passou a fluir para a capitania, que ganhou chafarizes, iluminação pública, praças e grandes avenidas.

"Pernambuco, que era uma capitania com superávits comerciais por causa do algodão, se sentiu sobrecarregada com a taxação imposta pela corte", explica o historiador George Félix.

"A nobreza que expulsou os holandeses (que dominaram Pernambuco até 1654) se sentia como uma espécieboocasinosúdito privilegiado e se ressentiu com a mudança da coroa para o Rio", acrescenta Maria Eduarda.

Combinado à difusão do ideário iluminista e das revoluções francesa e americana e à tradiçãoboocasinoinsurreiçãoboocasinoPernambuco, o aumentoboocasinoimpostos foi combustível para a Revolução Pernambucana.

Sai o vinho, entra a cachaça

Apesarboocasinoum início atropelado - os planos dos rebeldes foram descobertos um mês antes do início previsto para a deflagração da revolta e eles tiveram que entrarboocasinoação antecipadamente - a RepúblicaboocasinoPernambuco durou 75 dias.

O padre João Ribeiro desenhou a nova bandeira, que é até hoje representa o Estado. No dia 7boocasinomarçoboocasino1817, é instalada uma junta provisória e tem início a experiênciaboocasinoautogoverno.

Com a nova Constituição, que defende a república, os direitos humanos e a liberdade religiosa eboocasinoopinião, é abolida uma sérieboocasinoimpostos.

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Professor da EscolaboocasinoDesenho do Seminário, padre João Ribeiro é autor da bandeira da RepúblicaboocasinoPernambuco

Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, é enviado aos Estados Unidos como embaixador da república pernambucana com o objetivoboocasinocomprar armas e angariar apoio para a luta armada.

O vinho, visto como um produto ligado à metrópole, foi substituído por cachaça nas solenidades e as hóstias distribuídas nas missas, feitasboocasinotrigo, passaram a ser fabricadas com mandioca.

Em pouco tempo, a revolução se espalhou, com apoio dos senhoresboocasinoengenho - que pediram como moedaboocasinotroca que os revoltosos não advogassem pela abolição da escravatura -,boocasinointelectuais e das massas populares.

"Eles defendiam o pagamentoboocasinomenos impostos e a redução do preço dos alimentos - duas mensagens muito simpáticas à populaçãoboocasinogeral", diz o historiador da UFPE.

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Decreto do governo provisório que extinguia o imposto sobre a carne

No Crato, ela chegou no dia 3boocasinomaioboocasino1817 - para durar apenas 8 dias.

A república foi decretada durante a missaboocasinodomingo, com a leituraboocasinouma carta do emissário José Martiniano, filhoboocasinodona Bárbara, acompanhadoboocasinocercaboocasino200 homens.

"Os revoltosos tentaram, a princípio, se organizar, convencer líderes políticos da região, testaram a adesão das novas ideiasboocasinoreuniões secretas, aliciaram alguns e prometeram empregos e favores a outros", conta Ariadne.

Três anos no cárcere

A repressão da monarquia foi rápida e truculenta. Os ataques às regiões separatistas envolveram cercaboocasino8 mil homens.

O saldo entre os rebeldes, segundo George Félix, foram 300 mortosboocasinocombate, 100 exilados, 11 executadosboocasinopraça pública no Recife e outros 3boocasinoSalvador.

Entre a prisãoboocasinoFortaleza, no Recife eboocasinoSalvador, Bárbara passou maisboocasinotrês anos no cárcere e teve todos os bens confiscados.

Nas celas do Quartel da 1ª Linha, como narra Gylmar Chaves, os detentos estavamboocasinomeio às próprias fezes e urina, expostos a piolhos e pulgas.

A alimentação se resumia a víscerasboocasinoanimais mal cozidas na água e sal, acompanhadasboocasinouma pequena porçãoboocasinofarinha e servidas uma vez por dia nos mesmos cochosboocasinomadeira usados pelos porcos.

A pena, porém, não demoveu Bárbaraboocasinocrençaboocasinoque o Brasil deveria ser uma república. Em 1824, aos 64 anos, ela estava mais uma vez ao lado dos três filhos revolucionários, agora na Confederação do Equador. O Brasil já era independenteboocasinoPortugal, mas governado pelo filhoboocasinoDom João, Pedro 1º.

No conflito separatista - que contaria, ao lado das tropas imperiais, com mercenários ingleses como o oficial Thomas Cochrane - ela perderia dois filhos, Carlos José dos Santos, o padre Carlos, e Tristão Gonçalves, que, depoisboocasinomorto a tiros, teve a mão direita amputada por seus algozes e o corpo exposto por um mês ao sol.

Juradaboocasinomorte pelo coronel Pinto Madeira, dona Bárbara, já debilitada, se retirou na Fazenda Touro, na divisa com o Piauí.

Em 1833, um ano depoisboocasinoo próprio coronel ter sido rendido e enforcado depoisboocasinoparticiparboocasinoum movimento contrário à abdicaçãoboocasinoDom Pedro 1º, ela decidira voltar à Vila do Crato para ser madrinhaboocasinocasamento da sobrinha.

Mas não chegaria ao destino: BárbaraboocasinoAlencar morreu aos 72 anos, na casaboocasinoum sobrinhoboocasinosegundo grau, onde estacionara para descansar no caminho.

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