Brumadinho: 'É como estar dentroum liquidificador gigante', conta parentejovem resgatada no 'último suspiro':

Thalyta quebrou a bacia e o fêmur ao ser engolida pela ondalama despejada após a ruptura da Barragem I da mina Córrego do Feijão,Brumadinho.

"Ela relatou para mim depois que estava sentindo dor, muita dor, que não sentia mais a partebaixo do corpo", diz José Antônio à BBC News Brasil.

Thalyta está internada na unidadetratamento intensivo do hospitalpronto-socorro João XXIII, junto comirmã mais velha, AlessandraSouza,43 anos, esposaJosé Antônio.

Ambas conseguiram se salvar ao serem puxadas da lama pouco após o acidente por vizinhos que chegarambuscasobreviventes e as mantiveram à tona. Depois, foram resgatadas pelos bombeiros.

Mas a filhaAlessandra eJosé Antônio - Lays Gabrielle,14 anos - está desaparecida desde sexta-feira.

"A minha esposa está toda inchada, toda roxa, e só faz perguntar por ela", conta José Antônio. "A Lays era tudo para nós. Era a única filha que a gente tinha."

Thalyta havia chegado a Brumadinho havia apenas quatro dias antes para morar com a irmã mais velha depois que a mãe das duas faleceu, há quatro meses. Ela moravaVárzeaPalma, no norteMinas,onde toda a família vem.

As duas irmãs têm relaçãomãe e filha por causa da diferençaidade,quase 20 anos, e Thalyta foi criada como irmãLays, apenas um ano mais jovem.

'É como estar dentroum liquidificador gigante'

As três estavamcasa, se preparando para almoçar, quando ondalama chegou.

José Antônio conta que Alessandra ouviu um barulho enorme e gritou para todas correrem, e cada uma fugiu para um canto. Thalyta ouviu um gritodor da Lays - e depois não houve mais sinal da jovem.

"A onda era tão grande, tão imensa, mandava você para um lado, para o outro - esses são os relatos delas, você achava que estava embaixo, estavacima", descreve José Antônio.

"A única imagem que a gente tem é como se você estivesse dentroum liquidificador gigante, sendo giradaum lado e para o outro, e sendo esmagada por pedra, pau, ônibus, veículo, porta, tudo que estava vindo para baixo, esmagando as pessoas, quebrando tudo."

Alessandra conseguiu ir para um lugar com menos correnteza e logo chegaram dois moradores que ajudaram a puxá-la da lama. "Ela gritou, 'salve minhas duas filhas lá no meio!' Aí um deles ficou com a minha esposa e o outro afundou na lama para ajudar a Thalyta. Ele conseguiu puxar ela para um lugar mais raso, nas margens da lama, e ficou dando apoio para ela, conversando, fazendo ela ficar acordada até os bombeiros chegarem", conta.

Casa e pousada devastada

A família vivia na Pousada Nova Estância - o charmoso hotel que costumava hospedar celebridades e receber turistas que vinham a Brumadinho para conhecer o Inhotim, centroarte contemporânea. José Antônio era superintendenteserviços gerais desde que o hotel abriu, há dez anos, e tinha uma casa dentro da propriedade, cercadaverdeuma áreaproteção ambiental.

"Eu tinha uma paixão imensa pela pousada. Aquilo era lindo, maravilhoso, um lugar encantador, admirado por todo mundo."

Naquela sexta-feira, por acaso, José Antônio havia ido resolver pendênciasBelo Horizonte. Um amigo ligou dizendo que tinha havido um rompimento da barragem. "Eu não entendi. Não imaginava o grau. Achei que uma quantidade pequenaágua havia vazado. Quando liguei a rádio que fui entender a dimensão."

José Antônio conseguiu ter notíciasque a esposa e Thalyta estavam a salvo - mas correu para o local atrássinaissua filha.

Não havia mais casa, pousada, nada. As construções charmosas, o paisagismo cuidadoso, os ateliêscerâmica e pintura dos proprietários, Cleo e Márcio Mascarenhas, o trabalhoanosdedicação dos donos e dos funcionários - tudo estava submersoum marlama.

José Antônio registrou a devastaçãoseu celular, percorrendo o horizonte cobertolama. No vídeo, ele se emociona ao encontrar o cachorro da filha, Bob. "Olha quem eu achei aqui. Olha que beleza. Achei o Bobinho. Mas não achei a minha filha", diz, emocionado.

'Tsunami' sem alarme

A onda que desceu da barragem foi tão violenta que a pousada se deslocoulugar, segundo o CorpoBombeiros.

Cristina, Crioula, Jussara, Robinho são alguns dos funcionários que estão desaparecidos, alémturistas que estavam na pousada, como cinco membros da mesma família, entre eles Luiz Taliberti Ribeiro enoiva, Fernanda DamianAlmeida, que está grávida. Eles moram na Austrália haviam acabadochegar para conhecer o Inhotim.

O corpo da proprietária, Cleo Mascarenhas, foi identificado nesta terça-feira.

Hoje, José Antônio lembra com amargura as visitasfuncionários da Vale no ano passado, fazendo o levantamentobens dos moradores e da pousada, instalando sirenes e oferecendo treinamento para evacuação rápida do local.

"Na época, falaram que não tinha chance nenhumaa barragem romper. Nós ficamos seguros com isso", lembra. Mas o alarme não soou.

"Centenasvítimas foram escavadas por um tsunamilama por negligência da Vale. Se tivesse acionado a sirene, teria salvado centenasvítimas. É uma revolta, uma dor terrível."

Ele já não tem esperançasencontrar Lays com vida, e relata que Thalyta tem dito que deveria ter morridoseu lugar.

José Antônio clama por justiça - e para queBrumadinho não se repita a morosidade que se viu após a tragédiaMariana, que até hoje não teve culpados condenados.

"A dor é muito grande. Perdemos nossas famílias, nossos pertences, nossas lembranças. Nada vai trazer issovolta", diz.

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