Mais Médicos: como programa 'economizou' um terço do orçamento ao diminuir internações hospitalares:
"Houve uma melhora na qualidade do atendimento à população. Imagine uma comunidade que não tinha médicos? Com o aumento das consultasáreas desassistidas, foi possível identificar e tratar doenças com agilidade, evitando internações que poderiam serfato evitáveis", afirmou Mazetto, que hoje trabalha na Tendências Consultoria Integrada.
Eles não identificaram, porém, nenhum impacto significativoindicadoresmortalidade infantil ou da populaçãogeral, por exemplo. Segundo Mazetto, não é possível afirmar ainda se o programa não tem capacidadeum impacto mais duradouro ou se não teve temposurtir efeito. O númerointernações já vinhaqueda antes do Mais Médicos, ainda queritmo mais moderado (7,9% no intervalo entre 2009 e 2012).
O estudo acima é um dentre os quase 200 trabalhos acadêmicos produzidos sobre o programa desde acriação pelo governo Dilma Rousseff (PT)2013, na esteira das manifestaçõesruajunho daquele ano. Órgãos públicos, como o TribunalContas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU), também avaliaram o programa.
Ao menos 65 instituições, dentre elas 54 universidades, esmiuçaram a tentativa do governo federalresolver um problema comum a diversos países: como atrair e fixar médicosregiões remotas, pobres, violentas, sem infraestrutura adequada ao atendimento da população?
As análises atravessam os três pilares do programa. Os profissionais atuaram nos locais que mais precisavam e fizeram diferença, ou se priorizou quantidadevezqualidade? O governo federal criou vagasuniversidades e residências médicas fora dos grandes centros e voltadas à atenção básica para não precisar recorrer a profissionais estrangeiros? Houve investimentoinfraestrutura, equipamentos e medicamentos no sistema públicosaúde, considerados precários na maior parte do país?
Mais atendimentos
Em resumo, a maioria dos trabalhos e relatórios identificou avanços sociaisdiversas dessas áreas, como o aumento do númeroconsultas e exames, a redução das chamadas internações hospitalares evitáveisparte da população, a saídaquase 500 cidades do estadoescassez médica, um atendimento mais humanizado a pacientes e a ampliação das vagas para estudantes e médicosregiões sem instituiçõesensinoMedicina.
Um grupooito pesquisadores do Ceará publicoujunho deste ano uma revisão crítica35 trabalhos dentre 1.482 textos encontrados sobre o temasites acadêmicos. A partir da leitura da amostra, eles afirmam que o Mais Médicos "contribuiuforma significativa para a saúde brasileira, uma vez que reduziu a escassezmédicos na atenção primária à saúde, impulsionou a expansão do númerovagasgraduação e residênciaMedicina e foi responsável pela mobilizaçãorecursos financeiros para melhorar a estrutura das unidades básicassaúde".
Os estudiosos identificaram falhastodas as etapas envolvidas no programa, resultandorecomendaçõesmelhorias. Os problemas identificadosgeral se assemelham àqueles enfrentados por profissionais que atuam no âmbito do Sistema ÚnicoSaúde (SUS).
A exemplo, faltaequipamentos e medicamentos, falhas na formação e escolhagestores, desviorecursos, descumprimentocarga horária, excessodemanda, faltatransparência, soluções temporárias que acabam permanentes, alémproblemas nos contratostrabalho dos médicosCuba.
O programa hoje vive um impasse. Críticas e exigências do presidente eleito, Jair Bolsonaro, relacionadas ao contrato com Cuba levaram o país caribenho a deixar o Mais Médicos. Segundo o governo federal, será lançado neste mês um edital para a substituição desses profissionais.
Atualmente, o programa tem 18.240 vagas, preenchidas por 8.332 cubanos, 4.525 brasileiros formados no Brasil, outros 2.824 brasileiros que estudaram no exterior e 451 médicos intercambistasoutras nacionalidades. Cerca2 mil postos não foram preenchidos.
Quem já estudou o Mais Médicos?
Um levantamento produzido pelos pesquisadores David Ramos da Silva Rios e Carmen Teixeira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), identificou 137 trabalhos acadêmicos65 instituições diferentes ao longo dos três primeiros anos do Mais Médicos. Do total, 80 eram artigos (58,4%). O mapeamento foi publicado no último volume da revista científica Saúde e Sociedade, da UniversidadeSão Paulo (USP).
A UniversidadeBrasília (UnB), com 23 trabalhos (16,8%), aparece à frente da produção e sugere duas hipóteses: a localização no Distrito Federal, próxima dos responsáveis pelo programa no âmbito federal, e a formaçãoredepesquisas sobre o tema com outras universidades.
O auge produtivo (22) do mapeamento desse período,julho2016, tem relação com as diversas chamadas públicasrevistas do camposaúde coletiva por estudos sobre o tema. Um dos objetivos do Mais Médicos, inclusive, era incentivar e ampliar o númeropesquisas acadêmicas sobre a saúde pública do país.
A partir da amostra analisada, os pesquisadores responsáveis pelo mapeamento da UFBA concluem que os resultados iniciais do Mais Médicos indicam que o programa "tem reduzido iniquidadessaúde, aumentado a proporção médico/habitante e melhorado a qualidade da relação médico-paciente, propiciando atendimentos mais humanizados, ao mesmo tempoque tem favorecido a integração das práticas dos diferentes profissionais das equipessaúde e aumentado a efetividade das ações nas UBS (Unidades BásicasSaúde)".
Um dos principais estudos produzidos sobre o tema até 2016, da Universidade FederalMinas Gerais (UFMG), indicou que o Mais Médicos atacoufato parte significativa da demanda reprimida. De março2013 a setembro2015, o númeromunicípios com escassezatendimentosaúde caiu35,2%, 1,2 mil para 777, segundo índice calculado a partirvariáveis como proporçãomédicos, o nívelpobreza extrema e os índicesmortalidade infantil.
"O programa foi um avançotodos os sentidos. Houve um esforço muito grande do país inteiro, envolvendo governos das três esferas, sociedade e órgãoscontrole interno e externo. Municípios com escassez foram beneficiados, além da mexida importante na formação médica", afirmouentrevista à BBC News Brasil o médico Sábado Nicolau Girardi. Ele é pesquisador do NúcleoEducaçãoSaúde Coletiva da UFMG e coordenador do EstaçãoPesquisaSinaisMercado - ObservatórioRecursos Humanos da mesma universidade.
Não houve ainda uma mapeamento nos mesmos moldes acerca dos estudos acadêmicos2017 e 2018.
Eficaz na saúde e pouco transparente
O TCU (TribunalContas da União) divulgou no início2017 uma avaliação positiva dos resultados do Mais Médicos. Para o órgãocontrole, o programa tem eficácia comprovada na ampliação e melhoria da cobertura médica63 milhõesbeneficiários nas duas primeiras fases do programa, que foi renovado por mais três anos2016.
À época, alémdestacar o impacto positivo da iniciativa, o tribunal determinou ao Ministério da Saúde que exigisse mais transparência na gestão dos recursos por parte da Organização Pan-AmericanaSaúde (Opas), operadora financeira do programa que integra a Organização Mundial da Saúde (OMS). No julgamento do acórdão, ministros do TCU criticaram a fatia transferida para os médicos cubanos.
Segundo termo técnico assinado entre o Ministério da Saúde e a Opas, o governo brasileiro paga uma bolsaR$ 10 mil mensais por cada profissional. A organização intermedeia o repasse para Cuba. Este, porvez, retém a maior parte do valor da bolsa e paga o restante aos médicos que estão fora do país.
Não há, no entanto, números oficiais sobre o quanto é repassadofato aos profissionais. A carga horária acertada é40 horas semanais, por um períodotrês anos, que poderia ser renovado uma única vez. O TCU recomendou ao governo que buscasse soluções para reduzir a dependênciaprofissionais estrangeiros.
Dependência e relações com Cuba
Emtesedoutoradosaúde global e sustentabilidade, apresentada na USP2017, a pesquisadora Juliana BragaPaula analisa o acordocooperação assinado entre os governos cubano e brasileiro, intermediado pela Opas, braço da Organização Mundial da Saúde.
De acordo com o governo federal, foram gastos cercaR$ 13 bilhões com o programa entre 2013 e 2017, sendo quase R$ 7 bilhões destinados ao convêniocontratação dos médicos cubanos.
A políticaexportaçãoprofissionais da áreasaúde serve hoje como moedatroca para a subsistência do país caribenho. Em 2014, estimava-se que Cuba dispunhacerca38 mil profissionaissaúde ligados à políticaacordoscooperação internacional com mais60 países (em casos humanitários oudesastres, o envio é voluntário).
A formação massivamédicos foi adotada pela ditadura liderada por Fidel Castro na esteira da fugaprofissionais decorrente do golpe revolucionário que derrubou o também ditador Fulgêncio Batista,1959. O embargo econômico imposto pelos Estados Unidos deixou o país com poucas opçõesgeraçãoreceita, além do turismo e do apoio que recebiaaliados como a União Soviética.
A partir dos anos 1960, a diplomacia cubana passou a usar a estratégiaenviar equipes para vizinhos com necessidades emergenciais, com efeito positivo sobre o "soft power" (exercícioinfluênciaforma indireta) na comunidade internacional e sobre a balança comercial.
O envioprofissionaissaúde para o exterior responde por US$ 11 bilhões dos US$ 14 bilhões que Havana arrecada por ano com exportaçõesbens e serviços, segundo dados da OMC (Organização Mundial do Comércio) e da imprensa estatal cubana.
Mas a saída deles do país não os afasta das restrições à liberdadeexpressão e circulação, dentre outras imposições da ditadura cubana, hoje comandada oficialmente por Miguel Díaz-Canel. Mesmo no Brasil, os profissionais cubanos não podem viajar livremente, trazer familiares e não recebem a integralidade das bolsas pagas pelo governo brasileiro no âmbito do acordocooperação.
Não há informações oficiais sobre os custos e os repasses do lado cubano envolvidos com o Mais Médicos. Pesquisadores estimam, a partirentrevistas realizadas com profissionais do país caribenho, que o governo cubano repasse a eles cerca25% dos R$ 11.865,60 (valor atual) pagos pelo Brasil por cada médico. A prática é comumacordos firmados por Cuba.
As bolsas destinadas a profissionaisoutras nacionalidades são pagas pelo governo brasileiro individualmente a eles, diferentemente do modelo cubano, coletivo com intermediários. Esse é um dos principais pontosconflito,um primeiro momento, entre associações da classe médica e a gestão Dilma Rousseff; agora, entre o presidente eleito, Jair Bolsonaro, e o governo cubano.
O brasileiro condicionou a continuidade do acordo a fatores como a mudança para o regimecontratação individual e a revalidação do títulomédico no Brasil. Hoje, a legislação (avalizada pelo Supremo Tribunal Federal) determina que médicos formados no exterior,qualquer nacionalidade, podem atuar com uma autorização provisóriatrabalho por até três anos pelo Mais Médicos sem precisar revalidar seu diploma, processo conhecido como Revalida (uma fase teórica e outra prática). Caso tentem renovar a permanência, precisam se submeter à revalidação.
No início do programa,2013, o Ministério da Saúde afirmava que não usaria o Revalida para evitar que, com a revalidação plena da atividade profissional, os médicos pudessem atuar no setor privado e dispersassem pelo país, e não somente nos locais determinados pelo programa.
Segundo a Confederação NacionalMunicípios, 1.478 cidades possuem somente médicos cubanossuas equipes do Mais Médicos. De acordo com o Conselho NacionalSecretarias MunicipaisSaúde, com a saída dos cubanos, 611 cidades dependem exclusivamente desses profissionais e podem sofrer apagão na rede pública.
As regras do programa colocam os cubanos no fim da listaprioridade para preenchimentovagas. Em geral, seguem para localidades as quais não tiveram interessados, como lugares fronteiriços e municípios sem infraestrutura adequada.
No Mais Médicos, todos os profissionais, brasileiros e estrangeiros, têm direito a alimentação e moradia bancadas pelas prefeituras das localidades onde atuam.
Falhas na orientação e supervisão dos médicos estrangeiros
O programa Mais Médicos prevê que os profissionais envolvidos passem por um cursoespecialização na áreasaúde da família e sejam supervisionados e orientados por instituiçõesensino superior do país.
Mas pesquisadores identificaram falhas e lacunas na supervisão dos bolsistas e posições diversas acerca das condições contratuais envolvendo os governos brasileiro e cubano.
Houve reações negativas,menor escala, às condições, e médicos acabaram desertando e foram para outros países que firmaram acordos parecidos. No Brasil, cerca200 profissionais entraram na Justiça para receber integralmente a bolsa paga pelo governo brasileiro.
Segundo dados do governo cubano, o salário médio no país giratornoUS$ 30, a renda mensalum médicoCuba é estimada entre US$ 25 e US$ 40, ou o equivalente a R$ 94 e R$ 150. Os setoresaçúcar e minério costumam pagar 50% a mais que osaúde e assistência social.
Outra parte dos médicos cubanos ouvida por pesquisadores defende publicamente a política internacionalista e a destinação interna dos recursos gerados pela política internacionalista.
"Em grande parte, o país fica com o dinheiro. Por quê? Porquenosso país quase tudo é subsidiado. A saúde é gratuita, a educação é gratuita, esse dinheiro (dos acordoscooperação internacional) é para subsidiar nossas coisas. Eu tô aqui e tô despreocupado com a saúde da minha família", afirmou um médico cubano que atuou no Brasil pelo programa e foi entrevistado pela pesquisadora Juliana BragaPaula, da USP.
Em seu estudocaso, ela conversou com 14 profissionais do país caribenho que trabalhavam nos municípios cearensesCaucaia e Parambu. Nesta, localizada no sertão, 32% dos cerca31 mil habitantes viviamcondiçõespobreza extrema.
Mais proximidade na relação médico-paciente
Pesquisadores se debruçaram também sobre a relação médico-paciente no âmbito do Mais Médicos, a exemplo da satisfação dos usuários com os serviços prestados e das principais dificuldades no diálogo entre profissional e paciente.
Segundo um estudo da UnB2014, pessoas atendidas pelo programaCeilândia (DF) afirmaram que os profissionais, principalmente os estrangeiros, "têm mais atenção, interesse, interação, paciência, dão mais espaço, olham, ouvem e conversam com o paciente".
A mesma percepção foi identificadaestudos. "Chama atenção o fatoque alguns trabalhos destacam que os usuários percebem o atendimento realizado pelos profissionais cubanos como superior ao desenvolvido pelos seus pares brasileiros, destacando como principal diferencial o olhar, a escuta, a atenção e o respeito", afirma o mapeamento do artigo, citando quatro trabalhos sobre o tema.
Segundo levantamento realizado pela UFMG e pelo InstitutoPesquisa Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) com 14.179 usuários, 227 gestores e 391 médicos699 municípios, 87% dos beneficiários afirmaram que os médicos do projeto foram mais atenciosos que profissionais que os atenderam anteriormente.
Infraestrutura precária
A grande maioria dos problemas relatados a pesquisadores pelos médicos brasileiros e estrangeiros que atuam no programa é parecida com os já enfrentados pelos profissionais no SUS, sendo a faltainfraestrutura o mais grave deles. Verbas para compraequipamentos e melhorias são anunciadas por governantes, mas diversas vezes parecem não chegar à ponta do sistema.
"Às vezes não temos material para fazer os curativos, não temos um aparelho inalador para os asmáticos. Não temos materialsutura. E aí, na atenção primárianosso país, fazemos todas essas coisas", relata um médico cubano à pesquisadora.
Ele também faz críticas às indicações políticas e à faltaformação técnica dos gestores brasileiros na áreasaúde. "Aqui o gestor pode ser qualquer um. Não conhecesaúde, nemnada."
Segundo o governo federal, o programa previu maisR$ 5 bilhões para o financiamento26 mil obrasquase 5 mil municípios, das quais quase 10,5 mil foram entregues e outras 10 mil encontram-sefaseexecução.
Diversos estudos identificaram falhas no controle das verbas destinadas aos programas (obras e custeio), prefeituras que não cumpriam parte das contrapartidas previstas no programa, faltamedicamentos e equipamentos e problemas na gestãoverbas e recursos humanos.
Em artigo publicado2016, um grupooito pesquisadores ligados à Fiocruz, UFF, USP, ao Dieese e ao Ministério da Saúde analisou a qualidade da estrutura das unidades básicassaúde.
Segundo eles, é preciso investir ainda maisinfraestrutura porque esse problema afeta a diretamente satisfação dos médicos e está associada à rotatividade desses profissionais, o que gera ainda mais custos e afeta o atendimento à sociedade. O grupo afirma ainda que o programa não havia conseguido chegar às unidadessaúde que estavam nas piores condições.
Em auditoria divulgadamarço deste ano, a CGU (Controladoria Geral da União) identificou uma sériefalhasmonitoramento e implementação do programa, a exemplo dos profissionais que não cumpriam a carga horária completa e a troca irregularequipes que algumas prefeituras realizaramolho nos recursos federais.
"Verificações realizadas222 equipessaúde da família instaladas198 municípios brasileiros apontaram que44 (20%) delas, vinculadas a 32 municípios, houve substituiçãomédicos por participantes do programa Mais Médicos."
Afinal, quantos médicos faltam no Brasil?
A principal bandeira do programa Mais Médicos era uma distribuição mais equilibrada dos médicos pelo país, principalmentemunicípios pobres e remotos. Os habitantes que vivemqualquer capital tinham,média, duas vezes mais médicos atuando ali que aqueles que vivemoutras regiões do mesmo Estado.
A atraçãoprofissionais estrangeiros é uma das principais ações emergenciais e temporárias do programa, que atacaria problemas estruturaisoutra frente. Afinal, como atrair médicos para os locais que mais precisam deles?
Dados do governo federal indicam um déficit na relação formação/demandamédicos no país. De 2003 a 2011, surgiram 147 mil vagasprimeiro emprego formal para esses profissionais, mas só 93 mil (66%) se formaram no período.
As associações que representam a categoria médica, no entanto, rebatem os dados do governo e os estudos que indicam um déficit nacional. Em nota publicada no último dia 17, a Associação Médica Brasileira afirmou que "não faltam médicos no Brasil. Hoje, somos 458.624 médicos. Essa crise será resolvida com os médicos brasileiros."
Para atrair e reter profissionais brasileiros nas áreas com baixa proporçãomédicos por mil habitantes, a entidade afirma que "a solução definitiva passa pela criaçãouma carreira médicaEstado que valorize o médico brasileiro e que dê a ele perspectivas seguras e condiçõesplanejarvida num horizontelongo prazo."
A entidade defende também o uso e ampliação do efetivomédicos das Forças Armadas, subsídios como moradia e descontodívidafinanciamento estudantil.
Como levar médicos para lugaresque eles não querem ir?
Diversos países enfrentam dificuldadesatração e fixaçãomédicosáreas remotas ourisco,razãofatores como localização, remuneração, tipovínculo empregatício, carga horária e infraestrutura.
Em 2012, o médico e pesquisador Sábado Girardi, da UFMG, liderou um levantamento com 277 dos 1.834 estudantes matriculados no último ano dos cursosmedicina no EstadoMG a fimmedir a propensão deles a atuarem nessas regiões e circunstâncias.
Quatrodez aceitariam atuar no cenário mais atraente aferido, com salárioquase R$ 18 mil (valor corrigido e inviável para a grande maioria dos sistemas municipaissaúde), carga20 a 30 horas, condiçõestrabalho adequadas, vínculo estável e acesso garantido à residência médica.
No ano seguinte, a UFMG realizou um levantamento com questões parecidas, desta vez com médicos já formados e inscritos no Provab, programa do governo federal no qual médicos formados passavam pelo menos um ano atuandoprogramassaúde da família.
Em troca, caso fossem bem avaliados, recebiam benefícios como um bônus10% na notaseleçõesresidência médica. Para 82% dos entrevistados, esse foi o maior fatormotivação para a atuar no Provab;segundo, para 38% dos profissionais, o salárioR$ 11.200 (valores atuais).
A experiência profissionallocalidades escolhidas pelos médicos dentre as consideradas prioritárias pelo governo federal afeta a pretensãoeles voltarem a atuaráreas remotas, passando38%, antesatuarem no programasaúde na família, para 27%. As condiçõestrabalho pesam: metade dos entrevistados avaliou como ruins ou péssimos os equipamentos da unidadesaúde na qual atuaram.
Uma alta rotatividadeprofissionais afeta o progresso dos programas ligados à atenção básica, baseadoscontato mais próximo com a comunidade.
Formar médicos fora dos grandes centros
Outra ação do Mais Médicos passa pela redistribuiçãonovos cursos e vagasresidência, antes concentrada nas capitais. O programa estabeleceu regras para novas autorizações, como o númerohabitantes do município e a ofertacursos na região.
Segundo o governo federal, desde 2013 foram criados 117 cursos e cerca13,6 mil vagas (a meta era 11,4 mil), voltadas à interiorização do ensino: 73% do total não estãocapitais.
Hoje, são quase 290 cursos na área, com cerca30 mil vagas. Do total, 12.589 estão nas capitais (43%) e 16.682 (57%),outras áreas. A expansão foi catalisada pelo setor privado, com quase 80% das novas vagas e mensalidadestornoR$ 7 mil. Hoje, 10.237 estãoescolas públicas (35%) e 19.034 (65%), no setor privado.
"Não seria mais sensato investir nas universidades públicas, que ainda congregam um corpo docenteexcelência, recuperar seus hospitais universitários, reforçar o seu corpo técnico-administrativo, dar-lhes um salário digno, viabilizando a expansãovagas nos cursosMedicina?", questionouartigo2014 o médico Alberto Schanaider, professor titular do DepartamentoCirurgia da FaculdadeMedicina da Universidade Federal do RioJaneiro (UFRJ).
A forte expansão esbarroudiversos gargalos, como avaliação e supervisão inadequada dos novos cursos e faltaestrutura, verba e professores, euma ondacríticasentidadesclasse. Em reação, o governo Michel Temer (MDB) decidiuabril passado suspender a aberturacursos e vagas por cinco anos.
Segundo o estudo Demografia Médica no Brasil, coordenado por Mário Scheffer, professor do DepartamentoMedicina Preventiva da FaculdadeMedicina da UniversidadeSão Paulo (USP), o país formará 28.792 médicos2024, cercatrês vezes o saldo2004, então9.299.
Como o programa Mais Médicos foi debatido na mídia?
O programa Mais Médicos foi alvointenso debate na mídia, envolvendo profissionais, pesquisadores, entidadesclasses, políticos, gestores e governantes.
Segundo o mapeamento da UFBA sobre os estudos acadêmicos produzidos ao longo dos três primeiros anos do programa, sete trabalhos envolvem as discussões na mídia sobre o Mais Médicos.
Os críticos do programa abordam, principalmente, cinco aspectos: contrataçãolarga escalaprofissionais estrangeiros (este o mais controverso), quantidadedetrimento da qualidade, infraestrutura precária das unidadessaúde e expansão desenfreadacursos e residênciasmedicina. O último era político: era uma estratégia eleitoreira?
"É necessário destacar que as visões apresentadas pelas entidades médicas, como o Conselho FederalMedicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (ABM), são distintas dos posicionamentosoutras instituições, como o Centro BrasileiroEstudoSaúde (Cebes) e a Associação BrasileiraSaúde Coletiva (Abrasco)", afirma o levantamento, ao mostrar que não há consenso entre as entidadesclasse.
Foram identificados também nos estudos ligação entre o discurso negativo acerca do programa e críticas políticas ao PT, alémuma forte visão corporativa, principalmente nos editoriais publicados pelo Conselho FederalMedicina.
Produzido por cinco pesquisadores da UFBA, um trabalho publicadomeados deste ano na revista SaúdeDebate, do Cebes, identificou ainda o papel duplo exercido pelos veículoscomunicação.
"A mídia atua, simultaneamente, como espaçoreverberação do debate político e, também, como um ator político que influi na opinião pública acerca do programa." Dando, por exemplo, pouca ou nenhuma voz ao usuário do sistema públicosaúde e ao médico que não fosse por meioentidadeclasse.
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