Caminho da bala: como munição desviada da PMbet535SP foi usadabet535crime no Rio e contra a própria políciabet535tiroteio:bet535

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O assalto da motobet535Guaianases

O entregadorbet535pizzas Geovane dos Santos,bet53518 anos, foi apontado pela polícia como o ladrão que roubou a moto do pedreiro Antoniobet535Oliveira. Uma hora depois do crime, o motoboy foi morto por dois militares com quatro tiros - três deles na barriga. Ele estava com a moto roubadabet535uma ruabet535terrabet535uma favelabet535Guaianases, bairro periférico da zona leste paulistana.

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O inquérito criminal diz que ele levou a moto do pedreiro, encontrou dois PMs pelo caminho, tentou fugir e atirou duas vezes nos agentes, mas não conseguiu feri-los. Os policiais reagiram e o mataram. O pedreiro reconheceu o jovem momentos depois, por meiobet535fotos, na delegacia. "Era ele mesmo. Lembro da roupa que ele usava quando me assaltou", diz Oliveira à BBC News Brasil, quatro anos depois.

O grande mistério dessa história é como o motoboybet53518 anos teria conseguido os projéteis que pertencem à Polícia Militarbet535São Paulo. Laudos apontaram que as duas cápsulas usadas por ele para atirar nos policiais eram dos lotes AFZ-44 e BQZ-91, ambos comprados pela corporação paulista.

O mistério intrigou o delegado Maurício José Mendes Resende, responsável pelo caso. Em 27bet535janeirobet5352016, ele questionou a Corregedoria da PM,bet535ofício: "Solicito, com a brevidade possível, se consta eventual registrobet535desvio, furto ou roubobet535munição calibre 38 pertencente ao lote BQZ-91".

A instituição demorou quase nove meses para responder que não tinha informações sobre desvios. "Consoante ao que nos foi informado, o controlebet535distribuiçãobet535munições por lote só foi iniciado a partir do anobet5352010", escreveu.

O lote BQZ-91 tinha 3,9 milhõesbet535unidades.

Controlebet535munição é falho?

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Legenda da foto, As cápsulas das balas supostamente usadas por Geovane. Ambas pertenciam aos lotes AFZ-44 e BQZ-91, ambos comprados pela Polícia Militarbet535São Paulo.

Para Bruno Langeani, gerente e pesquisadorbet535segurança pública do Instituto Sou da Paz, a faltabet535controle e atébet535conhecimento das forçasbet535segurança sobrebet535própria munição são fatos "muito graves". "As polícias precisam saber para onde foi cada lotebet535munição, porque assim as investigações ficam muito mais afuniladas. Você consegue saber que a munição 'x' foi para batalhão 'y'. Se ela for desviada, será mais fácil descobrir onde ocorreu o desvio", diz.

Quando o lote é maior, com milhõesbet535balas, a tendência é que ele seja distribuído para inúmeras unidades da polícia. Assim, é improvável descobrir onde eventualmente ocorreu um desvio.

Saber o endereço finalbet535uma munição comprada pelo Estado, por exemplo, ajudou a esclarecer o assassinato da juíza Patrícia Acioli, morta por policiais militaresbet5352011, no Riobet535Janeiro. Os projéteis usados no crime haviam sido enviados para um batalhãobet535policiais que estavam sendo julgados por ela. Apenas munição comprada pelo Estado é marcadabet535lotes.

Segundo o promotor Marcelo Oliveira, que por anos atuou na Justiça Militarbet535São Paulo, o controle da munição só começou a ser feito pouco tempo atrás, ainda quebet535maneira lenta. "Digamos que um policial saísse para a rua com 32 projéteis. Se ele participassebet535uma ocorrência e voltasse com 20, dificilmente a polícia saberia o que aconteceu com o restante", explica.

A reportagem encontrou um caso semelhante a esse envolvendo o lote BQZ-91.

Em marçobet5352015, um policial militar foi preso depoisbet535vender acesso ao rádio da PM a bandidos. Quando foi detidobet535seu carro, o agente portava uma arma pessoal com numeração raspada - ela estava carregada com dez projéteis do lote BQZ-91. Ele foi acusado e depois condenado por peculato, pois não poderia utilizar um recurso públicobet535um bem particular. Seus advogados recorreram.

Segundo o promotor Oliveira, grande parte dos casosbet535que policiais são processados pelo Ministério Público envolvem desvios como esse ou a perdabet535armas e munição. "Cada PM tem uma arma (de calibre) .40, com dois cartuchosbet53516 balas cada um. Há casosbet535que o policial alega que perdeu tudo. Ele responde por peculato. Se tiver desviado para bandidos, dificilmente alguém consegue provar o crime. A PM desconta R$ 1.200 do salário pela perda. No mercado negro, uma arma .40 com munição custa R$ 5.000", diz.

Legenda da foto, O entregadorbet535pizzas Geovane dos Santos,bet53518 anos, foi morto pela PMbet535uma rua da favela Etelvina, na zona lestebet535SP

Oliveira atuou na acusação da chacinabet535Osasco, quando 17 pessoas foram mortas. Três policiais militares e um guarda-civil foram condenados. As munições usadas nos crimes foram compradas pela PM, Exército e Polícia Federal - um dos lotes, da PF, também foi utilizado no assassinato da vereadora Marielle.

Quem era o jovem que atirou na PM com balas da própria polícia?

Em uma manhãbet535julho, a BBC News Brasil visitou a casa onde morava o motoboy Geovane dos Santos, o jovem que teria atiradobet535agentesbet535policiais usando balas da própria polícia. A família vivebet535uma ocupação irregular que existe há décadasbet535Guaianases, a 4 quilômetros da favela onde ele morreu.

Santos paroubet535estudar na oitava série do ensino fundamental e fazia bicosbet535pizzarias do bairro. Um dos seus irmãos, um garotobet53515 anos, conta que o sonho do jovem era ter uma moto XRE-300, veículo que ele teria roubado antesbet535morrer. "Era o que o Geovane mais queria na vida. Conseguiu. Andou um pouquinho e morreu", diz.

A matriarca da família, Elizete dos Santos,bet53553 anos, conta que, no diabet535que foi morto, o filho saiubet535casa com quatro amigos que ela não conhecia. "Eles vieram buscá-lo aqui, durante a madrugada. Não posso dizer que ele não fez coisas erradas", diz, segurando uma caixa com os documentos do filho, entre eles, um currículo que o garoto entregavabet535empresas da região. "Se ele roubou alguém, prende o menino, deixa 10 anos na cadeia, dá um cacete nele. Mas não precisa matar. O que eles (PMs) fizeram foi covardia", afirma.

Um laudo pericial relatou que havia indíciosbet535que a arma atribuída a ele (calibre 38, numeração raspada) realizou dois disparos. O caso foi arquivado depoisbet535a Justiça Militar concluir que os policiais agirambet535legítima defesa.

A Secretariabet535Segurança Pública afirma que o episódio foi investigado pelo Departamentobet535Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e enviado à Justiça.

Quando morreu, Geovane dos Santos deixou um filhobet535sete meses, hoje com pouco maisbet535quatro anos.

Forçasbet535segurança ignoram orientação do Exército

A história do lote BQZ-91 começabet5352008, seis anos antes do episódio que vitimou Geovane. Vendido pela CBC à Polícia Militarbet535São Paulo, o BQZ-91 ocupa a décima posição no rankingbet535maiores lotesbet535munição comprados pelas forçasbet535segurança do Brasil desde 2004. Tinha 3,9 milhõesbet535projéteis.

O maior volume da lista tinha 19 milhõesbet535unidades e foi vendido à Marinha.

Em 2004, o Exército, que regula o setor, lançou uma portaria que pede às forçasbet535segurança que comprem munições com apenas 10 mil unidades por lote, no máximo. A regra, que ajudaria a esclarecer crimes pois ficaria mais fácil rastrear possíveis desvios, tem sido ignorada pelas polícias: o Estado continua a comprar um grande volumebet535balasbet535um mesmo lote.

Segundo Antônio Edílio Magalhães Teixeira, procurador do Ministério Público Federal na Paraíba, o resultado da falha na distribuição é que munições das polícias são desviadas e se espalham pelo país sem que ninguém saibabet535onde elas partiram. "Como o Exército não fiscaliza e não cobra lotes menores da CBC, o que a gente tem visto é que a maior parte dos crimes segue sem solução, porque não se consegue rastrearbet535onde as balas saíram", diz.

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Legenda da foto, Portaria do Exército diz que lote devem ter no máximo 10 mil unidades, mas ela nem sempre é seguida

Há alguns meses, Teixeira percebeu que balas usadasbet535um assalto a uma agência dos Correios na cidade Serra Branca (PB) tinham o mesmo númerobet535lote que as do assassinatobet535Marielle Franco, no Rio, e da chacinabet535Osasco,bet535São Paulo. Como os projéteis saíram das mãos da PF e chegaram a criminosos diferentesbet535três Estados é um mistério.

A Secretariabet535Segurança Públicabet535São Paulo afirmou que atualmente compra lotesbet53510 mil unidades e que hoje é possível rastrear os projéteis até o "nível dos batalhões",bet535um "controle rigoroso no armazenamento e distribuição das munições."

Já o Exército disse que está averiguando por que a CBC não vem seguindo a determinaçãobet535vender lotes menores. Também cita a criaçãobet535sistemas para aperfeiçoar a fiscalização e rastreamentobet535munições. Porbet535vez, a CBC afirmou que a portaria do Exército é apenas uma referência e que não há lei que estabeleça a quantidade máximabet535um lote. Diz que segue a legislação e que trabalha junto ao Exército para aperfeiçoar a regulamentação sobre o assunto.

Sargento desviou munição da PM

Depoisbet535sair da fábrica da CBC, o lote investigado pela BBC News Brasil, o BQZ-91, foi enviado a um centrobet535distribuição da PMbet535São Paulo. Esse órgão é encarregadobet535repassar os suprimentos para batalhões e centrosbet535treinamento.

Foibet535um desses locais, a Escolabet535Educação Física da Polícia Militar, onde ocorreu um dos maiores desviosbet535munição conhecidos até hoje. O acusado (e condenado) pelo crime é o ex-sargento Ricardo Tadeubet535Souza Ferraz, que entre 2005 e 2009 foi o responsável por fazer o controlebet535armamento e muniçãobet535treinamentosbet535tiro na escola.

Entre os projéteis furtados por ele estavam 2 mil unidades do lote BQZ-91, calibre 7.62 (usadasbet535fuzil).

O desvio só foi descoberto por acaso. No dia 29bet535julhobet5352009, policiais federais pararam um ônibus na cidadebet535Arujá, na Grande São Paulo,bet535uma operaçãobet535rotina. O veículo tinha o Riobet535Janeiro como destino. Em malasbet535dois casaisbet535passageiros foram encontrados milharesbet535projéteis da PM paulista.

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Legenda da foto, Sargento furtou muniçãobet535centrobet535treinamento

Segundo o processo judicial, um dos membros da quadrilha afirmou conhecer um sargento da PM chamado Ricardo, ex-integrante da Rota (batalhãobet535elite da polícia), cuja esposa se chamava Patrícia. Disse que era esse agente que furtava e repassava as munições para serem vendidas a uma facção criminosa da favela da Rocinha, no Rio. Na agenda telefônicabet535uma das mulheres do bando havia o número da esposa do PM.

Dias depois, a Polícia Civil foi até a casa do sargento Ricardo Tadeubet535Souza Ferraz, pois suas informações pessoais batiam com a denúncia. No local, foram encontrados outros carregamentosbet535munição - exatamente dos mesmos lotes que estavam no ônibus parado pela PF.

O oficial foi presobet535flagrante. Depois, acabou expulso da PM e condenado a oito anosbet535prisão. No julgamento,bet535defesa alegou que a munição encontrada embet535casa era um presentebet535um militar amigo. Também pediu a suspensão do processo porque um laudo do Institutobet535Medicina Social ebet535Criminologiabet535São Paulo (Imesc) apontava que Tadeu é esquizofrênico. Para seu advogado, Luizbet535Vitto, ele deveria ser inimputável.

Por outro lado, a Justiça realizou outro laudo médico que afirmou o contrário: Ricardo fingia ser esquizofrênico, diz o documento.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, mas o ministro Marco Aurélio Mello rejeitou os pedidos da defesa. Em julho do ano passado, a Justiça pediu abet535prisão preventiva - o agente está foragido desde então.

A BBC News Brasil procurou a família do ex-policial, mas os parentes não quiseram comentar.

Briga entre facções com munição da PMbet535SP

Não é possível saber se a quadrilha desviou mais projéteis da PM paulista para facções criminosas do Rio. O processo se refere apenas aos carregamentos encontrados pela PFbet5352009.

No entanto, coincidência ou não, dois assassinatos na cidadebet535São Gonçalo, no Rio, foram cometidos com balas do lote investigado pela BBC News Brasil e desviado pelo ex-sargento Ricardo Tadeubet535Souza Ferraz, o BQZ-91.

Por volta das 13h30 do dia 26bet535julhobet5352015, os jovens Wallace Mendes e Matheus da Silva Carvalho foram mortos na rua Expedicionário Joaquim Onilo Borges, bairro Pacheco,bet535São Gonçalo. Um dos rapazes levou 21 tiros e o outro, 26. Além do BQZ-91, outra boa parte das balas também foi comprada pela PMbet535São Paulo - há outra parcela da PF.

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Legenda da foto, Munição coletada na cena do crimebet535São Gonçalo. As balas vinham do mesmo lote que havia sido desviado da PM

A Promotoria apontou como motivo dos homicídios uma briga entre as facções Comando Vermelho e Amigos dos Amigos, que dominam o tráficobet535drogasbet535favelas do Rio. Dois homens - um deles, menorbet535idade - foram presos sob a acusaçãobet535serem os assassinos, mas outras pessoas teriam participado do crime.

Segundo a denúncia da Promotoria, Cleyton Passos Gomes, o Cleytinho, decidiu assaltar uma mercearia junto a comparsas da Amigos dos Amigos. Durante o roubo, o grupo reconheceu Mendes e Carvalho dentro do estabelecimento. As vítimas seriam membros do Comando Vermelho, facção rival que comandava o morro vizinho, da Chatuba. Foram fuzilados.

As investigações apontam ainda para o motivo do crime: Mendes teria composto um funk que desagradou aos traficantes do bairro vizinho.

Cleyton foi condenado pelos assassinatos. A reportagem procuroubet535defesa várias vezes nos últimos dois meses, mas os advogados não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.

Não se sabe como os assassinos conseguiram a munição comprada pela PMbet535São Paulo.

'Estado armando criminosos'

Não é possível saber exatamente quantas vezes as balas do lote BQZ-91 foram usadas por criminosos. Depoisbet535repassadas ao batalhões da PM, suas 3,8 milhõesbet535balas praticamente saíram do radar.

Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, a trajetória do lote BQZ-91 é um exemplo da faltabet535controle da munição comprada pelo Estado. "As polícias precisam enxergar que armas e munições são objetos valiosos que geram interesse na criminalidade. É preciso ter um controlebet535mais qualidade para evitar que esse armamento esteja no dia seguinte dando tirobet535policial."

Um relatório do escritório da ONU para Paz, Desarmamento e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, divulgado recentemente, recomendou que toda a munição brasileira "seja devidamente marcada e gravada", mesmo aquela vendida a civis. Também orientou que a norma do Exército sobre lotes menores seja cumprida.

Já o procurador Antônio Edílio Magalhães Teixeira, do MPF, analisa as consequências da faltabet535controle da munição brasileira. "Se continuarmos essa prática, o Estado brasileiro continuará gastando dinheiro público para armar gruposbet535criminosos", diz.