Com crise e cortes na ciência, jovens doutores encaram o desemprego: 'Título não paga aluguel':izzy slot

Ilustração mostrando cientista na filaizzy slotemprego

Crédito, Cecilia Tombesi/BBC News

Legenda da foto, Jovens doutoresizzy slotdiversas áreasizzy slotatuação estão enfrentando dificuldades no mercadoizzy slottrabalho

O problema é que o principal destinoizzy slotdoutores, a área da educação – 74,5% dos empregados estão nas universidades ou institutosizzy slotpesquisa – sentiu os efeitos da crise econômica no país.

O orçamento do Ministério da Educação (MEC) sofreu cortesizzy slotR$ 7,7 bilhõesizzy slot2015 eizzy slotR$ 10,7 bilhõesizzy slot2016, segundo dados da própria pasta. No Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) 44% (R$ 2,5 bilhões) foram congeladosizzy slot2017,izzy slotacordo com números do governo.

A Capes, vinculada ao MEC, perdeu R$ 1 bilhão por ano desde 2015; o Conselho Nacionalizzy slotDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao MCTIC, também perdeu cercaizzy slotR$ 1 bilhão no caixaizzy slot2015 para 2016, o que afeta programasizzy slotpós-doutorado, por exemplo.

Nas instituições particulares, o quadro também é pessimista, com a demissãoizzy slotmilharesizzy slotprofessores - a Estácioizzy slotSá, por exemplo, demitiu 1,2 mil docentesizzy slotdezembroizzy slot2017 – e o trancamentoizzy slotmatrículasizzy slotalunos, que registrou um aumentoizzy slot22,4% entre 2011 e 2015, segundo dados do Instituto Nacionalizzy slotEstudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Novo cenário

Entre 1996 e 2014, o númeroizzy slotprogramasizzy slotpós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) triplicou no país, informa o relatório Mestres e Doutores 2015, o mais recente da série. Elaborado pelo Centroizzy slotGestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o estudo revela que o período também registrou um boom na formaçãoizzy slotmestres (379%) e doutores (486%) no país.

Um novo estudoizzy slotandamento no CGEE revela também a taxaizzy slotempregabilidadeizzy slotdoutores recém-titulados: entre 2009 e 2014, o índice se estabilizouizzy slotcercaizzy slot73%, masizzy slot2016 caiu para 69,3%.

"Historicamente, a taxaizzy slotemprego é mais estável, frutoizzy slotuma política constante, passando por governos variados. Apesarizzy slotter cada vez mais doutores, podemos afirmar que até 2015 eles foram absorvidos pelo mercado, público e privado", diz a coordenadora da pesquisa, Sofia Daher,izzy slot55 anos.

"A queda não é drástica, mas sinaliza uma tendência nova. Houve uma redução considerávelizzy slotconcursos para professores universitários", disse ela à BBC News Brasil.

O pesquisador Ronaldo Ruy,izzy slot36 anos, é um retrato desse novo cenário: está desempregado desde a defesaizzy slotseu doutorado na Universidade Federal do Ceará (UFC),izzy slot2016. "Estou buscando pós-doutorado para não tirar definitivamente os dois pés da ciência", diz ele, que fez cursos no Smithsonian Research Tropical Institute e no Florida Museum of Natural History, nos EUA.

Atualmente dependendo da ajuda financeira da família, Ruy buscará trabalho foraizzy slotsua áreaizzy slotatuação. "O amor pela ciência não as paga contas. No meu caso particular, a situação chegou ao ponto da minha família ter dado prazo para que eu saiaizzy slotcasa e inevitavelmente terei que seguir outro caminho (profissional)", conta.

Ronaldo Ruy

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Ronaldo Ruy diz que tenta o pós-doutorado como formaizzy slotpermanecer na ciência

Foi o que fez Karen Carvalho,izzy slot36 anos, doutoraizzy slotneurociências pela USP.

Após a conclusão da pesquisa no Instituto Butantan,izzy slotnovembro, ela tentou ingressar na indústria farmacêutica, sem sucesso.

"Durante o doutorado, desenvolvi depressão. Uma ironia, pois meu campoizzy slotestudo é estresse e depressão", diz a bióloga, que hoje atua como corretoraizzy slotimóveis.

De acordo com uma investigação com 2 mil estudantesizzy slot26 países, publicada na revista Nature Biotechnologyizzy slotmarço, os pós-graduandos têm seis vezes mais chanceizzy slotsofrer ansiedade e depressão do que a população geral.

Além das pressões do doutorado, Carvalho afirma que a faltaizzy slotperspectiva agravou seu quadro.

"No Brasil, a gente é tratado como 'só estudante' durante a pós. Falta olhar para o cientista como um profissional, muitas vezes muitíssimo qualificado. Você se mata para fazer mestrado e doutorado, e depois pensa: e agora, vou fazer o que com os títulos? Só perdi meu tempo? É uma tristeza, perde-se o brilho olhando para a situação atual da ciência. A gente está no limbo."

Doutores demais?

O biólogo professor da Universidadeizzy slotBrasília (UnB) Marcelo Hermes-Lima,izzy slot53 anos, vem criticando o que vê como uma formação excessivaizzy slotdoutores desde 2008.

"Teve uma inundaçãoizzy slot'cérebros'. É a lei do mercado: se você tem essa 'commodity' demais, desvaloriza-se", afirma.

Para Hermes-Lima, a última década registrou "uma alucinada proliferação"izzy slotcursosizzy slotpós-graduação no país, priorizando quantidade, e não qualidade da formação acadêmica. "Aí chegou o teto - e o teto agora está começando a cair", ilustra.

"A crise econômica empurrou muita gente sem real motivação científica para a universidade. Sem emprego, muita gente buscou refúgio na ciência,izzy slotolho nas bolsas. A crise demorou para chegar na ciência, mas agora chegou", critica.

O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, pensa diferente. "Pararizzy slotinvestir na formação doutoral é um risco. Como um doutor demoraizzy slotregra quatro anos para se titular, uma parada significará que, quando precisarmosizzy slotmais doutores, eles não estarão disponíveis", analisa.

Para ele, a dificuldadeizzy slotmanter o ritmoizzy slotinvestimento para jovens doutores está relacionada "por um lado, à crise econômica; por outro, às prioridades diferentes do novo governo".

Karen Carvalho

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Karen Carvalho, doutoraizzy slotneurociências, hoje trabalha como corretoraizzy slotimóveis

Procurado pela BBC News Brasil, o Ministério da Educação diz não ser "verdade que falte recurso para as universidades". "A expansão das universidades federais trouxe impactos significativos para o orçamento do MEC, que precisam ser compreendidos emizzy slotplenitude", escreve a pasta,izzy slotnota.

Essa expansão, acrescenta, "foi realizada sem planejamento". "O anoizzy slot2014 foi influenciado pelas eleições e por um momento econômicoizzy slotque a gestão anterior não mensurou os efeitos dos gastos exagerados e sem controle. Diversos programas aumentaram recursos fora da realidade, fazendo com que a própria gestão anterior iniciasse as reduções, a partirizzy slot2015", conclui.

De 2003 a 2010, houve um saltoizzy slot45 para 59 universidades federais, o que representa uma ampliaçãoizzy slot31%; eizzy slot148 câmpus para 274 câmpus/unidades, crescimentoizzy slot85%. A expansão também proporcionou uma interiorização – o númeroizzy slotmunicípios atendidos por universidades federais foiizzy slot114 para 272, um crescimentoizzy slot138%, segundo dados do próprio MEC.

Porizzy slotvez, o MCTIC afirma que está atuando junto à equipe econômica para maior disponibilizaçãoizzy slotrecursos. "Em anos anteriores, os esforços do MCTIC para recomposição orçamentária têm dado resultados, com a liberaçãoizzy slotrecursos contingenciados ao longo do ano. No cenárioizzy slotrestrições orçamentárias, o MCTIC mantém ainda permanente diálogo com os gestoresizzy slotsuas entidades vinculadas para que os recursos sejam otimizados, minimizando o impactoizzy slotsuas atividades."

Cartasizzy slotrejeição

Diante da faltaizzy slotoportunidade no mercado, tanto na iniciativa privada quanto nas instituições públicas, muitos jovens doutores apostaram na possibilidadeizzy slotum pós-doutorado, conforme diversos relatos à BBC Brasil. A bolsa mensal do CNPq éizzy slotR$ 4,5 mil.

Diferentemente do mestrado ou doutorado, o pós-doutorado não é um título: é uma especialização ou um estágio para aprimorar o nívelizzy slotexcelênciaizzy slotdeterminada área acadêmica. É visto como um aperfeiçoamento do currículo para processos seletivos para docente nas universidades públicas.

Para a maioria dos candidatos, porém, as expectativas acabaram frustradas.

"A proposta, apesarizzy slotmeritória, não pode ser atendida nesta demanda, considerando-se a disponibilidadeizzy slotrecursos", dizia a resposta-padrão enviada a dezenasizzy slotdoutores recém-titulados que tinham pedido bolsas na modalidade Pós-Doutorado Júnior (PDJ), do CNPq.

Laura Carlette

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, 'Título não paga aluguel', diz Laura Carlette, que estuda o tema

Diante do resultado, divulgadoizzy slotmeadosizzy slotjunho, muitos doutores relataramizzy slotindignação ao serem rejeitadosizzy slotdepoimentoizzy slotgrupoizzy slot6,6 mil pesquisadores brasileiros no Facebook. Sob a condiçãoizzy slotanonimato, um parecerista do CNPq conta que os avaliadores também ficaram frustrados. "Não importa o quanto o projeto é excelente, não há recursos para todo mundo; é infrutífero para a ciência do país".

No início deste ano, dos 2.550 pedidos recebidos pelo CNPq, foram concedidas 363 bolsasizzy slotPDJ. No primeiro calendárioizzy slot2017, foram 2392 pedidos e 359 concessões.

Doutorizzy slotpsiquiatria pela UFRGS, com temporadaizzy slotestudos na Tufts University, nos EUA, o pesquisador Dirson João Stein,izzy slot44 anos, tentou quatro editaisizzy slotpós-doutorado desde abril, diante da faltaizzy slotconcursos na área. Não conseguiu aprovaçãoizzy slotnenhum.

"Vejo como uma oportunidadeizzy slottransição entre a vida estudantil e a vida profissional. Há possibilidadeizzy slotpraticar a docência, um dos principais pré-requisitos para a seleçãoizzy slotprofessores", considera. Assim como Ruy, Stein depende da família e, agora, faz freelancer como garçom para festasizzy slotSão Leopoldo (RS).

Peso emocional

A psicóloga Inara Leão Barbosa,izzy slot60 anos, que pesquisa desemprego desde 2003, destaca que umizzy slotseus efeitos psicossociais é o isolamento dos amigos e da família.

"É um sentimentoizzy slotregressão, um impacto muito violento. Eles, que eram considerados tão inteligentes, passam a ser vistos como vagabundos que não querem trabalhar. Muitos voltam a morar com os pais e são tratados como adolescentes. Eles se culpam como indivíduos, esquecendo que a crise faz parte do sistema", diz Barbosa, professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

Muitos doutores vão parar no subemprego. "E, se você não quiser (o subemprego), no momentoizzy slotcrise tem uma filaizzy slotgente que quer", afirma.

Professor da Universidade Federal do Estado do Rioizzy slotJaneiro (Unirio), o historiador Rodrigo Turin, 38, diz que a academia está sendo pautada por conceitos como "produtividade", "inovação" e "excelência", respondendo a uma lógicaizzy slotmercado.

"Já começaram a aparecer, inclusive, ofertasizzy slotpostos não-remunerados, nos quais esses jovens acadêmicos são induzidos a pesquisar e dar aulas apenas para poder 'engordar' seus currículos e, assim, se tornarem mais competitivos", critica.

Essa "ideologia da excelência" é um dos pontos estudados por Lara Carlette,izzy slot29 anos. Sua tese Universidadesizzy slotclasse mundial e o consenso pela excelência, defendida no Departamentoizzy slotEducação da Universidade Federalizzy slotSanta Catarina (UFSC),izzy slotfevereiro, foi indicada ao Prêmio Capes pela originalidade do trabalho.

Ao propor um desdobramentoizzy slotsua pesquisa para o CNPq, ela recebeu dois pareceres positivos e uma decisão negativa que, ironicamente, indicava faltaizzy slotoriginalidade.

Segundo Carlette, os jovens doutores vivem impasses: por um lado, muitos passam anos na condiçãoizzy slotbolsistasizzy slotdedicação exclusiva (o que proíbe vínculo empregatício, assim limitando a possibilidadeizzy slotexperiência docente); por outro lado, a experiência é cobrada nos concursos.

Na mesma linha, os acadêmicos precisam preservar a originalidadeizzy slotsuas teses (o que limita a publicaçãoizzy slotartigos durante o doutorado), mas a produtividade (o númeroizzy slotpublicações) é cobrada nos processos seletivos e nos editais.

"Pode parecer dramático, mas conviver com isso diariamente é torturante. Saber ler a conjuntura, e não individualizar a faltaizzy slotoportunidades, é essencial", adiciona a pesquisadora, que já foi questionada inclusive pela juventude: foi chamadaizzy slot"novinha" durante um processo seletivo.

"Depois da alegria e do alívioizzy slotdefender uma tese, você está desempregado no dia seguinte. Título não paga aluguel."