Luz, selfies, eleição: a formatura dos 'aprendizes' que prometem renovar política no Brasil:

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Legenda da foto, Bolsistas do RenovaBR concluíram formaçãoBrasília e agora encaram a entregaum trabalhoconclusãocurso e a campanha eleitoral

O financiamento vempessoas físicas e organizações filantrópicas - os nomes dos doadores devem ser divulgados até julho e o montante arrecadado, até o fim do ano.

A etapa final do RenovaBR teve lugarum hotelBrasília. Ali, os bolsistas dividiram quartos e participarampalestrasclimaconferência - câmeras ligadas, cafezinho nos cantos e banners com a hashtag #OBrasilTemJeito. Em atividades externas, também foramônibus fretados conhecer o Congresso Nacional e ouvir palestras com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e os senadores Ana Amélia e Cristovam Buarque.

Maioria estreia nas urnas

Após alguns mesesteoria, a aproximação das eleições,outubro, indica que está chegando a horacolocar o preparo no cursoprática. Mas, antes do registro oficial das candidaturas - previsto para julho e agosto -, as "lideranças" são, ainda, pré-candidatos.

Para 67% dos bolsistas, 2018 será ano da primeira eleição. Outros já participarampleitos, mas nunca assumiram cargos eletivos - uma regra para estar no RenovaBR.

Por ter 21 anos, o estudanteDireito Julio Lins por pouco não conseguiu se candidatar. Essa é a idade mínima, segundo a Constituição, para que uma pessoa possa ser eleita ao cargodeputado estadual - ao qual Lins irá disputar filiado ao Partido da Mobilização Nacional (PMN), pelo Amazonas. Ele é o bolsista mais novo do RenovaBR.

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Legenda da foto, Curso envolveu aulas presenciais e exercícios à distância

O universitário relata, com orgulho, ter organizado a primeira manifestação, "pela defesa da educação", aos 15 anos, e ter dado os primeiros passos políticos no movimento estudantil. Também diz ter liderado,seu Estado, protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff - que foi retirada do cargo2016.

Apesar do seu passado - e, a depender das urnas,seu futuro -, Lins diz que ambiciona ser diplomata e escritor, mas que vê a política como um passo importante.

"A política me tirou muito, mas não vou mentir que ela é a minha paixão", diz o jovem. "Não quero isso (a política como carreira) para a vida toda, na verdade enxergo tudo isso como uma contribuição que quero deixar".

Mas Lins diz não ter como objetivo, necessariamente, ganhar a eleição.

"Quando a gente coloca a vitória como objetivo, acho que ficamos mais sujeitos a alguns erros da velha política. Quero pautar as eleições com os meus princípios" diz o pré-candidato, que se define como "libertário" e foi porta-voz do movimento Vem pra Rua entre 2015 e 2016.

Também pré-candidataprimeira viagem, a arquiteta Juliana Sales, 27 anos, teve os contatos iniciais com a política trabalhandosetoresurbanismo no Executivo e LegislativoMinas Gerais, onde agora quer ocupar uma cadeira como deputada estadual pelo Partido Humanista da Solidariedade (PHS). Apesar da filiação, ela diz ter acordado com o partido se portar como um quadro independente, uma vez que a legislação não permite as chamadas candidaturas avulsas (sem filiação partidária).

"Eu via que dava para fazer diferente, com menos recursos e mais eficiência... No Executivo, principalmente, eu via que a distribuiçãocargos com perfis políticos, e não técnicos, inviabilizavam um projeto importante", lembra Sales, que ainda não sabe se quer concorrer a outras eleições no futuro.

A arquiteta investe desde 2016vídeos nas redes sociais com motes como "De onde veio essa tal Política? E esse ser chamado Político?" e "Você sabe o que é Reforma Política?". Ela, como talvez a totalidade das "lideranças" do RenovaBR, contará com uma plataformacrowdfunding para seu financiamento e com as mídias sociais para divulgação - as atividades do programaBrasília eram rotineiramente registradas pelos futuros candidatosselfies e transmissões ao vivo nas redes.

Nas aulas e nas conversascorredor, parece consenso entre os bolsistas contar com pouco ou nenhum acesso aos fundos eleitoral e partidário dentrosuas siglas - isso ficará a cargocada partido.

"O desafioum cidadão comum entrar na política é muito grande. Os caras têm toda uma estrutura, e a gente está entrando com a nossa vontade e valores para concorrer com esses caras", diz Sales, que conta por enquanto com uma equipevoluntários.

'Zerar a pedra'

Legenda da foto, Cerimôniaencerramento do RenovaBRBrasília teve lágrimas e discursos

Como Lins e Sales, 44% dos participantes do RenovaBR pretendem se candidatar ao cargodeputado estadual; 49% visam ser deputados federais. Alguns pensam mais alto: três querem ser senador e um, governador.

Após abril, prazo para filiação partidária, também ficou mais claro o quadrodivisões ideológicas da turma - que se dividiu22 siglas, mas concentrou-sequatro partidos: Rede (19%); Novo (12%); PPS (12%); e PSB (10%). Partidos que ocuparam o Planalto nas gestões mais recentes tiveram menor adesão: PSDB (7%), MDB (1%) e PT (0).

Há participantestodos os Estados. Segundo a organização do programa, 76% são homens e 24% mulheres; 67% são brancos e 33% pretos, pardos e indígenas. Em nívelescolaridade, um tem o ensino fundamental completo; 15% concluíram o ensino médio; 68% o ensino superior; e outros 14% fizeram pós-graduação.

Formadoadministração, o empresário Vinícius Poit,32 anos, quer usarexperiência profissional para pensarseus próximos passos na política - ele pretende concorrer a deputado federal pelo partido Novo.

"Montei um 'business' ('negócio',tradução livre)'turn around',reestruturaçãoempresas,pegar uma empresa quebrada e arrumar. Brinco que agora a empresa quebrada é o Brasil", diz o paulista.

Ele diz que cresceuuma família imbuída da "cultura da meritocracia" e, por ter chegado a um pontoque diz já ter construído um "legado" como empresário, vê na política não uma carreira - mas uma missão.

"Meu sonho na política élongo prazo, no sentidoservir ao povo", diz, defendendo o Estado mínimo e citando Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra britânica, como "musa".

Ele, como também é orientação do Novo, é contrário à existência dos fundos eleitoral e partidário.

"'Zera a pedra', como a gente fala no mercadotrabalho. Vai acabar um montepartido e a gente vai renovar. Vão nascer outros partidos,quem acredita."

Eleição e ego

Na rota da preparação para a incursão pela política, as "novas lideranças" foram alertadasarmadilhas da empreitada.

Empalestra, o ex-vereador por São Paulo e especialistasustentabilidade empresarial Ricardo Young fez uma recomendação "de coração": "Estabeleçam uma portasaída da política".

"Dois mandatos é o máximo na mesma função. Com pouquíssimas exceções, fazer política como carreira é se mediocrizar".

"O processo eleitoral é um processoreafirmação do ego. Comecem a perceber se vocês não estão se olhando mais no espelho do que deveriam, ou se estão fazendo mais selfies do que antes".

Legenda da foto, Palestra com especialistadireito eleitoral tratouquestões práticas como a aberturaCNPJscampanha e emissãorecibos eleitorais

A advogada Carla Karpstein, porvez, especialistadireito eleitoral, cuidou dos preparos mais práticos e respondeu a perguntas sobre como abrir contas eleitorais e CNPJscampanha, emitir recibos eleitorais, ou definir se distribuir cartõesvisita ou abrir um site na pré-campanha configuram irregularidade.

Alémprofessores convidados, o RenovaBR conta com uma equipe fixaquatro "professores assistentes". Eles estruturam o currículo do curso, criam exercícios preparatórios e posteriores aos módulos e dão aulas. Também avaliarão os trabalhosconclusãocurso (TCC) a serem entregues pelos bolsistas.

Entre os deveres que tiveramser feitos pelas "lideranças" esteve um teste"resiliência ética", desenvolvido por uma startup especializada na prevençãofraudes e assédioorganizações. O método inclui questões opinativas - envolvendo situações simuladassuborno e informações confidenciais, por exemplo -, análise"microexpressões" dos participantes e a avaliaçãoum especialista.

Segundo o administrador público Rodrigo Cobra, um dos professores assistentes, membros da equipe do RenovaBR foram aos Estados Unidos durante o preparo do programa, visitando cursosformaçãocandidatos da Universidade George Washington e na UniversidadeVirgínia.

Os professores assistentes também se dividem com mentores das "lideranças" - acompanhando por telefone a rotina e o desenvolvimento dos bolsistas no curso.

"Acabamos fazendo um pouco o papelpsicólogos deles. Para a maioria, é a primeira eleição: é um desafio que gera medoenfrentar a hegemonia política. Mas, ao longo do tempo, vemos que a técnica dá força para vencer esse desafio", diz Cobra.

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Legenda da foto, O RenovaBR foi idealizado pelo empresário Eduardo Mufarej e tem como entusiastas o apresentadorTV Luciano Huck.

Ex-ministro na salaaula

O espírito da busca por "renovação" também esteve presente na presença, entre os "formandos",um ex-ministro que pediu demissão e se viuuma encruzilhada após um dos episódios marcantes do início do governo Michel Temer.

É o diplomata Marcelo Calero, que era ministro da Cultura,2016, quando deixou o cargo após relatar pressão do então ministro da SecretariaGoverno, Geddel Vieira Lima, eTemer para a liberaçãouma obraSalvador - embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Agora, ele é pré-candidato a deputado federal pelo Partido Popular Socialista (PPS) e diz tirar, do RenovaBR, o aprendizado sobre como planejar uma campanha eleitoral exitosa.

"Fui confrontado com o que hápior na política brasileira, que é a corrupção. Diante daquela situação, eu tinha dois caminhos: ou ia tocar a minha vida, ou seria um agentemudanças. Eu decidi ser um agentemudanças e me aproximeimovimentos cívicos", diz Calero, vinculado a outros movimentos que pregam a renovação política como a RedeAção Política pela Sustentabilidade (RAPS), o Agora e o Livres (com origem no Partido Social Liberal, o PSL).

"A impressão que a gente tem é que esses figurões não se intimidam. Os mesmos esquemas continuam acontecendo. Veja o que aconteceu comigo no caso Geddel. Lembro que, na medidaque ele e o Temer avançavam na pressão, eu via os jornais falando sobre o caso Odebrecht e me perguntava: 'Não é possível, eles estão lendo o mesmo jornal que eu tô lendo?'. Brasília é uma ilha da fantasia, isso aqui é uma corte", diz o diplomata, justificandoincursão na política com uma referência a Santo Inácio, que segundo Calero dizia que "pior do que o arrogante é que aquele que não coloca seus dons a serviço da comunidade".

"O episódio que o Calero protagonizou é tipicamente o episódioque não tem espaço para gente totalmente decente e honesta no Brasil", disse o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que também falou aos bolsistas do RenovaBRBrasília.

Legenda da foto, Em fala aos bolsistas do RenovaBR, Barroso criticou presidencialismo e defendeu novas medidas para uma reforma política

Barroso também defendeu a reforma política, segundo ele uma "agenda inacabada no Brasil". O ministro criticou o presidencialismo - uma "usinaproblemas" - e foi aplaudido quando defendeu o sistema distrital misto.

"Hoje, os eleitores15 dias já não lembram maisquem votaram nas eleições proporcionais. Se eu fizesse essa pergunta aqui, diria que 90% não lembram. E sendo absolutamente sincero, "yo tampoco" ("eu também não",tradução livre do espanhol). A cidadania não consegue acompanharrepresentação política."

Neutralidade ideológica?

Eduardo Mufarej, que é presidente do ConselhoAdministração da empresa Somos Educação e sócio da Tarpon Investimentos e um dos idealizadores da iniciativa, admite que o RenovaBR se posicionaquestões pontuais,pautas que tenham ligação direta com o tema da renovação política. Mas nega haver alguma filiação ideológica do programa.

"A gente não quer ancorar ninguémnenhum partido, é uma decisão da pessoa. É um programa focado nos CPFs", diz ele.

Por outro lado, alguns dos primeiros candidatos "formados" pelo Renova BR sinalizam que a iniciativa não escapa da percepçãoque poderia estar ligada a interessesdeterminados grupos.

O servidor público e pré-candidato a deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) Derson Maia conta ser frequentemente interpelado sobre a influência do empresariado no programa por estudantes. Maia vemuma trajetória no movimento estudantil e defende pautas das periferias e do movimento negro - até por isso, diz planejar arrecadar fundoseventos que se relacionam culturalmente com estas origens, como sambas e feijoadas.

"Tento explicar que é importante ouvir, ocupar esse espaço, sentar com pessoas que são tão diferentesmim", diz o pré-candidato, também presidente do movimento Frente Favela Brasil. "A gente fica com o radar para não reproduzir velhas práticas da política. Na verdade, todo mundo tem o seu posicionamento e sabemos que ele não vai mudar, masalgumas questões mínimas, conseguimos compor. Por exemplo, transparência: quem aqui vai ser contra a transparência? Isso não tem direita nem esquerda".

Próximos passos

Legenda da foto, Pré-candidatos e bolsistas do RenovaBR investem na divulgação via redes sociais

O clima entre os bolsistas era amigável, incluindo brincadeiras - até mesmo implicâncias ideológicas.

"Lula livre!", brincou uma "liderança" no intervalouma das palestras.

"Lula livre daqui a 12 anos", retrucou outro bolsista, fazendo referência ao tempoprisão ao qual o ex-presidente foi condenado.

Como nos rituais das escolasque os alunos escrevem mensagens nos uniformes nos últimos diasaula, também circulouBrasília uma bandeira do Brasilque os "aprendizespolítico" escreveram mensagens como "Coragem", "Um futuro melhor" e "Muita luz".

No encerramento do curso da Praça dos Três Poderes, durante o pôr do sol, muitas "lideranças" deixavam uma lágrima ou outra escorrer enquanto a equipe do RenovaBR fazia agradecimentos e discursos.

De acordo com Mufarej, foi a conclusãouma iniciativa que ainda dá os primeiros passos. Os próximos devem incluir uma nova turma do cursoformação2019 e um preparo para aqueles que forem eleitos neste ano.

"Congressistaprimeiro mandato normalmente fica meio perdido, até tem casodepressão. Chegam com uma vontademudar o mundo e têm um choquerealidade", diz o empresário.

O RenovaBR também planeja dar assistência a quem não for eleito2018.

"Tem que ter uma gestãoexpectativa, porque é muito difícil. Vamos imaginar uma pessoa que vai e volta falando 'nunca mais quero isso'. O Brasil perdeu", diz.