Espancamentos, banhoaposta siterepresa gelada e fezes no carro: os castigos a policiaisaposta siteelite no Brasil:aposta site

Policial ferido após treinamento
Legenda da foto, Alémaposta sitereceber treinamentoaposta siteguerra nas academiasaposta sitepolícia brasileiras, agentes são alvosaposta site'trotes' e agressões

A BBC News Brasil entrevistou maisaposta site20 policiais militares, civis e bombeirosaposta sitediversas patentes diferentes, e todos confirmaram a existência desses castigos. A maior parte conta que já sofreu algum tipoaposta sitepunição física na corporação. Alguns, porém, concordam com a existência desse código paralelo.

Policiais durante protesto

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Legenda da foto, Policiais da Tropaaposta siteChoqueaposta siteSão Paulo são obrigados a tomam banho gelado e trabalhar molhados quando cometem erros

Castigos físicos e psicológicos

Em parte das tropasaposta siteeliteaposta siteSão Paulo, como o Choque, as Rondas Ostensivas com Apoioaposta siteMotocicletas (Rocam) e as Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), policiais são punidos até mesmo por se apoiarem numa parede após horasaposta sitetrabalhoaposta sitepé,aposta siteacordo com agentes ouvidos pela reportagem. Também não é permitido que eles busquem abrigo ou usem alguma capaaposta sitecasoaposta sitechuva.

Em alguns setores, há ainda os castigos psicológicos - menos comuns entre os policiaisaposta siteelite. Segundo o relatoaposta siteum agente penitenciário, há situaçõesaposta siteque cãesaposta siterua são colocados dentro dos carrosaposta sitefuncionários que cometeram erros. Presos, os animais urinam, defecam e arranham o interior do veículo.

Além das punições por erros cometidos durante o trabalho, há ainda relatosaposta siteabusos nas academiasaposta siteformaçãoaposta sitepoliciais, enquanto os aspirantes à profissão estão se preparando para exercê-la.

Nesta semana, por exemplo, um soldado da Rotam (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas)aposta siteGoiás teve um brasãoaposta sitemetal cravado no peito após concluir o curso preparatório e se formar no batalhão especial. Procurada, a Secretaria da Segurança Públicaaposta siteGoiás não comentou o caso até a publicação desta reportagem.

A Secretaria da Segurança Públicaaposta siteSão Paulo, responsável pela maior parte dos casos ouvidos pela BBC News Brasil para esta reportagem, afirmou que "não admite castigosaposta sitequaisquer naturezas, especialmente os físicos", e que "em eventuais casos, a Corregedoria apura com o máximo rigor e, caso sejam comprovadas irregularidades, os envolvidos respondem a processo administrativo disciplinar e penal, que podem levar a punições ou até mesmo à demissão".

Questionada por maisaposta siteuma semana, a Secretaria da Segurança Públicaaposta siteSão Paulo não informou quantas denúncias com esse teor foram recebidas nos últimos anos ou quantos policiais foram punidos por permitir ou participar dessas agressões. A pasta também disse que não seria possível entrevistar o coronel corregedor da Polícia Militar, Marcelino Fernandes, por problemasaposta siteagenda.

O ouvidor das políciasaposta siteSão Paulo, Benedito Domingos Mariano, afirmou que o órgão recebeu duas denúnciasaposta sitepoliciais que sofreram trotes agressivos e castigos com banho gelado nos últimos dois anos. Ambasaposta siteSão José dos Campos, no interior do Estado.

"Eles disseram ser obrigados a tomar banho geladoaposta sitemanhã, vestir a farda molhada e depois trabalhar. Elas (as denúncias) foram encaminhadas à Corregedoria da PM, que ouviu o comandoaposta sitepoliciamento da região, que negou tudo. Nós arquivamos como denúncia não confirmada pelos órgãos apoiadores", disse.

O ouvidor afirmou ser contra essas agressões e que, a partir dos relatos feitos pela reportagem, vai tratar sobre o assunto com o corregedor.

Ele falou sobre a importânciaaposta siteos policiais denunciarem os abusos, mas pondera que eles sentem medo.

"Eles têm receioaposta sitesofrer represálias dentroaposta sitesuas unidades eaposta siteficarem marcados por fazer esse tipoaposta sitedenúncia. Agora, se há maisaposta site20 casos desse tipo como você ouviu, deixaaposta siteser uma questão pontual para ser uma questão geral e que deve ser discutida com o corregedor."

Pena alternativa

De acordo com policiais militares ouvidos pela reportagem, os castigos funcionam como uma espécieaposta sitepena alternativa ao código internoaposta siteconduta ética da corporação.

Tais práticas, na opinião deles, viraram um costume irreversível dentro da corporação, uma vez que o policial prefere optar por uma punição física a responder a um processo formal.

Um dos motivos é que, por mais simples que seja, um processo formal pode causar um grande impacto na carreira do policial, já que todas as punições são marcadas no registro funcional – documento que os acompanha durante toda a trajetória militar. No casoaposta siteuma futura promoção ou mudançaaposta sitelocalaposta sitetrabalho, esses pontos são decisivos.

Policiais da Tropaaposta siteChoque com escudos

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Legenda da foto, Policiais relatam que preferem sofrer castigos físicos a responder oficialmente por pequenos erros

Um comandanteaposta sitebatalhão explica: "Se o policial trabalhaaposta siteSão Miguel Paulista ou no Grajaú (regiões do extremo leste e sulaposta siteSão Paulo, respectivamente) e quer ir para uma área nobre como Perdizes ou Higienópolis, ele precisa ter uma pontuação alta. Se ele responder oficialmente por pequenos erros e perder pontos por bobagens, isso vai dificultar muito a vida dele".

Segundo os agentes, o policial que recebe constantes punições pode sofrer penas tidas como graves, como perder o direitoaposta sitelevar a arma consigo durante a folga, por exemplo. Alémaposta siteprejudicar a segurança pessoal do agente público, a restrição afetaria o moral do policial, acostumado a portar uma pistola mesmo fora do expediente.

Reflexo nas ruas

Os policiais ouvidos pela reportagem contam que os castigos físicos se tornam parte do cotidiano desde as academias.

Estudantes da Academiaaposta sitePolícia do Barro Brancoaposta siteSão Paulo relatam que há uma grande pressão psicológica para que o aluno desistaaposta sitese formar durante os três anosaposta sitecurso.

Uma aluna afirmou que algumas falhas, como deixaraposta sitebater continência a um oficial, deixaraposta siteengraxar o coturno ou não passar a roupa corretamente pode levar a penas graves, como detenção durante um fimaposta sitesemana – o único períodoaposta siteque os estudantes podem voltar para casa.

Esse tipoaposta siteprática é aprovada por parte dos oficiais. Um deles, que já comandou um pelotãoaposta siteForça Tática na zona sulaposta siteSão Paulo, defende as penas físicas, por exemplo.

"Quando eu estive à frenteaposta siteum pelotãoaposta siteForça Tática, eu sabia que isso acontecia e tinha consciênciaaposta siteque era algo para o crescimento do policial. E acho estranho que isso cause sofrimento porque ninguém é obrigado a passar por isso. O banho é uma escolha do próprio policial e quase um gracejo para ele não sofrer as punições formais", disse um policial militar que hoje atua na zona oesteaposta siteSão Paulo e pediu para não ser identificado.

Na visão dele, o banho é um reconhecimento do próprio policialaposta siteque ele cometeu um erro que poderia ter colocadoaposta siterisco a vidaaposta siteseus companheiros. Ele diz que o castigo serve como reflexão. Mesmoaposta siteum postoaposta sitecomando, ele mesmo relata que já "pagou banho" na frente dos outros policiais.

"Certa vez, eu erreiaposta siteum treinamento e nem precisei falar nada, fui direto para a cachoeira. Não é nenhum demérito, mesmo sendo comandanteaposta sitepelotão ouaposta sitecompanhia. Se isso for usado para o crescimento, eu acho viável e enaltecedor. Mas se for usado para diminuir e humilhar, não. O cara paga banho e mostra para toda a equipe que tinha consciência da falha e que não faráaposta sitenovo", relata.

Por outro lado, Elisandro Lotin, presidente da Associação Nacional dos Praças (Anaspra) e membro do Conselho do Fórum Brasileiroaposta siteSegurança Pública, classifica essas técnicas como uma herança do regime militar.

Marcos do Val

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Legenda da foto, Instrutoraposta sitetécnicas policiais da SWAT diz que técnicasaposta sitetreinamento com agressão só devem ser usadasaposta sitecasoaposta siteguerra

"É uma lógicaaposta sitesubmissão, humilhação e tortura que não faz sentido. Se você treinar um policialaposta siteforma bruta, é claro que ele vai externar issoaposta sitealguém. Como você quer que os policiais respeitem os direitos humanos se eles não têm os direitos humanos deles respeitados?", questiona.

Segundo ele, que também é especialistaaposta siteciências criminais, algumas polícias treinam novos soldados com tapas no rosto e fazem racionamentoaposta sitecomida. Em alguns casos, PMs são obrigados a raspar a cabeça e comer um alimento militar conhecido como catanho – uma refeição instantânea com farinhaaposta sitemandioca, pedaçosaposta sitepão e carne armazenadaaposta siteum saco plástico.

Policiais militares entrevistados pela BBC News Brasil questionaram a atuaçãoaposta siteinstituiçõesaposta sitedefesa dos direitos humanos para coibir as agressões dentro dos batalhões e academiasaposta siteelite do país.

Membro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos e conselheiro do Condepe (Conselho Estadualaposta siteDireitos da Pessoa Humana), Arielaposta siteCastro Alves disse que o órgão precisa receber os relatos para ter um pontoaposta sitepartida para denunciá-los.

"Nosso papel é denunciar violaçõesaposta sitedireitos humanosaposta sitequalquer situação. Nós fazemos visitasaposta sitepresídios e batalhões com baseaposta siterelatos, mesmo que sejam anônimos. O problema é que nesses setores militares eles conseguem descobrir quem as fez e isso acaba inibindo os policiais", afirmou.

Alves defende que a desmilitarização das polícias brasileiras "acabaria com o ambienteaposta sitebrutalidade e opressão nos batalhões".

Ele afirma que os casosaposta siteagressões são comuns e que há três anos denunciou um casoaposta siterecrutas que eram obrigados a fazer flexões no asfalto quente.

Na época, os alunos da Escolaaposta siteFormaçãoaposta siteSoldadosaposta siteRegistro, no interioraposta siteSão Paulo, sofreram queimaduras graves nas palmas das mãos – as bolhas causadas pelos exercícios deixaram as mãos delesaposta sitecarne viva.

Como policiais são treinadosaposta siteoutros países?

Instrutoraposta sitecursosaposta sitetreinamento policial para instituições como a Swat (unidadeaposta sitepolícia especializada dos EUA) há 18 anos, Marcos do Val diz que os treinamentos e punições físicas e psicológicas só devem ser usados para preparar soldados para guerras.

"O aprendizado por meio da violência foi desenvolvido nas duas guerras mundiais porque é o modo mais fácilaposta sitetreinar o maior número possívelaposta sitepessoasaposta sitepouco tempo. Isso porque a absorção é mais rápida quando há dor. Na guerra, o soldado também vive outra realidade, onde ele vai passar fome, sede e pode até ser um prisioneiroaposta siteguerra. Um policial não precisa disso", explica.

Do Val, que não integra a força policialaposta sitetáticas especiais americana, afirma que os castigos físicos e psicológicos são vistos como ultrapassados tanto nos Estados Unidos quantoaposta siteoutros países da Europa onde ele dá palestrasaposta sitesegurança, como França, Portugal e Itália. Segundo avalia, as técnicas com uso da violência estão com os dias contados também no Brasil.

Ele explica que o tempoaposta sitetreinamento dos policiais deve ser usado para desenvolver a tática, citando como exemplo os policiais americanos, que fazem treinos físicos e técnicosaposta siteforma intercalada, como corrida, tiro, flexões e análiseaposta sitecenáriosaposta sitecrimes.

Marcos do Val afirma que, nos EUA, cada policial recebe uma avaliação individualaposta sitecada exercício. A intenção é conciliar os treinos físicos e técnicos e apontar quais pontos podem melhorar. Nenhuma punição física é tolerada.

"A formação policial no Brasil viveu um retrocesso gigantesco depois do lançamento do filme Tropaaposta siteElite, que fortaleceu a culturaaposta sitecomer no chão e levar tapa na cara."

"Pode demorar dez ou cem anos, mas isso vai acabar porque é uma técnica que não evolui e não deve mais ter espaço. Falo inclusive para meus alunos anteciparem isso e as polícias federal e civil já estão seguindo bem esse caminho", afirma.