'Negro não tem que falar só sobre raça', defende professora:wild wild riches blaze

Katemari Rosa

Crédito, Divulgação/Instituto Unibanco

Legenda da foto, 'É preciso ver pessoas negras falandowild wild riches blazetudo, matemática, português, direito, ciência, físicawild wild riches blazepartículas', diz Katemari Rosa

Katemari se incomodou com a pergunta da moça, mas acabou não respondendo. Era como se uma mulher negra não pudesse fazer o que ela fazia. "Física? Não é um espaço pra mim, o negro pensa. Várias vezes me confundiram", conta.

Ao longo da vida acadêmica, o incômodo apareceu outras vezes, como num diawild wild riches blazeque estava sentada sozinha na mesawild wild riches blazesua sala, com seu nome escrito na porta. Uma moça entrou e pediu para chamar a professora Katemari. "De novo, mesmo meu nome estando na porta, foi difícil ela acreditar que a professora era eu."

Projeto Elas nas Exatas

Crédito, Divulgação/Instituto Unibanco

Legenda da foto, Professora fez parte do projeto Elas nas Exatas e outras iniciativaswild wild riches blazefomento da ciência

O desconforto fez com que Katemari se dedicasse a pesquisar trajetórias e vivênciaswild wild riches blazepesquisadoras negras. "Fui procurar uma especialistawild wild riches blazegênero aqui no Brasil e ela me perguntou: 'Mas por que estudar isso? Por que não só mulheres? Mulheres negras são um tema muito complicado, você não vai conseguir.' Ela me disse que eram categorias diferentes, que eu não podia analisar isso."

Sua tesewild wild riches blazedoutorado, defendida nos EUA, é sobre mulheres negras na física. Uma das dificuldades à época, relembra, foi obter dados sobre raça das cientistas brasileiras, o que a levou a focar a pesquisa nas americanas. Sówild wild riches blaze2013 o CNPq (Conselho Nacionalwild wild riches blazeDesenvolvimento Científico e Tecnológico) passou a indagar aos pesquisadores brasileiros sobre cor ou raça.

"Lembro que houve grande crítica por pedirem esse dado. E era algo interno, não um dado público, então, era difícil saber", afirma.

Bancowild wild riches blazedadoswild wild riches blazecientistas negros

Especialistawild wild riches blazeensinowild wild riches blazefísica e filosofia das ciências, Katemari incorporouwild wild riches blazevez o tema da questão racial a seus interesses e conduz, desde 2015, o projetowild wild riches blazehistória oral "Contando Nossa História: Negras e Negros nas Ciências, Tecnologias e Engenharias no Brasil".

Financiada pelo CNPq, a iniciativa pretende recuperar trajetórias e criar um inédito bancowild wild riches blazedados aberto ao público com a história desses cientistas. "A gente não tinha isso, não se falavawild wild riches blazenegros na física. Aquiwild wild riches blazeSalvador, a cidade mais negra do país, a gente não falava sobre isso", afirma.

Ao saber do projeto, estudanteswild wild riches blazediferentes partes do país a procuraram, interessadoswild wild riches blazeparticipar. No Tocantins, uma moça pediu que orientasse seu trabalho sobre biólogas negras, diante da dificuldadewild wild riches blazeachar alguém que se interessassewild wild riches blazeacompanhá-la. Um desinteresse que, como no caso do estranhamento ao ver uma mulher negra professora, é sinal do que Katemari, hoje, aos 39 anos, identifica como racismo estrutural, mas que muitas vezes demorou a reconhecer.

Derrick Bell

Crédito, David Shankbone

Legenda da foto, Derrick Bell foi um dos primeiros professores negroswild wild riches blazedireitowild wild riches blazeHarvard, nos anos 70

"A gente experimenta o racismo porque ele é estrutural no nosso país. Você pode não reconhecerwild wild riches blazealguns momentos, mas não tem como não viver. O fatowild wild riches blazevocê ser o único negrowild wild riches blazealguns ambientes é manifestaçãowild wild riches blazeracismo estrutural, porque faz com que aquele ambiente seja destinado majoritariamente para brancos. É preciso ter uma consciênciawild wild riches blazerelação a essas coisas para identificar", argumenta.

"Tem um conceito do Derrick Bell (um dos primeiros professores negroswild wild riches blazedireitowild wild riches blazeHarvard, nos anos 70)wild wild riches blazeque eu gosto muito, que é mostrar como é difícil para uma pessoa negra admitir que alguma coisa foi fruto da discriminação racial. Admitir é entender que o outro pensa menoswild wild riches blazevocê, que você é menos gente, é algo que é doloroso reconhecer. Há resistênciawild wild riches blazeatribuir ao racismo essas sensações que acontecem na vida. Certamente passei por situações que eram preconceito racial e não atribuí a isso."

'Decifrar o quebra-cabeças'

Oriundawild wild riches blazeuma famíliawild wild riches blazeclasse média baixa, aluna da escola pública, criada só pela mãe, Katemari é professora-adjunta do Institutowild wild riches blazeFísica da UFBA e tornou-se um nomewild wild riches blazereferência contra a invisibilidadewild wild riches blazenegros na pesquisa acadêmica.

Em janeirowild wild riches blaze2017, foi uma das organizadoras do 1º Encontrowild wild riches blazeNegras e Negros na Física, dentro dos debates do Simpósio Nacionalwild wild riches blazeEnsinowild wild riches blazeFísica, ocorrido no campus da USPwild wild riches blazeSão Carlos.

A professora também participou do Diálogo Elas nas Exatas, realizado no Riowild wild riches blazemarço deste ano por organizações como Fundo ELAS, Instituto Unibanco, Fundação Carlos Chagas e ONU Mulheres. É uma das pesquisadoras chamadas pelo CNPq a escrever, para a próxima edição do projeto Pioneiras das Ciências, verbetes sobre cientistas negras.

Outras iniciativas nesse sentido vêm sendo conduzidas pela Associação Brasileirawild wild riches blazePesquisadores Negros (ABPN), criadawild wild riches blaze2000 com o intuitowild wild riches blazeorganizar encontros e publicações com focowild wild riches blazepesquisas produzidas por negros ou voltadas para a temática.

"A gente tem que falar da representatividade negra e falarwild wild riches blazeoutras coisas. Meu próximo artigo acadêmico será sobre eletromagnetismo", afirma ela, que leciona sobre como compreender conceitos da física à luz da filosofia.

Apaixonada por física - ("Apesar das aulas terríveis do ensino médio", brinca -, Katemari diz que se interessou pela área desde criança, quando passava horas observando o céu e dizia que seria astrofísica. A escola técnica onde estudou, hoje IFRS (Instituto Federal do Rio Grande do Sul), ficava ao lado do planetário da UFRGS. Ela perdeu a contawild wild riches blazea quantas sessões assistiu.

"Física é emocionante. Eu gostavawild wild riches blazeentender as coisas acontecendo, gostavawild wild riches blazequando eu conseguia decifrar o quebra-cabeças. Minha conexão com a física é pelo desafio", afirma.

Em salawild wild riches blazeaula, umawild wild riches blazesuas preocupações é trabalhar no que hoje se chamawild wild riches blaze"descolonização" do ensino, com uma proposta que traga novos conceitos, saberes e escolas. Nessa batalha, Katemari diz que é preciso pensar numa outra ordem para fazer diferente.

"Temos que produzir uma ciência que seja para viverwild wild riches blazeforma mais harmônica com a natureza, que não sejawild wild riches blazeexploração. A gente desconsidera conhecimentos produzidos pela Ásia e pela África. Não quero ensinar uma ciência que coloque a centralidade do conhecimento como sendo apenas feito por europeus e homens."

E a astrofísica, pergunta a BBC Brasil? Katemari achou chatíssima. Preferiu a filosofia e a busca por outras estrelas - negros e negras que brilham nas ciências.