O soldado que transformousaque no pixbetmúsica uma batalha histórica para o Brasil na 2ª Guerra:saque no pixbet

Famíliasaque no pixbetNatalino Cândido da Silva
Legenda da foto, Claudete, Claudecir e Cleusa (da esq., sentadas), Claumir e Cláudio (da esq,saque no pixbetpé): 'Bate uma saudade!' | Foto: Renata Bernardo

As duas músicas se destacam entre as 16 canções gravadas na Itália por Hallawell, o "Chico da BBC", nos oito mesessaque no pixbetque acompanhou a FEB munidosaque no pixbetum aparelho que registrava os sons captados por seu microfonesaque no pixbetdiscos especiaissaque no pixbetalumínio cobertos por um laquesaque no pixbetacetato.

Legenda do áudio, Sambas nascidos na campanha

As canções foram compostas por Natalino durante a Segunda Guerrasaque no pixbetdiferentes ocasiões. "Não tenho uma preferida. Pela importância histórica, gosto das duas por igual", despista Claudete. A primeira delas, Pro Brasileiro, Alemão é Sopa, quase uma marchinhasaque no pixbetCarnaval, ganhou vida pouco depois da conquistasaque no pixbetLa Serra, no dia 23saque no pixbetfevereirosaque no pixbet1945.

Na letra, Natalino incorpora palavrassaque no pixbetorigem italiana (como "paúra", que significa "medo") e faz alusão constante a "Lurdinha". "Até hoje, muita gente pensa que Lurdinha era o nome da nossa mãe", confessa Claudete, antessaque no pixbetdesvendar o mistério: "Era o apelido dado à metralhadora dos alemães", e cai na risada.

A origem do "Lurdinha", esclarece Cesar Campiani Maximiano, doutorsaque no pixbetHistória pela Universidadesaque no pixbetSão Paulo (USP) e pesquisador do Núcleosaque no pixbetEstudossaque no pixbetPolítica, História e Cultura da Pontifícia Universidade Católicasaque no pixbetSão Paulo (PUC-SP), nunca foi totalmente esclarecida. Segundo alguns historiadores, a metralhadora alemã MG-42 passou a ser conhecida assim graças ao barulho característico da máquinasaque no pixbetcosturasaque no pixbetMariasaque no pixbetLourdes, a noivasaque no pixbetum recruta.

Outra versão, porém, sustenta quesaque no pixbetrajadasaque no pixbettiros (1,8 mil por minuto) lembrava o tagarelar da namoradasaque no pixbetoutro expedicionário. "Cada unidade tinha suas próprias gírias e expressões, mas 'Lurdinha' foi um dos poucos termos que se espalhou por toda a FEB", afirma o historiador.

Natalino Cândido da Silva

Crédito, Acervosaque no pixbetFamília

Legenda da foto, Metalúrgicosaque no pixbetNiterói, Natalino compôs duas das canções mais emblemáticas feitas na Itália pelos pracinhas | Foto: Acervosaque no pixbetfamília

Crônica musical

A segunda músicasaque no pixbetNatalino é uma embolada, ritmo típico do Nordeste, chamada Onde Vi Tanto Tedesco. Dessa vez, homenageia o Major Syzeno Ramos Sarmento (1907-1983), que comandou o 2º Batalhão do 1º Regimentosaque no pixbetInfantaria (RI), conhecido como Regimento Sampaio, e cita algumas peçassaque no pixbetartilharia, como o canhão 88 mm e o morteiro 60 mm. Quanto ao "tedesco" do título, era a forma abrasileiradasaque no pixbetos pracinhas se referirem aos alemães ("tedeschi",saque no pixbetitaliano).

"Se alguém quiser saber como foi a tomadasaque no pixbetMonte Castello, aconselho a ouvir essa canção", recomenda Vinícius Marianosaque no pixbetCarvalho, professor e pesquisador do Brazil Institute do King's College,saque no pixbetLondres. "É fantástica!".

As duas cançõessaque no pixbetNatalino, Pro Brasileiro, Alemão É Sopa e Onde Vi Tanto Tedesco, foram gravadas "ao vivo" no acampamento do 1º RI, na cidadesaque no pixbetFrancolise, no sul da Itália, pouco antes do embarque das tropas expedicionáriassaque no pixbetvolta ao Brasil.

As oito músicas gravadassaque no pixbetFrancolise por um pequeno conjunto - com dois soldados imitando sons trombone e pistão - estãosaque no pixbetum do 12 programas feitos com gravaçõessaque no pixbetHallawell e que foram disponibilizados pela BBC Brasil nesta semana como parte das celebraçõessaque no pixbetseus 80 anos. "O pai sempre foi grato à BBC por ter registrado aquelas músicas", salienta Claudete.

Na ocasião, Natalino teve a oportunidadesaque no pixbetconhecer outros "pracinhas-cantores", como José Pereira dos Santos, autorsaque no pixbetTedeschi Portare Via ("Alemão Levou Tudo!",saque no pixbettradução livre), frase que os italianos usavam para pedir ajuda aos pracinhas brasileiros; Malagueta,saque no pixbetCaminha Barco Caminha e O Morto Vivo, e Pieri Júnior,saque no pixbetSorrindo e Cantando.

"Essas canções serviram aos mais diferentes propósitos: exaltar o espíritosaque no pixbetbravurasaque no pixbetuma unidade, extravasar a tensão do combate e até mesmo homenagear companheiros mortos", explica Maximiano.

Inferno gelado

O caminho que Natalino percorreu até desembarcar na Itália foi longo. Nascidosaque no pixbet1919, na cidadesaque no pixbetNiterói, a 15 km do Rio, ele não chegou a conhecer o pai, um caixeiro-viajante. Já a mãe, analfabeta, ganhava a vida como lavadeira.

"Para ajudar no sustentosaque no pixbetcasa, parousaque no pixbetestudar na quarta série. E começou a trabalhar, ainda garoto, numa plantaçãosaque no pixbetabacaxi", conta Claumir, sem disfarçar o orgulho.

Natalino, Claudete, Cláudio, Cleuza e Guiomar
Legenda da foto, 'Muita gente acha que Lurdinha é nomesaque no pixbetnossa mãe', contam os filhos; a 'Lurdinha' citadasaque no pixbetmúsicassaque no pixbetNatalino (acima à esq.) é o nome que os pracinhas deram a metralhadora alemã; a mãe se chama Guiomar (acima à dir.) | Foto: Renata Bernardo

Adolescente, Natalino virou metalúrgico. Nas horassaque no pixbetfolga, gostavasaque no pixbetdedilhar seu violão e compor algumas modinhas. Quando completou 18 anos, ingressou no Exército. Em julhosaque no pixbet1944, com apenas 25 anos, foi mandado para a guerra. "Na época, o pai já namorava Dona Guiomar", relata Claudete. "Apesar da distância, os dois se comunicavam atravéssaque no pixbetcartas."

Assim que pisousaque no pixbetsolo italiano, Natalino descobriu que os alemães não seriam seus únicos adversários. Um deles era o frio. Nos Montes Apeninos, a temperatura chegava a 20 graus abaixosaque no pixbetzero. Para manter os pés aquecidos, colocava palha e jornal dentro das galochas.

"Meu pai contava que eles não tinham agasalhos. Os americanos é que emprestavam", entrega Claumir. Outro inimigo era a fome. Tomar banho quente, dormirsaque no pixbetcolchão ou comer algo menos indigesto que as raçõessaque no pixbetcombate eram privilégios que os soldados não tinham no front.

"Ninguém estava preparado para o inferno que eles encontraram lá. Sobreviveram graças à comida que ganhavam dos americanos", reitera Claudete. Se o frio era intenso e a comida escassa, o armamento era precário. Tanto que os americanos tiveram que fornecer fuzis e metralhadoras para os brasileiros.

Entre patrulhas e missões, os expedicionários da FEB se acomodavam como podiamsaque no pixbetcasas, celeiros e estábulos abandonados. "Certa vez, o pelotão do pai encontrou abrigo numa igreja. Mas, o padre dedurou a presença deles e, quando menos esperavam, os alemães começaram a bombardeá-los", relembra Cláudio.

Durante o dia, o riscosaque no pixbetmorte era iminente. Houve expedicionário que voou pelos ares após pisarsaque no pixbetmina terrestre ou, então, ser atingido por uma granada. À noite, dormir era praticamente impossível. Na melhor das hipóteses, cochilavamsaque no pixbetpé ou se escondiamsaque no pixbetfoxholes ("buracossaque no pixbetraposa",saque no pixbetinglês), nome dado às trincheiras cavadas no chão.

"Tudo era desgastante, mas o pai dizia que nada se comparava à tristezasaque no pixbetperder um companheiro no camposaque no pixbetbatalha", Claudete diz, enxugando as lágrimas dos olhos. "Quando tinhasaque no pixbetmatar um alemão, o pai se lembrava dos companheiros mortos. 'Era ele ou eu', limitava-se a dizer". E abria fogo.

Amargo regresso

O caminhosaque no pixbetvolta também não foi dos mais fáceis. "Com a extinção da FEB,saque no pixbet1945, os pracinhas se sentiram totalmente abandonados pelo governo brasileiro", critica Claumir. "A maioria dos ex-combatentes foi dispensada. Diante disso, muitos piraram."

Da esq: Cláudio, Claudecir, Claudete, Claumir e Cleuza
Legenda da foto, 'Quando tinha que matar um alemão, o pai se lembrava dos companheiros mortos. 'Era ele ou eu', dizia' | Foto: Renata Bernardo

O jeito foi recomeçar do zero. Mas, Natalino não se abateu. Depoissaque no pixbetvoltar à metalurgia, pediu a namoradasaque no pixbetcasamento e prestou concurso para o Estado. Aprovado, passou a trabalhar como funcionário público.

"Esse cara era um herói!", enaltece Claumir. A carreira artística, porém, caiu no esquecimento. Desgostoso, não compôs mais nada. Até do violão, amigosaque no pixbettodas as horas, se desfez. Só abriu uma exceçãosaque no pixbet1965, quando foi convidado a gravar um LP intitulado Expedicionáriossaque no pixbetRitmos pela extinta gravadora Chantecler.

"Fizeram sucesso, mas nenhum deles se preocupou com os númerossaque no pixbetvendagem", dásaque no pixbetombros Claudete.

Voltar à rotina foi difícil. Tanto quanto manusear um fuzil, desarmar uma mina ou invadir uma casamata. Logo, Natalino começou a sofrersaque no pixbet"neurosesaque no pixbetguerra". "Bastava ouvir um barulho para ficar nervoso. Às vezes, até um pouco agressivo", recorda Claudete.

Os médicos, então, o aconselharam a se mudar para um lugar mais tranquilo. Foi quando surgiu a ideia, ainda nos anos 1960,saque no pixbettrocar o Rio por Petrópolis, na região serrana. O merecido reconhecimento só veio mais tarde, já nos anos 1980, quando o governo aprovou uma pensão para os ex-combatentes. Nesta época, Natalino passou a ganhar como terceiro sargento e, depois, como segundo tenente.

"Graças à Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (Anvfeb), a velhice do pai foi feliz", reconhece Claudete. "Algo que sempre gostousaque no pixbetfazer foi dar palestrasaque no pixbetescolas."

Natalino Cândido da Silva, compositor autodidata que transformou os horrores da guerrasaque no pixbetmúsica e poesia, morreu no dia 9saque no pixbetjulhosaque no pixbet2017, aos 97 anos.