'É possível fazer policiamento ignorando varejoluvabet comdrogas e focando homicídios', diz sociólogo:luvabet com

Crédito, AFP

Legenda da foto, Sociólogo José Luiz Ratton acredita que a polícia deveria priorizar a resoluçãoluvabet comhomicídios

Leia a entrevista abaixo.

luvabet com BBC Brasil - Naluvabet comavaliação, por que os programasluvabet comreduçãoluvabet comviolência no Brasil não funcionam a longo prazo?

luvabet com José Luiz Ratton - A segurança pública nunca entrou na agenda dos governos estaduais como parteluvabet comum projetoluvabet comlongo prazo. Mesmo as iniciativas mais promissoras ficaram reféns do imediatismo, das concepçõesluvabet comque basta polícia bem equipada, bem paga, bem armada e com equipamentos modernos para que a violência caia.

Os governadores, mesmo os mais comprometidos com o tema e mais capazes politicamente, não conseguiram produzir reformas incrementais significativas e duradouras para além dos ciclos eleitorais.

Legenda da foto, Sociólogo José Luiz Ratton, professor da Universidade Federalluvabet comPernambuco / Foto: Arquivo Pessoal

luvabet com BBC Brasil - Como você avalia a atuação do governo federal na árealuvabet comsegurança pública? Ele deveria ter mais atribuições nessa área? A situação que o Brasil vive hoje na segurança também resultaluvabet comfalhas ou omissões da União?

luvabet com Ratton - A segurança pública, se pensada convencionalmente, segundo interpretação conservadora do atual marco legal, é atribuição dos Estados. Assim, as polícias estaduais têm sido a forma mais frequente da construção do que se convencionou chamarluvabet comsegurança pública no Brasil. Contudo, o modelo atual é claramente insuficiente.

O governo federal e os municípios fazer o que querem, quando querem, na árealuvabet comsegurança pública e os Estados ficam sobrecarregados, tanto no plano da responsabilização, quanto no âmbito do financiamento dos efetivos policiais e dos sistemas prisionais, o que é apenas uma parte do problema. Uma concepção ampliadaluvabet comsegurança pública deve alterar o marco regulatório no Brasil, incluindo as várias formasluvabet comprevenção da violência como parte da resposta estatal.

luvabet com BBC Brasil - O que precisa ser feito?

É preciso criar um pacto federativo digno do nome na árealuvabet comsegurança pública, que defina responsabilidades e atribuições do nível federal, do nível estadual e do nível municipal e também estabeleça padrões e formasluvabet comfinanciamento do setor,luvabet comforma consistente e permanente e submetida a valores compatíveis com o estadoluvabet comdireito, a democracia, os direitos fundamentais.

Já existe acúmulo técnico para que isso seja feito, mas sucessivas administrações do governo federal foram incapazesluvabet comconstruir uma agenda políticaluvabet comreformas nessa área, com receioluvabet comresponsabilização por um tema tão sensível.

O Pronasci (Programa Nacionalluvabet comSegurança Pública com Cidadania, lançado pelo governo Lulaluvabet com2007) foi uma esperançaluvabet commudança que, mesmo imperfeita e mal construída, foi abandonada a partirluvabet com2011. A atual gestão é um desastre. Esvaziou a Senasp (Secretaria Nacionalluvabet comSegurança Pública), omitiu-se até poucos dias atrás e resolveu sair do pântano da rejeição popular que ostenta com uma intervenção federal desastrada e imprópria no Rioluvabet comJaneiro.

luvabet com BBC Brasil - O senhor pesquisa o tráficoluvabet comdrogas no Recife. Acredita que exista hoje no Brasil tráficoluvabet comdrogas que não seja necessariamente violento?

luvabet com Ratton - Eles não são necessariamente violentos, mesmo no varejo. Basta olhar para os mercadosluvabet comdrogas sintéticas nas grandes universidades da América do Norte, ou mesmo para o varejoluvabet comdrogas sintéticas, cocaína, maconha e haxixe voltado para as camadas médias brasileiras. Esses mercados não são violentos por vários motivos: são mercados quase fechados, com entrada regulada; utilizam tecnologia e formasluvabet comentrega menos visíveis; normalmente se paga adiantado pelo produto comprado e não existe consignação, o que diminuiu as chancesluvabet comdívida e retaliação.

luvabet com BBC Brasil - Nesse tráfico 'fechado', a polícia não atua?

Legenda da foto, Temer assina intervenção ao lado do deputado federal Rodrigo Maia e Luiz Fernando Pezão, governador do Rio / Foto: Beto Barata/PR

luvabet com Ratton - A polícia pouco atua nestes mercados, seja porque não querem encrencas com pessoas com mais recursos políticos e econômicos, seja pela dificuldadeluvabet comentrar nestes mercados. Em qualquer lugar do mundo, quando a polícia entra no mercadoluvabet comdrogas para "combatê-lo", a chanceluvabet comviolência aumenta.

A apreensãoluvabet comdrogas gera dívidas que precisam ser pagas e, por si só, tal fato produz violência. Para recuperar o que foi apreendido pela polícia, os varejistas podem atacar outros pontosluvabet comdroga, roubar drogasluvabet comclientes que já compraram ou mesmo diversificar as atividades criminosas para recompor o capital devido.

luvabet com BBC Brasil - Programasluvabet comreduçãoluvabet comviolência eluvabet comhomicídios costuma citar o "combate ao usoluvabet comdrogas e ao tráfico" como prioridade.

luvabet com Ratton - É possível fazer policiamento no Brasil ignorando o varejoluvabet comdrogas e concentrando a atenção policial nos crimes contra a vida. Se houver uma única tentativaluvabet comhomicídio ou homicídio, seja no âmbito do mercadoluvabet comdrogas, sejaluvabet comqualquer outro contexto, a polícia deve entrar, assim como as outras instituições do sistemaluvabet comJustiça Criminal. Mas priorizar apreensões e a prisãoluvabet com"traficantes" aumenta o encarceramentoluvabet comforma seletiva sobre os grupos vulneráveisluvabet comsempre: jovens pobres e negros. A guerra às drogas tem sido, na verdade, uma guerra aos pobres no Brasil.

luvabet com BBC Brasil - É preciso interromper essa guerra?

luvabet com Ratton - Em um continente profundamente desigual, a guerra às drogas é a expressão manifesta destes elementos profundamente enraizados na forma específicaluvabet comhierarquização excludente, que vem do plano moral para a esfera da realização das políticas. Em outros termos, a guerra às drogas, na América Latina, no Brasil e alhures, é uma formaluvabet comcontrole eluvabet comguerra aos pobres. O Estado, no Brasil e na América Latina incorpora, majoritariamente, as percepções políticas e culturais hegemônicas presentes nestas sociedades.

luvabet com BBC Brasil - Em Estados onde a disputaluvabet comfacções é mais forte, qual naluvabet comavaliação precisa ser a estratégialuvabet comsegurança pública?

luvabet com Ratton - As estratégias gerais são as mesmas, mas aplicadas a estágios distintosluvabet comorganização das atividades criminosas e das formações e dinâmicas sociais própriasluvabet comcada estado. De todo forma, não se faz segurança pública moderna e cidadã sem investimento. É preciso investirluvabet cominteligência policial, policiamento baseadoluvabet comevidências, e voltado para a resoluçãoluvabet comproblemas, formação policial e controle da letalidade.

Além disso, é importante buscar uma integração com o Ministério Público e o Judiciário, fazer a reforma e humanização do sistema prisional, interromper os processos superencarceradores. Outras medidas são mecanismosluvabet commediaçãoluvabet comconflitos com base local e comunitária, diversificaçãoluvabet comprojetosluvabet comprevenção da violêncialuvabet comforma ampla e forte investimento socialluvabet comáreas vulneráveis à violência. Na verdade, é a mesma agenda, modulada às diferentes situações e estruturas sociais, políticas, econômicas.

luvabet com BBC Brasil - O Pacto Pela Vida conseguiu reduzir os homicídiosluvabet comPernambuco, ganhando prêmios por isso. Masluvabet comquatro anos para cá, o Estado voltou a registrar crescimentoluvabet comassassinatos, atingindo um dos piores índicesluvabet comsua história no ano passado. O senhor considera que o programa falhou?

Crédito, Reuters

Legenda da foto, O governo do presidente Michel Temer (PMDB) realizou intervenção na árealuvabet comsegurança pública no Rioluvabet comJaneiro

luvabet com Ratton - O Pacto pela Vida era uma política públicaluvabet comsegurança integral e promissora, que precisava ser estabelecidoluvabet comforma sustentável por anos, para alémluvabet comuma administração ou outra. Funcionou bem do pontoluvabet comvista da governança da atual policial voltada para a reduçãoluvabet comhomicídio nos primeiros seis anos, mas não conseguiu avançar nas dimensões não policiais (prevenção da violência, transformação do sistema prisional).

Em Pernambuco, nos últimos cinco anos, quase todos os avanços obtidos entre 2007 e 2013 viraram pó e a situação atualluvabet comtaxas elevadíssimasluvabet comviolência mostra que não existe mais Pacto Pela Vida, como foi concebido. A atual gestão (do governador Paulo Câmara, do PSB) gere um nome fantasia com conteúdos muito distintos (BOPE, prioridade para apreensãoluvabet comdrogas etc) com propósitos eleitorais.

luvabet com BBC Brasil - Quais foram as falhas do programa eluvabet comque ele acertou?

luvabet com Ratton - Ele acertouluvabet commuitas coisas: Eduardo Campos trouxe a questão da segurança para si, o que nenhum governador havia feito antes, foi dada a prioridade à redução dos crimes contra a vida. Até 2009 houve diálogo com a sociedade civil, o Ministério Público e o Poder Judiciário foram convidados a colaborar e foi criado um mecanismoluvabet comintegração policial baseadoluvabet comevidências e resoluçãoluvabet comproblemas. Quase tudo isso se perdeu.

As falhas também são muitas: não houve investimento significativoluvabet comprogramasluvabet comprevenção da violência, como mediaçãoluvabet comconflitos, programas para egressos do sistema prisional e da Funase (Fundaçãoluvabet comAtendimento Socioeducativo). A Polícia Científica foi esquecida, a formação policial permaneceu deficiente, o sistema prisional permaneceu caótico e desumano, assim como a Funase. Ademais, uma políticaluvabet comdrogas conservadora passou a predominar sobre os acertos anterioresluvabet comque o trabalho policial estava dirigido para a redução dos crimes contra a vida.

Os últimos governantes voltaram a terceirizar a segurança pública, deixando setores da polícia conduzirem o que seria atribuição política do governador e tarefa transversalluvabet comtodo o executivo estadual. Digo e repito: o Pacto Pela Vida como foi concebido está morto, infelizmente.

luvabet com BBC Brasil - O projeto também cita prevenção ao crime, e não apenas repressão e investigação criminal. Esse investimento ocorreuluvabet comfato?

luvabet com Ratton - Houve algum avanço com a criação do Atitude, um programaluvabet comreduçãoluvabet comdanos que tinha compromisso com a proteção da vida dos usuáriosluvabet comsubstâncias ilícitasluvabet comsituaçãoluvabet comvulnerabilidade social. Esse programa está sendo sucateado aos poucos e substituído por alternativas não laicas, ineficientes e que desrespeitam direitos e escolhas individuais dos mais pobres. Mas o Pacto Pela Vida nunca conseguiu construir estratégiasluvabet comprevenção consistentes e este é um dos seus principais problemas.

Legenda da foto, Após reduzir homicídios, Pernambuco voltou a ter aumentoluvabet comassassinatos nos últimos anos

luvabet com BBC Brasil - Vários Estados do Nordeste têm suas próprias facções criminosas, como a Paraíba e o Ceará. Elas também existemluvabet comPernambuco com tanta força?

luvabet com Ratton - Não. Existem indíciosluvabet compresença das facçõesluvabet comPernambuco, no sistema prisional e fora dele. E existe algo parecido com facções locais. Mas nada que se compare ao Rioluvabet comJaneiro, São Paulo, Ceará, Amazonas, Rio Grande do Norte, Ceará.

Há uma famosa planilhaluvabet comuma facção paulista, apreendida pelo Ministério Públicoluvabet comSão Paulo, que mostra como o númeroluvabet combatizados desta facção é particularmente baixoluvabet comPernambuco, se comparado com outros Estados da federação.

Por outro lado, isso não significa que Pernambuco não possa,luvabet comfuturo próximo, ter uma presença mais intensivaluvabet comfacções, seja por fatores relacionados às dinâmicas dos mercados ilegais nacionais e regionais, seja por incapacidade do poder públicoluvabet combuscar soluções inteligentes e preventivas para o problema.

luvabet com BBC Brasil - E se isso acontecer?

luvabet com Ratton - A presençaluvabet comfacções nem sempre aumenta a violêncialuvabet comum território. Por outro lado, ausêncialuvabet comfacções não significa que haverá menos criminalidade violenta. A fraqueza relativa das grandes facções nacionaisluvabet comPernambuco não tornou o Estado menos violento.

luvabet com BBC Brasil - Além do Recife, boa parte do crescimento dos homicídiosluvabet comPernambuco ocorreluvabet comcidades do agreste e do sertão, tidas antes como tranquilas. Há alguma explicação para esse fenômeno?

luvabet com Ratton - São áreasluvabet comexpansão econômica desordenada recente que trazem consigo novas oportunidades para o surgimentoluvabet comeconomias ilegais,luvabet comcontextoluvabet comfraqueza das instituições estatais eluvabet compadrões culturaisluvabet comuso da violência para a resoluçãoluvabet comconflitos privados.

luvabet com BBC Brasil - Seria o casoluvabet comCaruaru, que vive uma recente ondaluvabet comcrimes violentos e chacinas?

luvabet com Ratton - O crescimento econômico dos últimos anos,luvabet comum contextoluvabet comincapacidade do Estadoluvabet complanejamento e antecipaçãoluvabet comsituações, produziu um conjuntoluvabet comoportunidades para o surgimentoluvabet comatividades ilegais e das mortes violentas.

De alguma forma, o agreste pernambucano, onde está Caruaru, como outras áreas do Brasil, é uma espécieluvabet comOeste longínquo, o que favorece a emergência e a permanêncialuvabet comtodos os tiposluvabet comviolência. Há um panoluvabet comfundo que não pode ser desprezado: a permanêncialuvabet comelementos culturaisluvabet comhonra, masculinidade e virilidade que funcionam como motor invisívelluvabet compráticas sociais violentas.