'É loucura dizer que pobre não tem hábito alimentar', diz embaixador da ONU contra a fome e 'pai' do Slow Food:iron bank slot

Legenda da foto, Italiano defende há quase 30 anos um sistema mais justoiron bank slotprodução e consumoiron bank slotalimentos | Foto: Divulgação

"Dizer isso é uma loucura. Esse é um prefeito muito, muito limitado", afirmou Petrini à BBC Brasil.

"Conheço pobres da África e da América Latina que têm uma grande consciência alimentar, uma cultura alimentar muito mais importante que a desse prefeito. Conheço pobres no campo que têm um conhecimento incrível sobre as matérias primas e que comem muito bem."

A Prefeiturairon bank slotSão Paulo afirmou que as críticas são "lamentáveis" por se basearemiron bank slotinformações superficiais e incompletas" (leia nota completa ao final desta reportagem).

Crédito, AFP

Legenda da foto, Prefeitoiron bank slotSão Paulo anunciou que composto alimentar será distribuído como parteiron bank slotplanoiron bank sloterradicação da fome

Petrini evitou criticar a farinata diretamente. "Não conheçoiron bank slotqualidade, como é produzida, se é feita só produtos que iam para o lixo". Mas,iron bank slotseguida, questionou se é possível comer o composto "em um restauranteiron bank slotqualidade daqui".

Diante da negativa, retrucou: "Por que não? Por que os ricos não podem comer? E os pobres precisam comer isso? Não se resolve a fome com produtos que iam para o lixo".

Petrini conversou com a reportagemiron bank slotuma conferênciairon bank slotgastronomia na região centraliron bank slotSão Paulo, onde estava para apresentar a edição brasileira da Arca do Gosto, projeto criado poriron bank slotONG para catalogar ingredientes únicosiron bank slotcada culinária.

Ele ainda participará neste domingoiron bank slotum jantar beneficente elaborado por chefs renomados para destacar ingredientes nativos do país ameaçadosiron bank slotextinção e do lançamentoiron bank slotum documentário.

"Hoje, se tem essa ideia ruimiron bank slotque a gastronomia é para ricos. Não acredito isso. A gastronomia é para todos, é o patrimônio alimentariron bank slotcada país."

Comida boa, limpa e justa

O italianoiron bank slot68 anos é jornalista e sociólogo, mas é seu ativismo que o distingue.

Foiiron bank slotum protestoiron bank slot1986 contra uma loja da rede McDonald'siron bank slotRoma, aos pés da Escadaria Espanhola, um dos pontos mais visitados da cidade, que tudo começou. Três anos mais tarde,iron bank slotcontraponto à tendência do fast-food ("comida rápida",iron bank slotinglês), seria oficialmente fundado o movimento Slow Food ("comida lenta").

Apesar do nome, não se trata exatamenteiron bank slotcomer sem pressa, masiron bank slotdesacelerar a produção e o consumoiron bank slotalimentos, fortalecendo produtores locais e gerando menos impacto ao meio ambiente, eiron bank slotfazer comida "boa, limpa e justa", como diz o lema da organização, que tem 100 mil membrosiron bank slot160 países.

Esse trabalho conferiu a ele honras como ser eleito pelo jornal britânico The Guardian como uma das 50 pessoas que podem salvar o planeta e o prêmio Campeão da Terra, o mais importante na áerea ambiental conferido pela ONU, para a qual Petrini atua desde o ano passado no combate à fome na Europa como embaixadoriron bank slotsua agência para agricultura e alimentação, a FAO.

Legenda da foto, Para ministros do G7, Petrini defendeu ser preciso proteger o pequeno e médio produtor rural | Foto: ANPr

Foi com essa autoridade que ele discursou para ministros da agricultura do G7, o grupo das sete maiores economias do mundo,iron bank slotuma reuniãoiron bank slotBergamo, na Itália, há cercairon bank slotdez dias. Ele defendeu para os governosiron bank slotCanadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos que eles tenham um ministério dedicado à alimentação.

"Hoje, há ministério para agricultura, mas isso é só uma parte da alimentação, que é fruto do trabalhoiron bank slotmuitas pessoas. É uma ciência holística que envolve também pescadores, artesãos, antropólogos, historiadores, economistas, cozinheiros. Precisairon bank slotum ministério especial", disse à BBC Brasil.

Petrini defendeu ainda que o livre-comércio não é possível se não houver uma proteção especial para os 500 milhõesiron bank slotpequenos e médios produtores do planeta. "Os pequenos produtores não têm capacidadeiron bank slotcomprar apoio político nemiron bank slotfazer lobby como as multinacionais, e são eles que fornecem 75% dos alimentos da humanidade."

Uma pesquisa da Transparência Internacional mostrou que mais da metade do Congresso brasileiro foi eleitoiron bank slot2014 com doaçõesiron bank slotempresas da indústriairon bank slotalimentos - um ano depois, o financiamentoiron bank slotcampanhas por empresas acabou proibido pelo Supremo Tribunal Federal. Foram ao todo R$ 500 milhões, três vezes mais do que nas eleiçõesiron bank slot2010.

"Não é correto um conceitoiron bank slotlivre-comércio que defende apenas os interessesiron bank slotquem produz 25% da comida no mundo", disse Petrini.

'Ato político'

A Slow Food busca fazer issoiron bank slotforma mais intensa desde que criou a redeiron bank slotprodutores Terra Madre,iron bank slot2004, o que, segundo seu fundador, levou um movimento até então bastante restrito aos países mais ricos às regiões menos desenvolvidas na Ásia, África e América Latina.

É esse conceito que também está na mente do italiano quando ele defende que "comer é um ato político". "Se escolho produtosiron bank slotmultinacionais, favoreço essa realidade insustentável atual."

Mas todas as grandes corporações são alvosiron bank slotsuas críticas? "A maioria. Há empresas virtuosas, que pagam bem os produtores e agemiron bank slotforma sustentável, mas a maioria trabalha com o paradigma da quantidade e não da qualidade."

Diante dos argumentosiron bank slotque a produção agropecuáriairon bank slotmassa é necessária para alimentar os 7,6 bilhõesiron bank slothabitantes do mundo, Petrini garante que isso "não é verdade".

"Essa é uma ideiairon bank slotuma economia doente. Hoje, produzimos comida suficiente para 12 bilhõesiron bank slotpessoas, mas 35% vai para o lixo. Isso é ridículo e vergonhoso. A primeira coisa que temosiron bank slottrabalhar é o desperdício", defende.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Númeroiron bank slotpessoas com fome no mundo deve aumentar por causairon bank slotconflitos e terrorismo, diz Petrini

Ele também rejeita críticasiron bank slotque o estímulo aos cultivos orgânicos e familiares é elitista, porque seus produtos são mais caros do que os tradicionais.

"Na Itália, era mais caro no início, mas, depois que a produção aumentou, o preço caiu. Ainda custa mais do que o outro, sempre vai ser assim, mas é uma questãoiron bank slotsaúde: gasto mais com a comida e economizo com remédios."

Petrini argumenta ainda que a crítica do desperdício "vale para todos", inclusive para as "classes mais baixas". Dá como exemplo a praçairon bank slotalimentaçãoiron bank slotum shopping que visitou no Brasil, um lugariron bank slotuma "tristeza infinita",iron bank slotsuas palavras. "Paga-se muito pouco, come-se muito mal e há muito desperdício, justamente porque é tão barato", disse.

"A comida perdeu o valor nos últimos 50 anos. Precisamos pagar um pouco mais pela comida para compensariron bank slotforma justa o produtor. Hoje, isso não acontece, e, assim, a categoria que mais passa fome no mundo é airon bank slotagricultores."

Moqueca, bobó e feijoada

Petrini diz que o contingenteiron bank slotpessoas que passam fome no mundo deve aumentar. Ele acompanha o levantamentoiron bank slotdados da FAO e afirma que, dos 815 milhões atuais, deveremos passariron bank slot850 milhões no próximo ano por causairon bank slot"guerra, terrorismo e miséria".

Na América Latina, o númeroiron bank slotpessoas nessa situação cresceu 6% no ano passado,iron bank slotacordo com dados da ONU, passando para 42,5 milhõesiron bank slotpessoas, ou 6,6% dos habitantes da região, enquanto o Brasil manteve o índice abaixoiron bank slot2,5% dos seus 207,7 milhõesiron bank slothabitantes.

Ao mesmo tempo, vem aumentando no mundo o númeroiron bank slotpessoas com sobrepeso ou obesas. Divulgadosiron bank slotjaneiro, os dados mais recentes da FAO mostram que 20% da população brasileira estava obesairon bank slot2014 - eram 17,8% quatro anos antes - e 54% estava acima do peso, enquanto na América Latina um terço dos adolescentes e dois terços dos adultos enfrentavam esses problemas.

No mundo, há 700 milhõesiron bank slotobesos, segundo um estudo publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine, o qual apontou que a prevalência desse mal mais do que dobrouiron bank slot73 países desde 1980.

Legenda da foto, Petrini diz comer cada vez menos carne preocupado com o consumo excessivo desse alimento no mundo | Foto: Divulgação

Entre os motivos, está o aumento do consumoiron bank slotalimentos hipercalóricos com baixo valor nutritivo. Dados da consultoria Euromonitor, mostram que, entre 2011 e 2016, aumentouiron bank slot25% a vendairon bank slotprodutos industrializados eiron bank slot30% o consumoiron bank slotfast-food.

"São duas faces do mesmo problema", diz Petrini. "Talvez fosse melhor o prefeitoiron bank slotSão Paulo dar aquele alimento a essas pessoas (os obesos)."

No âmbito pessoal, o italiano conta que reduziu seu consumoiron bank slotcarneiron bank slot60% nos últimos cinco anos, preocupado com o consumo excessivo desse tipoiron bank slotalimento no mundo, especialmenteiron bank slotpaíses desenvolvidos. Segundo dados da FAOiron bank slot2015, a média global éiron bank slot41,3 kg, enquanto,iron bank slotnações industrializadas, chega a 95,7 kg.

Mas ele não advoga necessariamente pelo vegetarianismo ouiron bank slotvertente que exclui todo produtoiron bank slotorigem animal, o veganismo. "É uma escolha pessoal. O mundo não é uma Igreja Católica. Cada um age como quiser."

E não vê com bons olhos o costumeiron bank slotse alimentar pensando apenas no viés nutricional, um comportamento que, se exagerado, pode ser caracterizado como um distúrbio alimentar, a ortorexia.

"É uma ideia redutiva do valor da alimentação. Ao nascer, somos alimentados por nossas mães. É um atoiron bank slotamor que nos permite viver. É até mesmo espiritual, porque,iron bank slottoda religião, a ligação do homem com o divino passa pelo alimento."

E quais são seus pratos brasileiros preferidos? "A moqueca e o bobó", conta ele. "E farofa. Com feijoada, é o casamento perfeito."

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Após a publicação desta reportagem, a Prefeiturairon bank slotSão Paulo enviou a seguinte nota à BBC Brasil:

É lamentável que intelectuais e especialistas critiquem algo com baseiron bank slotinformações superficiais e incompletas. Mais reprovável é quando um veículoiron bank slotimprensairon bank slotprestígio publica estas críticas sem a devida contextualização. Foi o que aconteceu com a reportagem publicada pelo serviço brasileiro da BBC com baseiron bank slotentrevista do italiano Carlo Petrini. Sem conhecer a dinâmica dos acontecimentos, Petrini atacou o prefeitoiron bank slotSão Paulo - usando-se, para isso, maisiron bank slotfrasesiron bank slotefeitos do que argumentos.

Para que os leitores da BBC entendam o real contexto dos fatos, e possam fazer um juízo adequado tanto das críticas do italiano quanto dos acontecimentos, é preciso esclarecer que:

1. Ao usar a frase relativa aos "hábitos alimentares", tanto no programa televisivo quanto recentemente, o prefeitoiron bank slotSão Paulo quis dar ênfase ao drama das pessoas que passam fome e que precisamiron bank slotsoluções urgentes. Por uma questãoiron bank slotlógica elementar, somente tem hábito alimentar quem consegue comer - e quem não consegue sofre os malefícios da fome. O prefeito não se referiu a pobres que comem, mas a pessoas que passam fome, uma conclusão óbvia.

2. A farinata não será distribuída como substitutoiron bank slotalimentos naturais. O produto, fabricado por uma entidade não-governamental com aval da Igreja Católica, foi incluído como uma possibilidadeiron bank slotreaproveitamentoiron bank slotalimentos próximos à datairon bank slotvencimento. A farinata seria, então, usada como suplemento alimentar. Antes, no entanto,iron bank slotqualquer eventual distribuição do produto, ainda serão necessários estudosiron bank slotcomo isso será feito.

3. A discussão sobre a farinata surgiu dentro da criaçãoiron bank slotum programa da Prefeitura para combater o desperdício dos alimentos.

4. O italiano ignora, por completo, iniciativas da Prefeitura na áreairon bank slotalimentação, como o Bancoiron bank slotAlimentos, o incentivo à criaçãoiron bank slothortas e o usoiron bank slotalimentos orgânicos na merenda escolar. Pela primeira vez, será servido um alimento orgânico in natura na rede municipaliron bank slotensino: a Secretaria Municipaliron bank slotEducação assinou, no último dia 25, oito contratos da agricultura familiar para adquiririron bank slotcooperativas do Vale do Ribeira banana nanica e prata, convencional e orgânica. Os alimentos começam a ser distribuídos nas escolas a partir do próximo dia 6.