Reflexõessacar bônus betspeeduma antropóloga e mãe: 'O que aprendi com índios sobre educação infantil':sacar bônus betspeed

Legenda da foto, Martim passou 20 diassacar bônus betspeedaldeia indígena quando tinha 3 anos | Foto: Camila Gauditano/Povo Yudjá

O Parque Indígena do Xingu (PIX) fica no nordeste do Mato Grosso, na porção sul da Amazônia brasileira. Xingu é o nome do rio que atravessa o território, que tem 2.642.003 hectares e onde vivem 16 etnias.

Camila foi ao Xingu para conversar com diretores e professores indígenas que ensinam nas escolas das aldeias visitadas. Enquanto trabalhava, muitas vezes deixava Martim, na época com três anos, brincando com as crianças das tribos.

Legenda da foto, Camila aos 16 anos, quando visitou a aldeia Xavante Pimentel Barbosa com a mãe; mais tarde, ela repetiu a experiência com seu filhosacar bônus betspeedtrês anos | Crédito: Rosa Gauditano/Studio R

"Ele ficava com as crianças ou com as famílias das crianças. Me sentia confiante. Por um lado, me perguntava, 'onde será que ele está, o que está fazendo?' Aí pensava: 'bem , está com as crianças, então está seguro'. Não fiquei com receio porque são cuidadosos e dominam aquele território."

Camila teve várias provas disso.

O banho

O episódio da canoa virada no rio foi um entre vários momentossacar bônus betspeedque se deu conta, maravilhada,sacar bônus betspeedque crianças pequenas podem muito mais do que imaginamos.

A relação peculiar com a água é o que permite tanta desenvoltura da criança indígena num ambiente que poderia ser perigoso para as da cidade, explica a antropóloga.

E tudo começa com o banho - algo que ela observou já na primeira aldeia visitada, os Kisêdjê.

"O banho é o momentosacar bônus betspeedque a criança se integra com o ambiente da água. Aprende os limites do próprio corpo, desenvolve suas potencialidades, a pesca, a navegação. O ambiente é preparado pela comunidade para esse fim. Deixam o fundo bem limpinho, tiram o mato da beira do rio, você sabe onde pode ir e onde não pode. Colocam uma estrutura feita com um troncosacar bônus betspeedmadeira onde você pode sentar a criança, ou lavar roupa".

"Crianças menores ficam na beira; as maiores, mais ao fundo; outros mergulham. É uma experiência do coletivo, das brincadeiras. A criança pequena observa o que é possível fazer e realizar nesse lugar,sacar bônus betspeedacordo com suas capacidades,sacar bônus betspeeddiferentes fases. Martim ficou encantado".

Mas e os riscos para as crianças?

"Uma coisa é a gente ter contato esporadicamente (com o rio). Outra coisa é o contato diário, duas, três vezes por dia. Você vai se apropriar daqueles desafios, daquele ambiente. Há pouco espaço para perigo".

Meninos caçadores

Na visita aos Kisêdjê, outros episódios chamaram a atenção da antropóloga.

Uma tarde, Martim convidou um gruposacar bônus betspeedcrianças da aldeia para visitar a casa do ISA, onde ele e a mãe estavam hospedados.

Legenda da foto, Martim na hora do banho no porto da aldeia; crianças indígenas têm relação próxima com a água | Foto: Camila Gauditano/Povo Kisêdjê

"Os meninos foram com seus estilingues", conta Camila. "Aí viram que tinha morceguinho na casa e decidiram caçá-los com o estilingue. Foi a primeira experiência do Martimsacar bônus betspeedver o bichinho,sacar bônus betspeedver a habilidade do caçador, desenvolvida desde pequenininho. Deviam ter cinco ou seis anos e conseguiram caçar o morcego."

Birra

Em outra ocasião, na saída do banho, Camila observou um jeito diferentesacar bônus betspeedos pais lidarem com birrasacar bônus betspeedcriança.

"Não sei por que motivo, uma criança começou a chorar muito. Os pais estavam saindo do rio, talvez ele quisesse ficar mais tempo na água… Os pais simplesmente saíram andando. A criança foi atrás, chorando".

"Não tem essa bajulação,sacar bônus betspeedficarsacar bônus betspeedcima, 'o que foi, o que aconteceu? Se você pararsacar bônus betspeedchorar, te dou isso…' Tomaram a atitudesacar bônus betspeednão alimentar a birra. Essa é uma observação muito pessoal, mas acho que o princípio é, quanto menos bola se dá para a birra, mais a criança tem condiçõessacar bônus betspeedresolver suas próprias frustrações."

Amamentação

Por outro lado, diz a antropóloga, não falta atenção às crianças nas aldeias.

As mães têm total disponibilidade para estar com as crianças. Enquanto são bebês, a mãe não sai para trabalhar na roça. "A família faz esse trabalho por ela", diz Camila. "Às vezes, até o marido tem restrições para ir à roça quando tem bebê pequeno."

Mais tarde, se a mãe vai à roça, tem a ajuda dos parentes. "A criança pequena fica com a tia ou avó."

Ou seja, não há a angústia ou a culpa da separação que aflige tantas mães trabalhadoras nas cidades. Também não há a preocupação com a amamentação - ou com o desmame:

"Já vi criançasacar bônus betspeedtrês anos sendo amamentada. Lá é livre demanda, quer mamar, mama. Na mãe, na tia, na avó… às vezes, a mãe saiu mas a avó está ali e tem leite. Ela dá. É normal."

Legenda da foto, Crianças indígenas costumam ter mais autonomia | Foto: Camila Gauditano/Povo Ikpeng

A criança tem atenção constante, mas também tem liberdade - se quiser.

"Quando a mãe vai para a roça, a criança, já mais velha, vai com ela. Mas quando a mãe estásacar bônus betspeedcasa, na aldeia, as crianças estão no pátio, indo atrássacar bônus betspeedpassarinho,sacar bônus betspeedbichinho, brincando".

"A partirsacar bônus betspeedtrês anos, já são bem mais independentessacar bônus betspeedrelação à mãe (do que as da cidade). Elas têm circulação livre na aldeia, mas nunca estão sozinhas. Estão sempre acompanhadassacar bônus betspeedcrianças do mesmo tamanho ou maiores."

"Na nossa sociedade você não tem esse apoio coletivo que existe no convíviosacar bônus betspeedaldeia. Não partilhamos a educaçãosacar bônus betspeednossos filhos com a comunidade."

'Beiju e peixe'

Muitos povos indígenas no Brasil hoje incorporam alimentos do homem brancosacar bônus betspeedsuas dietas. Comem arroz, feijão, açúcar e farinha. Mas mantêm lavouras tradicionais, como a da mandioca, e praticam a caça, a pesca e a coleta.

Hoje com cinco anossacar bônus betspeedidade, Martim ainda se lembra das delícias que comeu no Xingu. Questionado pela BBC Brasil sobre o que mais gostousacar bônus betspeedcomer na viagem, ele responde:

"Beiju e peixe. É gostoso", diz. "Um dia a gente vai voltar lá. É muito gostoso e um dia eu quero voltar lá."

Beiju é uma tapioca grande que os índios comem com peixe assado, explica Camila. Na aldeia todos comem juntos. As crianças comem o que tem. E desde cedo aprendem a coletar frutos da época. Também acompanham o adultos na caça e pesca.

"Desde cedo, aprendem a pegar seu peixinho."

Preguiça e brigas

De volta à cidade, Camila diz que se esforça para manter a cultura indígena viva na imaginação do filho.

"Um dia desses, o Martim estava com preguiçasacar bônus betspeedacordar para ir à escola. Então, contei uma história para ele", diz a antropóloga.

"Tem um povo que mora numa aldeia. De manhã, quando esse povo acorda,sacar bônus betspeedgeral é muito frio porque o sol ainda não nasceu."

"Geralmente, as crianças também ficam com preguiça. Mas os mais velhos dizem que quem levanta cedo para tomar banho no rio fica saudável, forte e corajoso. Contei para ele como uma motivação. No final, expliquei que esse é o povo Xavante."

E para ensinar Martim a não brigar por besteira, Camila planeja levá-lo à terra Xavante para que ele participesacar bônus betspeedum ritual especial:

"Na aldeia Xavante, quando as crianças ficam brigando sem motivo, os mais velhos decidemsacar bônus betspeedconselho que é horasacar bônus betspeedorganizar o ritual Oi´Ó. Os índios tiram uma raiz da terra que funciona como instrumentosacar bônus betspeedluta. Tem uma regra para se lutar: você (só pode) acertar seu companheirosacar bônus betspeedluta do ombro para baixo. A ideia é que as crianças aprendam o que é brigarsacar bônus betspeedverdade, sentir dorsacar bônus betspeedverdade. Lutamsacar bônus betspeedduplas, umsacar bônus betspeedcada clã (há dois clãs no povo Xavante), enfeitados e pintados, e a aldeia inteira assiste."

O povo Xavante é um povo guerreiro, daí o ritual, explica Camila. Ela não vê, no entanto, riscos para Martim.

"Fazem isso desde pequenos, desde os dois aninhossacar bônus betspeedidade até 14, 15. As duplas são escolhidassacar bônus betspeedacordo com o tamanho, têm o mesmo biotipo. E essa raiz é forte, mas não vai cortar ou furar. Vai ser importante para o Martim", diz.

Lições

As histórias sugerem, por exemplo, que a criança a partir dos três anossacar bônus betspeedidade pode ganhar mais autonomia do que costuma ter na nossa sociedade.

Ela diz, no entanto, que não vê sentidosacar bônus betspeedtentarmos transpor,sacar bônus betspeedforma literal, para a nossa cultura, o modelo oferecido pelos povos indígenas.

São sistemas diferentes que respondem a contextos diferentes, explica.

Para quem deseja aprender com o índio, "o pontosacar bônus betspeedpartida é a integraçãosacar bônus betspeedum povo indígena com o ambientesacar bônus betspeedque vive". Isso significa integrarmos nossas crianças com o ambiente delas: "O quintalsacar bônus betspeedcasa, a terra, as plantas, os parques, as praças, a rua, a comunidade".

"Você não precisa estar numa aldeia indígena para ter uma relação integrada com o seu meio. Pode desligar aparelhos celulares e tablets, ampliar a observação, a escuta, as possibilidades quesacar bônus betspeedprópria realidade traz (para a criança)."

Martim passou 20 diassacar bônus betspeedconvívio intenso com modossacar bônus betspeedvida tão diferentes dos dele. O que terá ficado, dessa experiência, para um menino tão pequeno?

"Como foi pouco tempo, o aprendizado foi ampliar a percepção da realidade. A relação com a diferença amplia o conceitosacar bônus betspeedmundo. Você descobre que não há uma verdade absoluta, há muitas maneirassacar bônus betspeedse ser esacar bônus betspeedse estar no mundo - e essa é nossa maior riqueza."