'Perdi 3 carrosonabet v1 creamluxo para o crack': as históriasonabet v1 creamusuários das classes média e alta:onabet v1 cream
A primeira pedra lhe chegou por meioonabet v1 creamum amigo da faculdade que trabalhava no mercado financeiro. M. usou crack eventualmente durante quase dois anos até,onabet v1 creamsuas palavras, "perder o controle".
Por causa da droga, M. perdeu o emprego, os três carrosonabet v1 creamluxo que tinha, os amigos. Se endividou, vendeu eletrodomésticos, relógios e até seus ternos. Teve surtos psicóticos, contraiu sífilis e hepatite C e teve problemas com a justiça por ter batido na ex-mulher. "Levava desconhecidos e prostitutas para casa e me trancava para fumar durantes dias", conta.
Mas nunca ficou sem lugar para morar nem chegou a passar temporadas nas ruas, junto com outros usuários.
"Comigo não foi aquela coisa que falam, que você fuma duas vezes e vai parar na cracolândia. Tem muita gente (nas classes mais altas) que usa durante um tempão e você não sabe, porque ninguém fala", diz ele.
Antes que algo pior acontecesse, o pai e o irmãoonabet v1 creamM. o internaramonabet v1 creamuma comunidade terapêutica na cidadeonabet v1 creamVera Cruz, no interioronabet v1 creamSão Paulo.
Sóbrio há maisonabet v1 creamdez anos, depoisonabet v1 creamdiversas internações, M. não bebe nem álcool ("senão eu volto com tudo") e tem um pequeno negócio que administra com auxílio do irmão.
Vício Alastrado
Embora exista a ideiaonabet v1 creamque crack é uma drogaonabet v1 creambaixo custo, restrita às classes mais baixas, trajetórias como aonabet v1 creamM. são comuns entre os pacientes da Clínica Greenwood. No espaço, localizado nos Jardins, bairro nobre da capital paulista, o tratamento chega a custar maisonabet v1 creamR$ 12 mil por mês. Na unidadeonabet v1 creamItapecirica da Serra, onde há internação, o tratamento chega a custar R$ 30 mil – o local ficou conhecido por ter abrigado celebridades como o ator Fábio Assunção e o ex-jogador e comentaristaonabet v1 creamfutebol Walter Casagrande Júnior.
"A pessoa não procura droga pelo preço, mas pelo efeito", diz Pablo Roig, diretor da unidade da Greenwood nos Jardins. "O crack provoca uma descarga brutalonabet v1 creamdopamina (hormônio ligado à sensaçãoonabet v1 creamprazer) na áreaonabet v1 creamrecompensa do cérebro. Em uma situação normalonabet v1 creamprazer, como durante o sexo, você pode ter um aumentoonabet v1 cream100%. A cocaína provoca aumentoonabet v1 cream400%. Com o usoonabet v1 creamcrack, há um aumentoonabet v1 cream1100%", explica ele, com baseonabet v1 creamdados do NIDA (National Institute on Drug Abuse), órgão americano que estuda e combate o usoonabet v1 creamdrogas.
Além disso, segundo Roig, como o efeito do crack passa cada vez mais rápido, o volume consumido também cresce vertiginosamente, o que torna caro o vício na droga.
"Tive um paciente que chegou a usar 100 pedras num dia. Se uma pedra custa cercaonabet v1 creamR$ 10, isso dá R$ 1 mil. Não é barato", afirma. "Quem é pobre só consegue manter o vício roubando, se prostituindo, catando latinha."
Segundo Pablo Roig, diretor do hospital-dia da Greenwood, cercaonabet v1 cream50% dos pacientes atualmenteonabet v1 creamtratamento no local usam ou já usaram crackonabet v1 creamalgum momento.
Um dos principais pesquisadores do assunto no Brasil, o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do Programaonabet v1 creamOrientação e Assistência a Dependentes da Unifesp, diz que começou a perceber a disseminação do crack nas classe média e alta por volta dos anos 2000. Acredita-se que a pedra chegou ao Brasil por voltaonabet v1 cream1987.
Todas as Classes
O médico Elton Kanomata, diretor do departamentoonabet v1 creampsiquiatria do Hospital Israelita Albert Einstein,onabet v1 creamSP, explica que a droga atinge todas as classes sociais, mas seu uso acaba menos notado nas classes mais altas por causa das estruturasonabet v1 creamapoio disponível para essas pessoas.
"Costuma haver mais suporte familiar,onabet v1 creamamigos. Por ter mais acesso à informação e maior escolaridade, essas pessoas também tendem a procurar ajuda antesonabet v1 creamir parar na rua", diz ele.
Os pacientes usuáriosonabet v1 creamcrack que o hospital recebe, segundo Kanomata,onabet v1 creamgeral são atendidos por conta das consequência clínicas do abuso da substância. "Têm problemas respiratórios, dores inespecíficas pelo corpo, arritmia, infarto. É muito comum também quadros psicóticos induzidos pela substância", diz ele.
A Casaonabet v1 creamSaúde São Joãoonabet v1 creamDeus, na zona oesteonabet v1 creamSP, atende pacientesonabet v1 creamdiferentes classes sociais. O custeio do tratamento pode ser feito pela família do dependente ou por meioonabet v1 creamconvênio particular ou do SUS. As mensalidades do tratamento para particulares custamonabet v1 creamtornoonabet v1 creamR$ 5 mil.
"O crack atinge todas as classes, todas as profissões. Já tratamos professores universitários, empresários, advogados, artistas. Tive (um paciente que era) médico neurologista", diz Vanessa Cavalcante, diretora do hospital.
"A cracolândia é a faceta mais visível do problema porque ali estão as pessoasonabet v1 creammaior situaçãoonabet v1 creamvulnerabilidade. Ali tem uma conjunçãoonabet v1 creamfatores, não é só a droga, são questões sociais, psicológicas, políticas,onabet v1 creamsaúde", diz ela.
De acordo com uma pesquisa da Fiocruzonabet v1 cream2013 - uma das mais recentes com cobertura nacional -, a médiaonabet v1 creamtempoonabet v1 creamuso entre dependentesonabet v1 creamcrack éonabet v1 cream8 anos.
Cavalcante diz que o efeito é muito individual —algumas pessoas sustentam o vício durante anos. "Para outras, basta dois ou três usos antesonabet v1 creamatingir o fundo do poço", conta.
Segredo corrosivo
"É um tabu, um estigma, você não conta para ninguém", diz G., que é historiador e professor. "Minha namorada acha até hoje que meus problemas eram com cocaína. Nunca disse para ela que era crack."
Filhoonabet v1 creamum oficial militar, G. mudou várias vezesonabet v1 creamcidade enquanto cresciaonabet v1 creamfunção do trabalho do pai. Em São Paulo, experimentou crack algumas vezes quando estava na faculdade, no fim dos anos 1980. "Nessa época ainda não se falava tanto dos efeitos,onabet v1 creamcomo ele te destrói". Usuárioonabet v1 creamálcool e maconha, ficou longe da droga nos anosonabet v1 creamque morou com a famíliaonabet v1 creamBrasília - o crack ainda não havia se espalhado pelo Brasil.
A volta à capital paulista, nos anos 1990, também representou o retorno à pedra. "Eu tenho tendência ao vício, sempre tive, sempre abusei. Um dia fui na biqueira comprar maconha e não tinha. Mas me ofereceram crack, eu tava tendo criseonabet v1 creamabstinência, precisavaonabet v1 creamalguma coisa. Daí foi ladeira abaixo", conta ele.
Como era professor concursado, demorou para perder o emprego. "Eu saía do trabalho e passava na biqueira. Chegavaonabet v1 creamcasa e fumava uma pedra atrás da outra, até o dia seguinte, quando tinha que saironabet v1 creamnovo."
Depois começou a faltar às aulas - chegou a ficar três dias trancadoonabet v1 creamcasaonabet v1 creamuso contínuo, só saía para comprar mais pedras. Quando finalmente foi demitido, passou a vender tudo o que tinha. "Uma vez fuionabet v1 creammoto e o dono da boca quis comprá-la. Me deu uns R$ 5 milonabet v1 creamdinheiro e R$ 3 milonabet v1 creampedras. Depois que a droga acabou, voltei lá gastei o resto do dinheiroonabet v1 creampedra também", diz.
Seus pais o internaram diversas vezes e o levaramonabet v1 creamvolta para Brasília. Depois do tratamento, ele melhorava por um tempo. "Eu ficava sóbrio, arrumava emprego para tentar recomeçar. Mas eram uns bicos que pagavam muito mal. Ficava deprimido com aquela vida e acabava voltando a usar".
Em umaonabet v1 creamsuas recaídas, fugiuonabet v1 creamcasa e morou um tempo na rua. "Cheguei a roubar e me prostituir, mas me sentia muito mal. Então o que eu mais fazia era catar latinha", conta.
Depoisonabet v1 creamquase duas décadasonabet v1 creamesforços, conseguiu melhorar quando, durante um anoonabet v1 creamsobriedade, começou um relacionamento sério e passouonabet v1 creamum concurso para professor.
Chegou a recair depois, mas a namorada — que até hoje não sabe que ele usava crack — o ajudou com a reduçãoonabet v1 creamdanos. "Eu substitui o crack por maconha. Ajudou. Porque, por pior que seja, permitia que eu tivesse uma vida funcional", diz ele. Era a companheira que conseguia maconha para G. "Eu não queria ir comprar porque sabia que, se eu fosse, voltaria com uma pedra."
"Até hoje eu tenho vontade, mas resisto, porque hoje tenho muito o que perder. O mais difícil quando você está no fundo do poço é ter esperançaonabet v1 creamque é possível sair do buraco. Tem um momentoonabet v1 creamque você não tem mais nada, é um caminhoonabet v1 creammorte. Não tem porque você se esforçar para sair porque não têm para o que voltar. Então gostoonabet v1 creamcontar minha história para que as pessoas vejam que é possível melhorar, é possível recuperar uma parte daonabet v1 creamvida", afirma.
O pesquisador Dartiu Xavier corrobora o pensamentoonabet v1 creamG. Para o especialista, não basta tratar apenas o vício, mas o motivo que levou a pessoa àquela situação: "Se você não descobrir a questãoonabet v1 creamfundoonabet v1 creamcada indivíduo e tratar isso, ele vai ficar tendo recaídas".
Na experiência clínicaonabet v1 creamPablo Roig, uma sérieonabet v1 creammotivações são elencadas pelos pacientes para justificar o usoonabet v1 creamcrack: há quem comeceonabet v1 creammaneira recreativa, os que tentam superar uma tragédia familiar, uma morte ou separação, aqueles que lutam contra a depressão e a ansiedade. "Muita gente já tem um histórico familiaronabet v1 creamabusoonabet v1 creamsubstâncias, usava drogas na adolescência. Isso afeta o desenvolvimento do cérebro e deixa a pessoa suscetível a querer um prazer imediato e não pensar nas consequências", diz o especialista.
Feridas públicas
"As pessoas acham que é drogaonabet v1 creampobre, mas meu pai começou a usar nos Estados Unidos, com artistas", diz Isabella Lemosonabet v1 creamMoraes. Filha do empresário João Flávio Lemosonabet v1 creamMoraes, ela lida até hoje com as marcas que o vício do pai deixou na família.
João Flávio era um dos homens mais ricos do Brasil nos anos 1980, à frente do grupo Supergasbras. Era amigoonabet v1 creamRoberto Carlos, foi capaonabet v1 creamrevistas e se mudou para os Estados Unidos por ter recebido ameaçasonabet v1 creamsequestros. Lá fez amizade com artistasonabet v1 creamBeverly Hills e começou a usar crack.
Muita coisa mudou na vidaonabet v1 creamIsabella desde que ela escreveu o livro Agora é Viver,onabet v1 cream2013, contando as dificuldades pelas quais passou.
"Hojeonabet v1 creamdia minha família tem mais coragemonabet v1 creamse expor,onabet v1 creamprocurar ajuda. Minha irmã tem menos vergonhaonabet v1 creamfalar que é uma adictaonabet v1 creamrecuperação", conta ela, que nunca se envolveu com nenhum entorpecente.
A irmã, Daniela, tinha 14 anos quando pegou um cachimbo que o pai havia deixado largado e começou usar crack. Relatos sobre a situação da família começaram a se espalhar.
"As pessoas imaginavam que era pior do que realmente era. Como meu pai usava drogas com a minha irmã, as pessoas imaginavam que poderia ter tido algum tipoonabet v1 creamabuso sexual, o que não aconteceu", diz ela. "Mas teve muita coisa ruim".
Entre os episódios mais tristes, Isabella rememora a vezonabet v1 creamque o pai chegou a apontar uma arma para as filhas durante uma crise.
Até hoje Isabella mantém uma relação difícil com o pai "Não sei se ele está sóbrio ou não, porque evito ficar muito próxima. Quem convive com um dependente químico fica doente também, porque você passa a organizar toda aonabet v1 creamvidaonabet v1 creamacordo com a necessidade. É o que a gente chamaonabet v1 creamcodependência", explica ela, que teve anoxeria e bulimiaonabet v1 creamdecorrência dos problemas familiares. "Até hoje eu luto para superar a codependência."
Medo da morte
Ex-funcionário público, J. trata seu vício na Casaonabet v1 creamSaúde São Joãoonabet v1 creamDeus. Ele já se internou no hospital maisonabet v1 creamvinte vezes.
"Casei cedo e não soube levar o relacionamento. Comecei a beber muito para lidar com coisas que sóbrio eu não conseguia", diz ele, tentando conter o tremor nas mãos.
O alcoolismo se transformouonabet v1 creamum vícioonabet v1 creamcocaína. Quando J. começou a usar crack, já tinha tido uma overdose por cheirar maisonabet v1 cream20 gramasonabet v1 creamuma vez.
"Depoisonabet v1 creamir pro hospital aumentei o uso, mas não tinha mais acesso tão fácil pois tinha separado da minha namorada, que me fornecia. A cocaína não prestava, não prestava (não dava a mesma sensação), aí eu peguei o crack", conta.
J. vendeu boa parteonabet v1 creamsuas coisas para sustentar o vício, mas não ficou na rua porque morava com a mãe. "Vi amigos meus morrerem usando crack, na minha frente. Vi a pessoa começar a tremer, tremer, sair sangue do olho, nariz, boca,onabet v1 creamtudo quanto é orifício que você pode imaginar", diz J.
Certa vez,onabet v1 creamuma criseonabet v1 creamabstinência, socou uma portaonabet v1 creamvidro. Os cacos rasgaram seu braço e cortaram os tendões. "Me disseram que ficou pendurado, mas eu não vi porque desmaiei. Quase perdi o braço, só agora recuperei os movimentos, e não foi totalmente."
Nos dez anosonabet v1 creamque ficou indo e voltandoonabet v1 creaminternações, a motivação para procurar tratamento foi sempre a mesma: medoonabet v1 creammorrer. "Acontece que medoonabet v1 creammorrer faz você começar o tratamento, mas não continuar. Para continuar precisa ter vontadeonabet v1 creamviver", diz.