'Acham que a gente é lixo': a rede invisívelzebet usecatadores que processa tudo o que é recicladozebet useSP:zebet use
"Não existe reciclagem no Brasil sem o trabalho dos catadores", diz a pesquisadora Fernanda Lira, do Ipea (Institutozebet usePesquisas Aplicadas). "São eles que reinserem o material no ciclozebet useprodução, transformando o que é considerado lixozebet usemercadoria novamente."
Batalhas diárias
As condições dos carroceiros e catadores, no entanto, são muitos desiguais, já que a maior parte deles não participazebet usecooperativas, segundo o sociólogo Daniel Carvalho, da consultoria Cicla Brasil.
Ricardo era um deles. Ele trabalhavazebet usePinheiros quando se envolveuzebet useuma discussão dentrozebet useuma loja. A polícia foi chamada e carroceiro, que tinha um pedaçozebet usemadeira na mão, levou três tiros. Testemunhas depois acusaram os policiaiszebet useameaçá-las para apagarem registros da ação.
A Secretariazebet useSegurança pública diz que os dois policiais envolvidos na ocorrência foram afastados da rua e que a investigação do caso está sendo acompanhada pela Corregedoria da Polícia.
A maioria dos carroceiros trabalha individualmente, carregando até 400 kgzebet usecarga e vendendo o material a preços baixíssimos para revendedores. "A maior parte dos trabalhadores estázebet usesituaçãozebet usefragilidade, sem registro formal e sem nenhum tipozebet useproteção trabalhista ou do poder público", diz a especialista do Ipea.
Além disso, existem dezenaszebet usecooperativas que não possuem convênio com a prefeitura.
Cleiton Emboava,zebet use34 anos, trabalhazebet useuma dessas entidades. Sua associação, a Nova Glicério, corre o riscozebet useser despejada pela prefeitura do espaço que ocupa na avenida do Estado.
"Estamos ali há quase dez anos. Temos máquinas, equipamentos que foram investimento da prefeiturazebet useoutras gestões. Aízebet usemaio vieram uns fiscais querendo lacrar tudo e lavar as carroças", diz Cleiton, que é da terceira geraçãozebet useuma famíliazebet usecarroceiros.
Seu pai, Arivaldo,zebet use54 anos, trabalhou com carroças a vida toda e conseguiu comprar, há alguns anos, uma caminhonete, graças ao aumento na renda gerado pelo trabalho na associação.
A prefeitura regional da Sé diz que as duas associações localizadas na parte inferior do Viaduto do Glicério não possuem cadastro na prefeitura "por não possuírem imóvel regular para o exercício da atividade". Diz que está "em diálogo com os representantes para verificar espaços públicos disponíveis para a mudança, bem como a manutenção da segurança dos trabalhadores".
O peso do papel dos catadores e carroceiros na reciclagem do lixo é significativo no país inteiro. Segundo um estudo do Institutozebet useEnergia e Ambiente da Universidadezebet useSão Paulo (USP) publicado no mês passado, eles são responsáveis por quase metade da coleta seletiva no Brasil.
Eles recolhem 43,5% do volume totalzebet userecicláveis dentro dos sistemaszebet usecoleta seletiva municipal — são o principal agentezebet usecoleta, já que as prefeituras recolhem 18,7% do total e as empresas, 37,8%. Em cidadeszebet useaté 100 mil habitantes, os catadores são responsáveis por uma fatia ainda maior: 60,1%,zebet useacordo com o mesmo estudo.
Pela dificuldadezebet usecoletar esses dados, é possível que os números sejam até maiores. Relatórios recentes do Institutozebet usePesquisas Aplicadas (Ipea) citam dados do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre) que apontam que 90% do material reciclado no Brasilzebet use2011 passava pelas mãos dos catadores.
O Brasil recicla apenas 13% do totalzebet useresíduos sólidos que produz, segundo o Cempre. Cercazebet use85% dos brasileiros não têm acesso à coleta seletiva — ela só atinge 31 milhõeszebet usepessoas, 15% da população.
Agentes ambientais
O paulista Gabriel Ortega dos Santos,zebet use32 anos, é um dos 20 mil catadores que o Movimento Nacional dos Catadoreszebet useRecicláveis (MNCR ) estima existiremzebet useSão Paulo. No Brasil, esse número varia entre 400 e 600 mil, segundo o Ipea. Destes, cercazebet use30,3 mil estãozebet usecooperativas e associações.
Gabriel começou a trabalhar com recicláveis há 22 anos, catando latinhas com um tio. Depois, ele passou a conciliar a atividade com a vendazebet useágua e, quandozebet usebarraca foi confiscada pela prefeitura, comprou duas carroças.
Moradorzebet usePinheiros, bairro nobre da capital paulista, ele está acostumado a explicar para os vizinhos que deixam material com ele as diferenças entre o que pode e o que não pode ser reaproveitado. "Tem que falar o que dá para usar. Tem ferro, alumínio, papelão. Não são todos os plásticos. Latinhas precisam estar limpas: se tiver bitucazebet usecigarro dentro, por exemplo, já atrapalha", explica.
"Acham que carroceiro é burro, mas a verdade é que a gente faz um trabalhozebet usebase. Estamos salvando golfinhos, salvando florestas", diz Gabriel, que tem o primeiro grau completo.
De acordo com a pesquisadora Fernanda Lira, essa funçãozebet use"agente ambiental" informal é o segundo fator, além da coleta seletiva, no qual os catadores geram grandes impactos. "Eles que iniciam o debate, pressionam e ensinam para a gente que aquilo que achávamos que era lixo, na verdade é uma mercadoria com valor", afirma.
Cadeia produtiva
Segundo Fernanda Lira, do Ipea, esses trabalhadores também são essenciais no setorzebet uselogística reversa, ou seja, ozebet usefluxozebet useprodutos e embalagens na cadeiazebet useprodução. Desde que o Plano Nacionalzebet useResíduos Sólidos entrouzebet usevigor, a responsabilidade pelo lixo passou a ser individual — as empresas precisam cuidar do descartezebet useseus resíduos.
Muitos carroceiros acabam fazendo esse serviço — e sem ganhar por isso, desonerando as empresas e as prefeituras. "Porque os catadores não recebem? Quando é uma empresazebet usecoleta, elas recebem", questiona Claudio Luiz dos Santos, defensor da Defensoria Pública da União que coordena um grupozebet usetrabalho sobre catadores e catadoras.
"É um grupo que reconhecidamente presta um serviçozebet usenatureza pública. Embora muitas vezes precisemzebet useajudazebet usequestões administrativas, eles têm expertise na coleta, conhecem a minúcia desse processo", afirma o defensor.
"As pessoas não valorizam, é tratado como se fosse a obrigação. É tratado como caridade: 'estou te dando, você vai vender e o que vier é lucro'", diz Lira. "No entanto, se não fosse o catador, essa empresa teria que pagar."
Riscos
"Apesarzebet useprestarem um serviço público, há toda uma negação dazebet useimportância, que vem não só do Estado, mas da sociedade", diz Fernanda Lira. "Eles sofrem preconceito, são estigmatizados e excluídos. A informalidade gera uma dificuldadezebet useacesso a direitos trabalhistas, ao reconhecimento pela administração pública e se torna mais grave quando se consideram as condiçõeszebet userisco para a saúde", afirma.
O carroceiro Rubens Cesário Gomez, 58, que vemzebet useOsasco para São Paulo todos os dias há 14 anos, já cortou as mãos centenaszebet usevez e, para evitar ficar doente, não trabalhazebet usediaszebet usechuva. "Quando chove não dá para trabalhar. Se eu ficar doente não dá nem para comprar remédio", diz ele.
É interpelado por João Edinaldo Simões, outro carroceiro. "E você não comezebet usediazebet usechuva, não? Esse aí tá bem, pode se dar ao luxozebet usenão trabalhar quando chove", brinca.
O Ministério do Trabalho considera a atividade como insalubrezebet usegrau máximo, já que eles estão submetidos ao calor, à umidade, aos ruídos, à chuva, ao riscozebet usequedas, atropelamentos, cortes, ao contato com ratos e moscas, à sobrecarga por levantamentozebet usepeso e a contaminações por materiais biológicos.
Discriminação
João diz que a maior dificuldade no trabalho, no entanto, é a discriminação. "Muitas pessoas tratam mal, têm preconceito. Acho que tudo é lixo, que a gente é lixo. Mas na verdade isso aqui (e aponta para uma carroça cheia) é mercadoria, e o que estamos fazendo é ajudar a limpar a cidade", diz ele.
"Meu maior medo é ser atropelado na rua. Outro dia um motorista me deu uma pancada", diz Rubens.
Os trabalhadores são mais organizados no sudeste,zebet useacordo o último relatório do Ipea sobre a situação social dos catadores. Cercazebet use49% dos empreendimentoszebet useeconomia solidária no setorzebet usereciclagem ficam nessa região. A médiazebet useidade ézebet use39 anos e a maioria (66%) ézebet usenegros. As mulheres são 31% do setor, aponta o Ipea.
Mas a pesquisadora Fernanda Lira diz que a porcentagem na verdade é bem maior. "Nos censos, elas dizem que o catador é o marido, o filho, mas, na prática, elas também fazem o trabalho", afirma.
"São as verdadeiras guerreiras, têm que fazer dupla jornada, vários papéis", diz a catadora Valquiria Candido da Silva, 43, que tem quatro filhos. "Os homens querem ganhar mais, acham que são mais fortes. Mas as mulheres fazem os mesmos trabalhos, sem reclamar", diz ela, que trabalha na cooperativa Cooperpac, no Grajaú, zona sulzebet useSão Paulo.