O tabu do suicídio assistido no Brasil: morte digna ou crime contra a vida?:zerozero bwin

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Legenda da foto, Debate sobre o suicídio assistidozerozero bwincasozerozero bwindoenças terminais ou sofrimento extremo divide opiniões

O câncer obrigou Cony a fazer quimioterapia, o que enfraqueceu seus braços e pernas. Em 2013, levou um tombo na Feira dio Livrozerozero bwinFrankfurt, que gerou um coágulo no cérebro "do tamanhozerozero bwinuma maçã".

Hoje, Cony andazerozero bwincadeirazerozero bwinrodas, perdeu o movimento do lado direito do corpo e compara o apartamento onde vive, no bairro da Lagoa, zona sul do Riozerozero bwinJaneiro, a uma UTI. Por essas e outras, se diz solidário a quem cogita a hipótesezerozero bwinsuicídio assistido.

"Ninguém quer morrer sofrendo, chorando e gritando. Eu, pelo menos, não. Quero morrer numa boa", avisa.

Mas, para evitar abusos e mal-entendidos, ressalva, algumas premissas devem ser obedecidas. Uma delas é o paciente manifestarzerozero bwinvontade por escrito, com a concordânciazerozero bwintrês ou quatro membros da família.

Outra é o médico emitir um atestado comprovando que o paciente é terminal e o estado dele, irreversível.

"Há casoszerozero bwinque os remédios já não produzem mais efeito, a família gasta um dinheiro que não tem e, pior, o paciente não tem mais condiçõeszerozero bwinviver, sózerozero bwinsofrer. Se não há uma solução médica ou científica, o suicídio assistido é a saída mais humana que existe", afirma Cony.

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Legenda da foto, "Ninguém quer morrer sofrendo, chorando e gritando. Eu, pelo menos, não. Quero morrer numa boa", diz Carlos Heitor Cony

'Não quero que me mantenham vivo a qualquer preço'

O assunto, apesarzerozero bwinmacabro, como o próprio Cony admite, é recorrente.

Em outubro do ano passado, o ex-arcebispo sul-africano Desmond Tutu defendeu, na ocasiãozerozero bwinseu aniversáriozerozero bwin85 anos, o direito ao suicídio assistido ao pedir que, no fimzerozero bwinsua vida, seja tratado com compaixão.

"Por que tantos são obrigados a suportar terríveis sofrimentos contrazerozero bwinvontade?", indagouzerozero bwinartigo publicado no jornal americano The Washington Post. "Não quero que me mantenham vivo a qualquer preço", afirmou o Nobel da Paz, que há 20 anos luta contra um câncerzerozero bwinpróstata.

Desmond Tutu não é o único adepto da morte digna e indolor. Em junhozerozero bwin2015, durante entrevista à BBC Brasil, o físico britânico Stephen Hawking, 73, afirmou que, caso se tornasse um fardo para as pessoas ao seu redor ou se não tivesse "mais nada a contribuir", consideraria a hipótesezerozero bwindar cabo da própria vida.

"Manter alguém vivo contrazerozero bwinvontade é a derradeira indignidade", declarou Hawking, que desde os 21 anos sofrezerozero bwinEsclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença degenerativa e incurável que ataca os neurônios responsáveis pelos movimentos do corpo e provoca perdazerozero bwincontrole muscular.

'O prolongamentozerozero bwinuma vida sem qualidade pode ser considerado um crime!'

No Brasil, o tema já inspirou, alémzerozero bwinalgumas crônicaszerozero bwinCony, o romance A Mãe Eterna - Morrer É um Direito, da psicanalista e escritora Betty Milan.

Nele, a narradora fala da dificuldadezerozero bwinpassar da condiçãozerozero bwinfilha para mão da mãe. A certa altura, ela se pergunta até quando a vida deve ser prolongada e questiona a obsessão terapêutica do médico, que procura vencer a morte a todo custo.

"O suicídio assistido é um benefício sempre que a pessoa expressa claramente seu desejozerozero bwinir embora ou porque está sofrendo, como no casozerozero bwinDesmond Tutu, ou por considerar que cumpriuzerozero bwinmissão na Terra, como Stephen Hawking", diz Betty, que buscou inspiração na própria história e nazerozero bwinsua mãe para escrever o livro.

Dona Rosa, hoje com 99 anos, anda com dificuldade, escuta pouco e enxerga mal.

"Para certas pessoas, o envelhecimento é insuportável e o fim da vida deve ser humanizado. Se nós tivermos certezazerozero bwinque vamos ser ajudados a morrer, viveremos muito melhor. O prolongamentozerozero bwinuma vida sem qualidade pode ser considerado um crime", afirma a escritora.

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Legenda da foto, ''O suicídio assistido é um benefício sempre que a pessoa expressa claramente seu desejozerozero bwinir embora ou porque está sofrendo', diz Betty Milan

'Viver com dignidade. Morrer com dignidade'

Apenas alguns poucos países, como Holanda, Suíça e Bélgica, autorizam a prática. A Holanda se tornou o primeiro a descriminalizar o suicídio assistido,zerozero bwin2002. Lá, é preciso que a doença seja incurável e que o paciente esteja "lúcido e consciente" ao pedir ajuda para morrer.

A Suíça é o único país do mundo onde um estrangeiro pode se matar com a ajudazerozero bwinterceiros. Para tanto, precisa desembolsar cercazerozero bwin4.400 francos suíços - o equivalente a R$ 13.200, fora as despesas com hotel, traslado e passagem aérea.

Desde 1998, quando foi fundada, até 2014, a associação Dignitas, o mais famoso centrozerozero bwinsuicídio assistido da Suíça, já ajudou maiszerozero bwin1.700 doentes terminais ou pacientes com doenças incuráveis e progressivas a terem uma morte rápida e indolor com uma dosezerozero bwin15 mgzerozero bwinuma substância letal misturada com 60 mlzerozero bwinágua.

O lema da instituição é "Viver com dignidade. Morrer com dignidade".

A legislação suíça permite o suicídio assistido desde que não seja por "motivos egoístas". Por exemplo: ajudar uma tia a morrer só para colocar as mãos emzerozero bwinfortuna. Já nos EUA, a decisão cabe a cada Estado. Atualmente, é permitidozerozero bwinapenas seis: Washington, Oregon, Vermont, Novo México, Montana e Califórnia.

O Brasil não tem legislação sobre o tema. Por meiozerozero bwinseu artigo 122, o Código Penal proíbe o atozerozero bwin"induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça". O crime é passívelzerozero bwinpenazerozero bwindois a seis anoszerozero bwinprisão quando o suicídio é consumado, ouzerozero bwinum a três, caso a tentativa resultezerozero bwinlesão corporal grave.

"Os que se opõem à prática sustentam ser dever do poder público preservar, a todo custo, a vida humana", analisa a advogada Mariazerozero bwinFátima Freirezerozero bwinSá, pesquisadora do Centrozerozero bwinEstudoszerozero bwinBiodireito (CEBID) e autora do livro Direitozerozero bwinMorrer - Eutanásia e Suicídio Assistido. "Muitas vezes, eventuais direitos do indivíduo estariam subordinados aos direitos do Estado. Para os que a defendem, o conceitozerozero bwinvida precisa ser repensado. Será que vida digna é aquela segundo a qual o indivíduo ainda se mantenha ligado a aparelhos, totalmente infeliz e dependente da boa vontade dos outros?"

Associação médica debaterá tema no Brasil

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Legenda da foto, "A vida não nos pertence. Não podemos concebê-la. Da mesma forma, uma vez perdida, não podemos recuperá-la. Somos administradoreszerozero bwinum dom recebido por Deus", defende Dom Antônio Augusto, bispo auxiliar do Riozerozero bwinJameiro

Procurada pela reportagem, a Associação Médica Brasileira (AMB) informou que não tem uma posição sobre o assunto. Mas adiantou que,zerozero bwinmarço, representantes da entidade vão se reunir com membros do Conselho Federalzerozero bwinMedicina (CFM) para debater o tema.

Desde 2006, o CFM procura disciplinar o usozerozero bwintratamentos fúteis (considerados inúteis)zerozero bwinpacientes na fase terminal da vida. Por meiozerozero bwinuma resolução, os médicos podem suspender o tratamento ou os procedimentos que estão prolongando a vida desse doente, se for o desejo dele, com o objetivozerozero bwinlhe abreviar a morte, sem sofrimento.

Na maioria dos casos, mantêm-se as medidas ordinárias, como as que visam reduzir a dor do paciente, e suspendem-se as extraordinárias ou as que estão dando suporte à vida.

"A ortotanásia (ou "morte correta") dá ao cidadão enfermo grave,zerozero bwincircunstânciaszerozero bwindoença terminal e irreversível, o direitozerozero bwinmorrer com dignidade, sem a obrigatoriedadezerozero bwinusozerozero bwinmeios desproporcionaiszerozero bwinrespeito azerozero bwinvontade", explica o médico Carlos Vital, presidente do CFM.

"Seu advento garante a humanização do processozerozero bwinmorte ao evitar prolongamentos irracionais e cruéis da vida do paciente", acrescenta ele.

'Uma coisa é matar. Outra é não conseguir impedir uma morte'

A posição do CFM é endossada pela Igreja Católica. O bispo auxiliar da Arquidiocese do Riozerozero bwinJaneiro, Dom Antônio Augusto Dias Duarte, explica que a vida é um domzerozero bwinDeus e, como tal, temos um poder relativo sobre ela.

"A vida não nos pertence. Não podemos concebê-la. Da mesma forma, uma vez perdida, não podemos recuperá-la. Somos administradoreszerozero bwinum dom recebido por Deus. Por essa razão, a Igreja recomenda às pessoas que não optem pelo suicídio assistido", explica Dom Antônio Augusto.

Ex-professor do Cursozerozero bwinPós-Graduaçãozerozero bwinBioética da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), Dom Augusto, que também é médico, lembra que,zerozero bwinseus últimos dias, o papa João Paulo 2º tomou a decisãozerozero bwinnão mais ir ao hospital para se submeter a meios desproporcionaiszerozero bwintratamento.

Na ocasião, a doença já tinha evoluídozerozero bwintal maneira que permanecer ligado aos aparelhos apenas prolongaria seu sofrimento físico e moral.

"No suicídio assistido, você mata a pessoa. Na ortotanásia, a exemplo do que aconteceu com o santo padre, você não consegue impedir a morte dela. São duas coisas completamente diferentes", enfatiza Dom Antônio.

Quanto a Carlos Heitor Cony, embora diga que, da vida, só espera a morte, ele já trabalhazerozero bwindois novos livros: Missa para o Papa Marcelo e Cinco Prudentes Virgens, ambos sem previsãozerozero bwinlançamento.

"No meu primeiro romance, já dizia que não queria morrer como negociante falido ou amante renegado. Quero morrer lúcido. Por isso, sigo trabalhando", justifica o escritor.