O professorbetsul loteriasAnatomia que promete 'vida após a vida' na busca por doaçãobetsul loteriascorpos:betsul loterias
O tema fúnebre não deixa o clima pesado. O que se vê é um bate-papo descontraído,betsul loteriasmeio a risos e muita curiosidade das mulheres decididas a doar seus corpos à Medicina.
Quem está ali para escutá-las é o professorbetsul loteriasanatomia da UFMG Humberto Alves. Há 16 anos, ele se dedica a obter corpos para o ensino da anatomia, dando esclarecimentos a quem opta por um fim diferente do cemitério ou do crematório.
Se hoje as entrevistas são leves, no início eram sérias e metódicas. Com a prática, o anatomista ficou mais seguro para prolongar a conversa, passando a se aprofundar nas razões para a doação e nas histórias das pessoas.
"A aproximação com o doador é fundamental. O simples preenchimentobetsul loteriasum formulário online, como acontece nos Estados Unidos, não é suficiente", defende o professor.
Formação
Nascido na cidade históricabetsul loteriasOuro Preto (MG) e com formação católica, Alves foi para a capital mineira estudar medicina nos anos 1970. Durante a graduação, interessou-se pelo estudo do corpo humano - fez treinamentobetsul loteriascirurgia e foi monitorbetsul loteriasanatomia.
O contato com outros estudantes, detalhando a eles as estruturas do corpo, contribuiu para que o jovem optasse pela carreira acadêmica.
Também pesou na escolha a convivência com um professor que valorizava a anatomia nas artes plásticas e o trabalhobetsul loteriasnomes como Leonardo Da Vinci e Michelangelo. "Isso fez com que eu admirasse a formabetsul loteriasuma maneira geral, não apenas a anatomia humana", conta.
Aos 28 anos, Alves tornou-se professorbetsul loteriasanatomia da UFMG. Hoje, aos 62, já são 34 anosbetsul loteriasdocência. Desde 2000, faz parte do Vida Após a Vida, programabetsul loteriasdoaçãobetsul loteriascorpos da Faculdadebetsul loteriasMedicina da UFMG.
Em 1999, uma senhora procurou a universidade para doar o corpo, com registrobetsul loteriascartório desse último desejo. O diretor da faculdade à época, Geraldo Brasileiro, concluiu que outras pessoas poderiam ter o mesmo interesse e criou o projeto, pioneiro no Brasil.
No início, eram oito professores, dos quais só restou Alves. Atualmente, o anatomista é coordenador do projeto e o único a conduzir as entrevistas com potenciais doadores.
Em buscabetsul loteriasdoadores
Na salabetsul loteriasespera para a conversa com o professor, as quatro mulheres já estão com a carteirinhabetsul loteriasdoador e o termobetsul loteriasdoação preenchido e assinadobetsul loteriasmãos. Uma delas comenta sobre a melhor maneirabetsul loteriasconservar o documento.
Durante a entrevista, Maria do Carmo Couto,betsul loterias56 anos, continua com o termobetsul loteriasmãos, virado para a frente, exibindo com orgulho a materializaçãobetsul loteriasuma decisão tomada há cinco anos.
Enquanto o professor esclarece as principais dúvidas e destaca que a doação ajuda indiretamente centenasbetsul loteriasestudantes, Couto expressa satisfação. "Imagina meu corpo sendo estudado do dedinho do pé até a cabeça. Isso é maravilhoso", exclama.
O professor Humberto Alves já entrevistou 580 pessoas entre as cercabetsul loterias780 cadastradas no programabetsul loteriasdoação.
Hoje, são 68 corpos disponíveis para estudo na faculdade, sendo que 30 ainda não foram dissecados. Ao todo, 320 estudantesbetsul loteriasMedicina trabalham com os corpos por semestre - uma médiabetsul loterias20 alunos por cadáver.
Antes do Vida Após a Vida, os poucos cadáveres que a faculdade recebia vinhambetsul loteriasduas fontes.
Uma eram instituições públicasbetsul loteriasensinobetsul loteriasSão Paulo e do Riobetsul loteriasJaneiro que cediam corpos excedentes ainda nos anos 1980. A parceria, contudo, enfraqueceu com o surgimentobetsul loteriasnovas faculdadesbetsul loteriasMedicina nesses Estados.
Outra opção era o Instituto Médico Legal, que fornecia corpos não reclamados. Mas, devido às condições precárias do IML, muitos chegavam jábetsul loteriasestadobetsul loteriasdecomposição. A questão policial também era um empecilho, pois não há cessão quando a morte é suspeita.
Importância
Ainda que existam recursos tecnológicos e modelosbetsul loterias3D do corpo humano, nada substitui o cadáver, afirma Alves. Tanto pela formabetsul loteriasaprendizado diferenciada que proporciona como pela humanização dos estudantes que, muitas vezes, tocam pela primeira vezbetsul loteriasum corpo sem vida.
"Os jovens, geralmente, entram na faculdade pensando que são imortais e aqui veem que não são", afirma o professor.
É o casobetsul loteriasum aluno que notou um anel no dedo do cadáver durante uma aula. "Ele disse que ali 'caiu a ficha', pois percebeu que aquela pessoa vivera como ele, mas teve um fim e se doou para ajudar outras pessoas", avalia Alves.
Há três anos, o professor decidiu que as entrevistas deixariambetsul loteriasser individuais e seriam feitas preferencialmentebetsul loteriasgrupo. A mudança, afirma ele, trouxe mais leveza ao processo, bem como identificação entre os participantes.
"A pessoa percebe que não está sozinha embetsul loteriasdecisão e se sente partebetsul loteriasum grupo especial. Quanto maior o grupo, mais vontade as pessoas têmbetsul loteriasdoar", diz.
No início, o projeto atendia sobretudo idosos, mas o númerobetsul loteriasjovens aumentou e hoje o perfil dos doadores é diverso.
Há quem se comprometa a entregar o corpo por gratidão ao atendimento médico recebidobetsul loteriasvida. Outros não gostambetsul loteriasenterro ou cremação. Medobetsul loteriasser enterrado vivo e até repulsa à ideiabetsul loteriaster o corpo deteriorado por vermes também aparecem nas conversas.
Quando essas razões são compartilhadas, surgem risos e brincadeiras, já que uns entendem os outros. A maioria chega decidida pela doação, tendo superado entraves culturais.
Mesmo com a decisão tomada, uma desconfiança peculiar costuma aparecer nas conversas: a possibilidadebetsul loteriasa morte ser aceleradabetsul loteriasforma proposital por meiobetsul loteriasalgo como um "chá da meia-noite".
Diz a lenda que, caso um doador precisebetsul loteriasatendimento no hospital da faculdade, um funcionário poderia ministrar o tal chá para que o corpo ficasse disponível para doação mais rapidamente.
Entre risos gerais, o professor garante que a história é falsa e deseja vida longa aos doadores.
Percurso da doação
Candidatos à doação procuram a Faculdadebetsul loteriasMedicina da UFMG e deixam contatos para agendamento da entrevista. Após esse processo, assinam um termobetsul loteriasdoação baseado na lei 8.501,betsul loterias1992, que garante que o corpo será utilizado apenas para finsbetsul loteriasestudo.
O cadastrado recebe a carteirinhabetsul loteriasdoador, com os telefones para familiares ligarem quando a morte acontecer.
"Parentes reconhecerem e estarembetsul loteriasacordo é fundamental", explica o professor, pois somente a assinatura do termo não garante que o cadáver seja levado para a unidade.
Da mesma forma, uma pessoa que não assinou o termobetsul loteriasdoação, mas deixou algum familiar cientebetsul loteriasque gostariabetsul loteriasdoar o corpo, não terá dificuldadebetsul loteriaster o corpo cedido para ensino, desde que a família procure a instituição.
Após a comunicação do óbito, um funcionário fica responsável pelo traslado e pela documentação.
No entanto, mesmo com tudo acordado entre doador, familiares e faculdade, situações inesperadas podem acontecer.
Houve um casobetsul loteriasum familiar que pediu o corpobetsul loteriasvolta. A doadora havia realizado os procedimentosbetsul loteriasvida para a doação. No dia da morte, os parentes assinaram o termobetsul loteriascessão e o cadáver foi levado para a faculdade.
Entretanto, um irmão que não estava no momento da assinatura reclamou o corpo dias depois. O pedido foi atendido sem objeção. "Quando os familiares decidem, não interferimos", diz Alves. Foi o único pedidobetsul loteriasdevolução na faculdade até o momento.
Velório simbólico
A orientação nos casosbetsul loteriasdoação é que ocorra um velório apenas simbólico, mais curto do que as cerimônias tradicionais, já que o corpo precisabetsul loteriaspreparo quase imediato para emprego adequadobetsul loteriaslaboratório. O local mais comum é o necrotério do hospital. Não há um tempo máximo para a despedida, mas geralmente ela durabetsul loteriasduas a quatro horas.
É raro, mas há parentes que optam pelo velório com caixão, flores e serviço funerário. Nesse caso, a despedida também é mais curta e a funerária não faz cortes ou alterações significativas no cadáver, apenas injeta uma substância conservante para impedir a decomposição.
Grande parte dos doadores prefere o velório simbólico para amenizar o desgaste emocional e financeiro dos familiares. Além disso, o professor deixa claro que, uma vez doado, é como se o corpo estivesse enterrado - o que significa que não pode ser visitado.
A religião não chega a ser determinante na decisão, diz Alves. O professor explica que pessoas que seguem a mesma religião podem ter pensamentos diferentes sobre a doação.
"Alguns católicos acham que é um gesto nobre, outros pensam que o corpo deve ser mantido íntegro. Já para os espíritas,betsul loteriasgeral, o corpo é apenas uma matéria e o que importa é o espírito", exemplifica Alves.
Um ponto que motiva questionamentos dos próprios doadores é o fatobetsul loteriasnão haver um túmulo que sirva como referência do morto para a família.
Nesse sentido há um projeto antigobetsul loteriascriar um mausoléubetsul loteriashomenagem àqueles que cederam o corpo voluntariamente, mas a ideia nunca saiu do papel por faltabetsul loteriasrecursos.
Enquanto isso, fragmentos retirados durante a dissecação dos cadáveres são enterrados no jazigo da Faculdadebetsul loteriasMedicinabetsul loteriasum cemitério da cidade. Ossos e órgãos permanecem no acervo do departamento.
Conservação e conhecimento
Ao chegar à faculdade, o corpo segue para o setorbetsul loteriasnecropsia, onde ficabetsul loteriasuma câmara fria, com temperaturasbetsul loterias4ºC a 6ºC. O sangue é substituído por uma substância conservante.
Após a preparação, o cadáver é mantido submersobetsul loteriasum tanquebetsul loteriasformol, o que impede seu ressecamento, até o momentobetsul loteriasser utilizado.
Os corpos usados nos laboratórios são retirados dos tanques na segunda-feira e recolhidosbetsul loteriasvolta na sexta-feira. O procedimento é feito com o corpo inteiro e partes isoladas.
O professor já dissecou corposbetsul loteriasdoadores que entrevistou. A última vez que isso ocorreu foi há dois anos. Como corpos que chegam não são usados imediatamente, há um intervalo entre a entrevista e a dissecação. Essa conversa foi, portanto, há uma década.
"Fico muito mais tranquilobetsul loteriastrabalhar com um corpo que conhecia porque sei que ele fez a escolhabetsul loteriasvir para cá", explica o docente.
"Senti uma certa tristeza", reconhece ele, "mas lembrei da conversabetsul loteriasque ele disse não querer dar trabalho aos familiares e que morava sozinho e isso me tranquilizou".
O professor não costuma mencionar isso aos doadores - apenas quando questionado -, mas também é um candidato à doação.
E enfrenta um desafio parecido com obetsul loteriasseus entrevistados: convencer os familiares - no caso dele, umabetsul loteriasespecial.
"(A decisão) foi facilmente aceita pelo meu filho, mas não pela minha mulher. Ela ainda fica reticente."
A mulher costuma evitar o assunto, enquanto Alves procura retomá-lobetsul loteriassituações triviais do dia a dia, como um café da manhã. "Não é que queira morrer logo, só quero que minha vontade seja respeitada quando chegar o momento."
Na entrevista com as doadoras, Maria do Carmo Generoso,betsul loterias50 anos, diz que não revelou para toda a família a decisão que acaboubetsul loteriasformalizar. "É uma decisão muito pessoal. Só meu filho e meu marido sabem", diz.
"Achei divino", afirma uma das participantes, que não quis ser identificada. Ela afirma que nunca gostou dos rituaisbetsul loteriasenterro e cremação, e que viu na doação uma alternativa. "Eu resolvi doar, mas tenho medo da morte. A vida é muito boa. A gente ama viver."