Agressõesaposta no bbb betanocasa, discriminação e riscoaposta no bbb betanomorte: os dramas das 'refugiadas' trans brasileiras:aposta no bbb betano
Não há dados oficiais sobre o fenômeno, mas a Immigration Equality, organização nos EUA que dá apoio ao público LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais)aposta no bbb betanopedidosaposta no bbb betanoasilo, trabalha hoje com 570 casos, o dobro do registradoaposta no bbb betano2013.
"Pedimos várias vezes ao governo para acompanhar o númeroaposta no bbb betanosolicitaçõesaposta no bbb betanoasilo feitas pela comunidade LGBT, mas ele não o faz, então, realmente só sabemos quantas pessoas nos pedem ajuda", diz Jackie Yodashkin, diretoraaposta no bbb betanoComunicação da Immigration Equality.
Mudança
Segundo advogados especialistasaposta no bbb betanodireitos LGBT, a migraçãoaposta no bbb betanobrasileiras transexuais para o exterior passou por uma mudança nas últimas décadas.
"Até os anos 1990, muitas travestis e transexuais iam para a Europa para se prostituir e isso acaba gerando uma associação preconceituosa porque sempre ligamos transexualidade à prostituição", disse à BBC Brasil Henrique Rabelloaposta no bbb betanoCarvalho, advogado e membro da Comissãoaposta no bbb betanoDireitos LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais) da OAB.
"Há um fundamento histórico e social nisso por conta do preconceito que enfrentam no mercadoaposta no bbb betanotrabalho e também da violência e bullying que sofrem na escola, o que as levam para a prostituição, o mercado que absorve essa população", explica. No entanto, nos últimos anos, a situação começou a mudar. "Eu acredito que esse movimentoaposta no bbb betanopessoas trans indo para fora sempre existiu, mas até meados dos anos 2000 era mais ligado à prostituição e nos últimos anos tem sido mais pela buscaaposta no bbb betanosair do país para ter uma vida mais segura", disse à BBC Brasil Thales Coimbra, advogado especializadoaposta no bbb betanodireitos LGBT.
Coimbra já prestou consultoria a maisaposta no bbb betano50 pessoas trans, tantoaposta no bbb betanoseu escritórioaposta no bbb betanoSão Paulo quanto na assessoria gratuita da USP para mudançaaposta no bbb betanonome e sexoaposta no bbb betanodocumentos, e, segundo ele, os relatosaposta no bbb betanoagressão são muito parecidos.
"Desde a infância é uma narrativaaposta no bbb betanosofrimento muito comum, quase um script: hostilidades dentroaposta no bbb betanocasa,aposta no bbb betanoagressões verbais a espancamento para elas se tornarem alguém que não são, bullying na escola, piadas e xingamentos, proibiçãoaposta no bbb betanousar o banheiro do gênero que se identificam, omissão da escola. O resultado é o esperado: abandono escolar", diz.
"A maioria das trans que hoje tem 20, 30 anos enfrentou essa narrativaaposta no bbb betanosair da escola, abandonar a casa dos pais ou serem expulsas e ir para a rua. Sobram quais oportunidades? Prostituição ou salãoaposta no bbb betanocabeleireiro, estereótipos marcados", acrescenta Coimbra.
Maus tratosaposta no bbb betanocasa e prostituição
A históriaaposta no bbb betanoSofia segue esse script. Ela nasceuaposta no bbb betanouma família com poucos recursosaposta no bbb betanouma cidade no interioraposta no bbb betanoSão Paulo. Quando pequena, via seu pai agredir fisicamente seu irmão mais velho, que também é trans, denominado menina na hora do nascimento.
Sofia conta que desde os seis anosaposta no bbb betanoidade demonstrava se identificar como menina, e não menino: brincavaaposta no bbb betanoboneca, queria andar com meninas e não gostavaaposta no bbb betanojogar futebol. Seu pai, que bebia muito, a chamavaaposta no bbb betano"viadinho" e brigava com a mãe por ela defender Sofia e o irmão. Sofia relatou que,aposta no bbb betanouma dessas brigas, a mãe teve uma parada cardíaca e morreu. Ela tinha apenas 10 anosaposta no bbb betanoidade.
O irmão mais velho saiuaposta no bbb betanocasa para valer e a vidaaposta no bbb betanoSofia ficou mais difícil, com agressões físicas e maus tratos constantes.
Quando tinha 16 anos, o pai morreuaposta no bbb betanodecorrênciaaposta no bbb betanouma falência no fígado e Sofia tentou buscar emprego emaposta no bbb betanopequena cidade natal. Ela conta que foi rejeitadaaposta no bbb betanotodas as tentativas - acabou indo moraraposta no bbb betanouma casa onde pagava o aluguel através da prostituição. "Foi o único meio que acheiaposta no bbb betanoviver minha vida pelo preconceitoaposta no bbb betanoninguém dar trabalho", disse à BBC Brasil.
Não apenas a violência como também a impunidade impulsionaram a decisãoaposta no bbb betanoSofiaaposta no bbb betanopedir asilo nos EUA. Ela diz ter decidido ir embora depoisaposta no bbb betanopassar por uma sérieaposta no bbb betanohumilhações por parteaposta no bbb betanopoliciais. "No Brasil, a gente morre e ninguém faz nada, somos uma a menos. Já tive casosaposta no bbb betanoter que reportar alguma coisa e o policial dar uma risadinha cínica e dizer que só vamos perder tempo", conta.
Ela pediu ajuda a um homem com quem estava se relacionando havia algum tempo e ele pagou por um cursoaposta no bbb betanoinglêsaposta no bbb betanoseis meses, visto, passagem e acomodação nos Estados Unidos.
Está desde 2014aposta no bbb betanoNova York e espera ter seu asilo concedidoaposta no bbb betanoaté dois anos. "Eu me sentia aterrorizada, saía pra me divertir ou trabalhar e não sabia se ia voltar. Via minhas amigas sendo espancadas, tinha que correraposta no bbb betanopessoas que queriam me bater por motivo nenhum. Já nem conseguia sairaposta no bbb betanocasaaposta no bbb betanotanto medo. Aqui eu não vejo ninguém rindoaposta no bbb betanomim ou tentando me agredir por ser quem eu sou", diz.
O pedidoaposta no bbb betanoasiloaposta no bbb betanoSofia foi realizado através da Immigration Equality, que já ajudou outras trans brasileiras antes, segundo o diretor da ONG, Aaron Morris. Ele disse que até hoje todos os casos assessorados pela organização tiveram êxito. "Temos uma boa taxaaposta no bbb betanosucesso porque a lei funciona a nosso favor. Nosso maior problema é o acúmulo, não temos juízes e advogados o suficiente. O tempoaposta no bbb betanoespera aqui se tornou insuportável para muitos, que precisam esperar dois ou três anos para ter uma resposta", disse Morris à BBC Brasil.
As medidas do governo
A Secretaria Especialaposta no bbb betanoDireitos Humanos, ligada ao Ministério da Justiça e Cidadania, disse trabalhar com medidas preventivas e repressivas para combater a violência contra a população LGBT.
"A secretaria dá visibilidade à violência e, à luz desse diagnóstico, busca respostas com políticas públicas adequadas", disse à BBC Brasil Flávia Piovesan, secretária especialaposta no bbb betanoDireitos Humanos.
Entre as medidas citadas pela secretária estão o Disque 100 - ouvidoria nacional que atende denúnciasaposta no bbb betanoviolaçõesaposta no bbb betanodireitos humanos pelo telefone -, o projetoaposta no bbb betanopremiaçãoaposta no bbb betanoboas práticasaposta no bbb betanodireitos humanos no sistema judiciário e o apoio à PEC 117/15, que desvincula perícia criminal das estruturas das polícias com o objetivoaposta no bbb betanocoibir o abuso policial.
De acordo com o último relatório do Disque 100, relativo a 2015, houve um aumentoaposta no bbb betano94%aposta no bbb betanodenúnciasaposta no bbb betanoviolações contra a comunidade LGBT entre 2014 e 2015, um saltoaposta no bbb betano1.024 para 1.983 ligações. Piovesan reitera, porém, que há diferentes interpretações para o número: não se sabe se as denúncias ou os casosaposta no bbb betanoviolência aumentaram. Mais da metade das denúncias, ou 53%, são casosaposta no bbb betanodiscriminação, 25%aposta no bbb betanoviolência psicológica, 11%aposta no bbb betanoagressões físicas e 2% outros.
Sem amparo legal
Apesaraposta no bbb betanoalguns avanços na área legal, como o casoaposta no bbb betanoNeon Cunha, a primeira mulher trans a conseguir mudar nome e gêneroaposta no bbb betanoseus documentos sem precisaraposta no bbb betanoatestado médico, atualmente, a nível nacional não há uma lei garantindo a transexuais o direitoaposta no bbb betanomudar seus registros oficiais. Segundo Coimbra, há apenas leis a nível estadual ou municipal que permitem a mudançaaposta no bbb betanodocumentos ou que criminalizem a transfobia (discriminação contra transexuais), mas menos da metade dos Estados brasileiros contam com uma legislação do tipo.
Geralmente, exige-se um diagnósticoaposta no bbb betanotranstornoaposta no bbb betanoidentidadeaposta no bbb betanogênero (como a Medicina entende a transexualidade, que é a não identificação com o gênero atribuído a alguém na hora do nascimento), algo que pode mudar com o precedente estabelecido por Cunhaaposta no bbb betanooutubro passado.
"Temos três formasaposta no bbb betanotrabalhar com diversidade sexual no Direito: reconhecimento, proteção e criminalização. O Brasil hoje nem reconhece nem protege, mas não criminaliza, como alguns países da Ásia", diz Carvalho.
"A transexualidade ainda é vista pela Organização Mundialaposta no bbb betanoSaúde como uma patologia e, sendo assim, a pessoa é vista como alguém que precisaaposta no bbb betanocuidados, nãoaposta no bbb betanodireitos", acrescentou.
Transexual, um sinônimoaposta no bbb betanotransgênero ou trans, é uma pessoa que não se identifica com o gênero determinado a ela no nascimento. Por exemplo, foi chamadoaposta no bbb betano"menino" e na verdade se identifica como mulher.
Fuga e casamento
Não há muitas organizações como a Immigration Equality no mundo e muitas pessoas trans saem do Brasil atravésaposta no bbb betanooutros métodos. Alex, por exemplo, apaixonou-se e casou com um homem português, conquistando o direitoaposta no bbb betanomoraraposta no bbb betanoPortugal oito anos atrás.
"Meu pai me batia, a única pessoa que me acolhia era a minha mãe. O resto era perseguição, violência, piadasaposta no bbb betanotodos os tipos vindoaposta no bbb betanodesconhecidos, parentes, amigos. Eu saí do Brasil para sobreviver e para ter alguma paz", disse à BBC Brasil.
Alex, 36 anos, nasceuaposta no bbb betanouma família humilde na periferiaaposta no bbb betanoCuritiba. Seu pai, que trabalhava como mecânico, não a aceitava, mas ela contou com a proteção da mãe, que nunca a deixou se prostituir e trabalhou para sustentar a filha.
A proteção da mãe não chegava às ruas, porém, onde ela foi perseguida e agredida por ser trans. "Já corri e me escondiaposta no bbb betanofarmácia, pedi para entraraposta no bbb betanoloja batendo na porta dizendo 'pelo amoraposta no bbb betanoDeus me deixa entrar que estão querendo me matar'", lembra.
Em uma ocasião, porém, ela não conseguiu fugir. Estava bebendo vinho com uma amiga no centroaposta no bbb betanoCuritiba quando dois homens se aproximaram para conversar. No meio do papo, um deles inesperadamente deu um soco no rostoaposta no bbb betanoAlex, que desmaiou na hora. Acordou no hospital horas depois, com o nariz quabrado e as roupas cobertasaposta no bbb betanosangue. Passou seis meses sem sairaposta no bbb betanocasa com depressão e síndrome do pânico.
"Conheço gente que levou facada pelas costas por estar fazendo programa, tenho amigas que estão se prostituindo e passam carros jogando pedra, urina, latasaposta no bbb betanocerveja...Ou batem mesmo, são massacradasaposta no bbb betanotodos os sentidos, estupradas. É um horror e é cotidianamente. Você fica marcada, eu entreiaposta no bbb betanodepressão porque eu tinha medoaposta no bbb betanoapanhar na rua", conta.
A situaçãoaposta no bbb betanoAlex mudou quando conheceu através do Orkut um homem português que a achou bonita e a convidou para viajar pela América Latina. Depoisaposta no bbb betanotrês anosaposta no bbb betanonamoro, Alex se mudou para Portugal com ele, mas teve que abdicar da nacionalidade brasileira porque, na época, o processoaposta no bbb betanoretificaçãoaposta no bbb betanonome e gênero demoraria muito tempo e ela precisava da cidadania portuguesa para se manter no país. Vive até hoje com seu marido alugando casas para turistas na região do Algarve.
Direitos e transexualidade
A faltaaposta no bbb betanoacesso a direitos básicos como ter um documentoaposta no bbb betanoacordo com seu gênero, proteção da lei e direitoaposta no bbb betanoir e vir livremente sem sofrer agressões verbais foi o que fez a artista Negroma a deixar o país, segundo ela. "Eu não tenho como viver meu gêneroaposta no bbb betanoforma livre e me assumir como trans se eu continuar lidando com issoaposta no bbb betanouma forma opressora no sexo, no convívio social, profissional, artístico", disse à BBC Brasil.
Negroma foi abandonada pela mãe ainda pequena. Seu pai a assumiu quando ela tinha 3 anos, mas, quando completou 15, ele a espancou e expulsouaposta no bbb betanocasa ao descobrir que o "filho" era gay.
"Em menosaposta no bbb betano10 minutos, eu passeiaposta no bbb betanoum jovem que vivia numa famíliaaposta no bbb betanoinícioaposta no bbb betanoclasse média a ser um moradoraposta no bbb betanorua", lembra. Depoisaposta no bbb betanomorar algumas semanas na rua, Negroma encontrou abrigoaposta no bbb betanoum salãoaposta no bbb betanobeleza onde passou a trabalhar.
Quando completou 18 anos, foi cursar Artes Cênicas na Universidade Federalaposta no bbb betanoSanta Catarina (UFSC),aposta no bbb betanoFlorianópolis, uma oportunidade que lhe abriu portas para exploraraposta no bbb betanoidentidadeaposta no bbb betanogênero mais a fundo através do teatro. Apresentou suas performancesaposta no bbb betanomúsica e dança pelo Brasil e,aposta no bbb betano2014, foi contemplada com um prêmio do Ministério da Cultura, que financiou a realizaçãoaposta no bbb betanoum projeto artísticoaposta no bbb betanoBerlim.
'Não pensoaposta no bbb betanovoltar'
Lá ela conheceu Sanni, outra mulher trans brasileira que foi à Alemanhaaposta no bbb betanobuscaaposta no bbb betanouma liberdade maioraposta no bbb betanogênero. Naturalaposta no bbb betanoOlinda, filhaaposta no bbb betanouma mãe lésbica e introduzida à cena gayaposta no bbb betanoPernambuco desde pequena, ainda assim, Sanni não conseguia achar o seu lugar no Brasil.
"A minha ignorância era tanta que antesaposta no bbb betanosair do Brasil eu não conseguia nem me conceber como mulher. Eu achava que ou eu nascia mulher ou seria uma travesti que ia sempre morrer na praia e ser motivoaposta no bbb betanopiada para todo mundo", conta.
Há dez anos, Sanni se casou com um alemão e conseguiuaposta no bbb betanocidadania. Depoisaposta no bbb betanotrês anos na Alemanha, iniciou o processoaposta no bbb betanotransiçãoaposta no bbb betanogênero com terapia hormonal e cirurgia para redesignação sexual.
Aos 28 anos, ela trabalha hoje como música, DJ e modeloaposta no bbb betanoBerlim, muitas vezes tocando projetos sobreaposta no bbb betanoidentidade como mulher trans brasileira e imigrante. Mas não pensaaposta no bbb betanovoltar.
"Eu vejo a possibilidadeaposta no bbb betanomorar como cidadã no Brasil como uma redução da minha pessoa, sei que eu seria sempre estigmatizada, que algumas pessoas não conseguiriam ver além disso", diz.
Privilégio
É o mesmo motivo que fez Negroma retornar à capital alemã para ficar. Um ano depoisaposta no bbb betanoterminar seu projeto, voltou ao Brasil eaposta no bbb betanodez horas diz ter sofrido cinco agressões, desde olharesaposta no bbb betanoreprovação até xingamentos.
"Desde que saí do aeroporto, várias coisas aconteceram na minha cara, como xingamentos, a forma como a pessoa te trata, como identificaaposta no bbb betanopresença no espaço, coisas que aqui não acontecem por gênero, mas por causa da minha raça. No Brasil, eu sei que é porque eu sou uma criatura 'anormal' àquele espaço", diz.
No entanto, Negroma reconhece que seu "refúgio" - ela não pediu refúgio à Alemanha oficialmente, mas consideraaposta no bbb betanomudança uma espécieaposta no bbb betanofuga - é também um privilégio.
"Existe uma migração dentro do Brasil,aposta no bbb betanomudaraposta no bbb betanocomunidade. O que mais me preocupa é quando o refugiado não consegue sair daaposta no bbb betanocomunidade ou do país, quando ele não consegue ser um refugiado. Se existe um refugiado, é porque existe essa violência", afirma.