É absurdo ver vitóriablaze crash siteTrump como retrocesso, diz Mangabeira Unger:blaze crash site

Mangabeira durante evento no Brasil

Crédito, Ag. Brasil

Legenda da foto, Brasil também tem maioria trabalhadora "abandonada", diz Mangabeira Unger

Apesar dos paralelos, o professor, que deu aula para o atual presidente americano, Barack Obama, não faz previsões sobre o surgimentoblaze crash siteum "aventureiro" como Donald Trump nas eleiçõesblaze crash site2018.

Ele apoia uma possível candidatura do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) que, espera, seja um outro tipoblaze crash siteoutsider - um rebelde contrário à linha dominante, que traga um novo rumo para o país.

Para Unger, após a derrocada do nacional-consumismo dos governos petistas, o Brasil vive sem um projeto nacional. O modelo ideal, diz, seria um "produtivismo includente", que incentive e qualifique a produção, gerando igualdade a partir do trabalho.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

blaze crash site BBC Brasil - Grande parte da imprensa internacional e dos intelectuais descreve a vitóriablaze crash siteTrump como um retrocesso. O senhor concorda?

blaze crash site Roberto Mangabeira Unger - Isso é absurdo. Muito disso vem da Europa, que está agora afundadablaze crash siteum completo retrocesso. Eles, que abandonaram qualquer tentativablaze crash siteconstruir (uma opção viável), estão chamando issoblaze crash siteretrocesso?

blaze crash site BBC Brasil - Se não é retrocesso, como encarar a vitória do republicano?

blaze crash site Mangabeira - Em resumo, a eleiçãoblaze crash siteTrump é a rebeldia da maioria trabalhadora branca do país contra seu abandono. Aí a crítica é: Trump não é uma resposta adequada.

Masblaze crash sitepolítica tudo tem a ver com as alternativas. Então, o que é melhor? Continuar com essa ortodoxia conservadora do Partido Democrata ou virar a mesa? Essas são as alternativas reais da política real.

A partir dessa reviravoltablaze crash siteWashington, os americanos devem buscar uma resposta mais adequada e séria para o problema que a eleiçãoblaze crash siteTrump revela.

Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Para Mangabeira, eleiçãoblaze crash siteTrump reflete rebeldia da maioria trabalhadora contra seu abandono

blaze crash site BBC Brasil - Que elementos explicamblaze crash siteeleição? Que problemas ela revela?

blaze crash site Mangabeira - A base essencial da eleiçãoblaze crash siteTrump foi o grande vazio criado na política americana, há meio século, pelo abandono dos interesses da maioria trabalhadora branca do país.

O Partido Democrata substituiu o projeto do New Deal (sérieblaze crash siteprogramas implementados entre 1933 e 1937 pelo democrata Franklin Roosevelt para reformar a economia americana) por concessões aos interesses das minorias e pela representação da visãoblaze crash sitemundo da classe que mora nos subúrbios ricos.

Diante disso, o Partido Republicano construiu uma fórmula exitosa. Ele fez concessões materiais para a classe endinheirada, como baixar os impostos, e concessões às preocupações morais da maioria pobreblaze crash sitetemas como, por exemplo, o aborto.

Portanto, criou-se um grande vazio na política americana, que pedia um outsider.

blaze crash site BBC Brasil - Apoiadoresblaze crash siteTrump argumentam que muitos americanos não se sentem representados pelos partidos Democrata e Republicano. O resultado também tem a ver com a faltablaze crash siterepresentatividade da política tradicional?

blaze crash site Mangabeira - Não é questãoblaze crash sitese sentir ou não se sentir representado, é a verdade dos fatos.

O projeto que estava no poder não atendia aos interesses da maioria trabalhadora e lhes dava como compensação que pelo menos ela não seria ofendidablaze crash sitesuas convicções morais e religiosas.

Era algo como "vamos abandoná-los, mas evitaremos que suas crenças sejam excessivamente ofendidas".

Em algum momento, isso deixoublaze crash siteser suficiente e criou a oportunidade que um aventureiro aproveitou. Se não fosse Trump, seria outro.

Havia, e há, uma base frágil na política americana, porque a maioria está abandonadablaze crash siteseus interesses. Homenagear negros, mulheres e latinos é muito bom, mas não substitui o problema essencial, que é a faltablaze crash siteoportunidades e capacitações para a maioria do país.

blaze crash site BBC Brasil - Em meio a uma crise política e econômica, esse vazio também está presente no Brasil?

blaze crash site Mangabeira - É uma situação análoga à do Brasil. Os brasileiros não têm razão para considerar esse acontecimento tão absurdo e incompreensível. O Brasil é o país do mundo mais parecido com os Estados Unidos.

Como eles, nosso atributo mais importante é a vitalidade, hoje encarnada numa pequena burguesia empreendedora e numa massablaze crash sitetrabalhadores pobres que vêm atrás dela.

A tragédia dos dois (países) é negar oportunidades à maioria, que é cheiablaze crash siteenergia, mas sem condiçõesblaze crash sitetransformá-lablaze crash siteação fecunda.

Na nossa realidade, o formato desse enigma foi ter confiado num projeto baseado na massificação do consumo e na produção e exportaçãoblaze crash sitecommodities. Enquanto a mineração e a pecuária pagavam as contas, funcionou. Quando deixaramblaze crash sitepagar, ruiu.

Na discussão brasileira, os dois substitutos são as agendas (anticorrupção) da Polícia Federal e do conserto das contas públicas. É isso que serveblaze crash sitesubstituto para um projeto nacional que não existe. Também há um grande vazio na política brasileira, embora com outra feição e origens. Mas o resultado é semelhante.

Mangabeira Unger durante evento no Brasil

Crédito, Ag. Brasil

Legenda da foto, Apesarblaze crash sitese considerarblaze crash siteesquerda, o filósofo diz que, se fosse inglês, teria votado pelo Brexit

blaze crash site BBC Brasil - O Brasil pode esperar um "aventureiro" como Trump nas eleiçõesblaze crash site2018?

blaze crash site Mangabeira - Vamos ter dois projetos (de candidatura). Um (situacionista), que diz que é só disciplinar o gasto público, ter a gestão empresarial do Estado, mas que não vai resolver o problema.

Temos que ter outro projeto, que proponha um novo rumo para o país. Apoio a candidaturablaze crash siteCiro Gomes e vou trabalhar para desenvolver o conteúdo desse projeto alternativo.

blaze crash site BBC Brasil - Que tipoblaze crash siteprojeto precisaríamos ter?

blaze crash site Mangabeira - Não pode ser a continuação do nacional-consumismo. Tem que ser um projeto focado nos interesses da produção e do trabalho.

Temos que ter um projetoblaze crash sitequalificação da nossa produção e dos trabalhadores na agricultura, serviços e indústria. Isso exige uma relação colaborativa entre governo e empresas, sobretudo as pequenas e médias.

blaze crash site BBC Brasil - Se,blaze crash site2018, uma candidatura oferecer esse projeto, podemos descartar um blaze crash site outsider blaze crash site ?

blaze crash site Mangabeira - Outsider pode significar um aventureiro, que busca se aproveitar da circunstância. Mas também pode significar alguém que é um rebelde contra a linha dominante.

Nesse segundo sentido, quero que a candidaturablaze crash siteCiro Gomes seja ablaze crash siteum outsider.

Quanto mais tivermos outsiders no segundo sentido, menor a chanceblaze crash sitetermos outsiders no primeiro. O outsider aventureiro surge e prospera na medidablaze crash siteque não existe o rebelde.

Se você me pedir para fazer apostas se vai haver um outsider ruim ou não, não me interesso. Fazer previsões é um pecado.

blaze crash site BBC Brasil - Se Brasil e Estados Unidos estãoblaze crash sitesituações análogas, que tipoblaze crash sitediálogo pode haver entre eles?

blaze crash site Mangabeira - Especificamente na relação com os Estados Unidos, temos uma grande oportunidade agora.

Hoje temos uma dependência completa dos Estados Unidosblaze crash sitematériablaze crash sitedefesa eblaze crash sitesegurança. O Brasil é objetivamente um protetorado dos americanos.

O grupo dominante no Partido Democrata aderia à doutrina do imperialismo liberal, tinha uma visão fixa da América Latina, na qual o nosso papel era ser uma linha auxiliar dos Estados Unidosblaze crash sitetudo, inclusive na defesa.

Já Trump volta-se para os problemas internos. Com relação à América Latina, fora a problemática migratória, ele não tem posição fixa. Portanto, há um grande espaço.

Há um tensionamento com o México e temos interesseblaze crash sitevê-lo superado. Mas, ao analisar com frieza, devemos compreender que a tendência será buscar compensaçãoblaze crash siteoutro lugar da América Latina. E o lugar natural é o Brasil.

blaze crash site BBC Brasil - Após a eleição americana, traçam-se paralelos entre a vitóriablaze crash siteTrump, o Brexit e ascensãoblaze crash sitepartidos anti-imigração na Europa, como se houvesse uma reação conservadora e xenófoba a nível global. O senhor concorda com essa análise?

blaze crash site Mangabeira - Estão confundindo duas coisas. Existe uma reação contra os imigrantes na Europa, é verdade. E existe porque a União Europeia,blaze crash siteforma análoga ao que aconteceu nos Estados Unidos, tomou uma direção contrária aos interesses da maioria trabalhadora.

Eu não confundiria isso com Brexit. Se fosse inglês, teria votado pelo Brexit. E me considero um homemblaze crash siteesquerda.

Mangabeira ao ladoblaze crash siteDilma Rousseff

Crédito, Roberto Stuckert Filho/PR

Legenda da foto, Mangabeira já deu aulas para Barack Obamablaze crash siteHarvard, alémblaze crash siteter sido ministroblaze crash siteDilma e Lula

blaze crash site BBC Brasil - Por que as eleições americanas e o Brexit não dialogam?

blaze crash site Mangabeira - Pode haver uma intersecção, mas são coisas diferentes. Na União Europeia, as regras determinantes da ordem econômica e social são cada vez mais concentradas no centro. No centro formal, que é Bruxelas, e no centro real, que é Berlim. E o poderblaze crash sitedefinir os direitos sociais dos cidadãos é delegado às autoridades nacionais.

Deveria ser o oposto. A UE deveria ser assegurar mínimos sociais e educacionaisblaze crash sitetoda a Europa, e permitir que países como Portugal ou Grécia pudessem desenvolver novas estratégias econômicas.

Do jeito como é hoje, a Europa virou uma camisablaze crash siteforça. É natural que se rebelem os países, inclusive a Inglaterra. O Brexit não precisa ser compreendido apenas do pontoblaze crash sitevistablaze crash siteuma reação nativista. Ele tem outra justificativa.

Já o nativismo dentro da Europa prospera porque a social-democracia conservadora abandonou as maioriasblaze crash siteseus respectivos países, confundindo a representação da maioria com a representação daquilo que os marxistas chamamblaze crash sitearistocracia operária, as pequenas minorias organizadas. Isso sim é semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos.

blaze crash site BBC Brasil - Também é parecido ao que acontece no Brasil?

blaze crash site Mangabeira - Temos no Brasil 40% da população brasileira na economia informal. Na economia formal, uma parte crescente dos trabalhadores estáblaze crash sitesituaçãoblaze crash sitetrabalho precarizado. Se você somar os informais e os precarizados, é a maioria da forçablaze crash sitetrabalho do país. Quem os representa? Qual é o projeto para organizar, proteger e qualificar essa maioria?

A esquerda tradicional não faz isso. Ela faz parte do corporativismo das minorias organizadas, que comandam o país.

Se você me disser que o outsider é aquele que se rebela contra esse corporativismo, quero esse outsider.

blaze crash site BBC Brasil - Podemos dizer, então, que nos EUA, na Europa e no Brasil as maiorias trabalhadoras se sentem abandonadas pela esquerda?

blaze crash site Mangabeira - Não há esquerda na Europa. O que há é a social-democracia conservadora, que abandonou qualquer tentativablaze crash sitereinventar o Estado ou a economia, e se satisfazblaze crash siteatenuar as desigualdades com programas sociais.

Não quero ver o Brasil repetir o erro trágico da esquerda europeia,blaze crash sitedemonizar a pequena burguesia que,blaze crash siteseguida, virou o sustentáculo dos movimentosblaze crash sitedireita. Isso não aconteceu agora, mas ao longo do século 20.

Há mais pequenos burgueses do que há proletários industriais. E a população tem aspirações que começam por serem burguesas: um pequeno negócio, uma casa, uma modesta prosperidade. Temos que vir ao encontro dessas aspirações e oferecer opções que possam torná-las mais generosas.