Como uma mãe indiana conseguiu a condenaçãobr betanoestuprador 'morto' da filhabr betano12 anos:br betano
Eles estavam ali para realizar um ritual fúnebre hindu. Os homens carregavam lenha, mas, estranhamente, não levavam um corpo.
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Fim do Matérias recomendadas
Quando eles chegaram ao campobr betanocremação, tudo ficou ainda mais bizarro.
Os homens construíram uma pira no solo e um deles deitou-se sobre ela, cobrindo-se com um manto branco, e fechou os olhos. O outro homem empilhou mais lenha sobre a pira, até que apenas a cabeça do primeiro ficasse visível fora da pilhabr betanomadeira.
Foram tiradas duas fotografias dessa cena. Não está claro quem tirou as fotos ou se mais uma pessoa estava presente.
O homem “morto” aparentemente era Niraj Modi, professorbr betanouma escola governamental no Estadobr betanoBihar, no norte da Índia. Ele tinha 39 anosbr betanoidade. O outro homem era seu pai, o magro agricultor Rajaram Modi, com pouco maisbr betano60 anos.
Rajaram Modi viajou então com um advogado até um tribunal, a cercabr betano100 kmbr betanodistância, e prestou uma declaração jurada e assinada, dizendo que seu filho Niraj havia morrido no dia 27br betanofevereiro, na casa deles na aldeia. Ele também forneceu duas fotografias da cremação e recibos da lenha comprada para o ritual como comprovação.
Tudo ocorreu 60 dias depois que a polícia apresentou acusaçõesbr betanoestupro contra Niraj Modi. Ele foi acusadobr betanoestuprar uma meninabr betano12 anosbr betanoidade, que erabr betanoaluna,br betanooutubrobr betano2018.
A menina havia sido atacada quando estava sozinhabr betanouma plantaçãobr betanocana-de-açúcar e seu estuprador afirmava que havia filmado o ataque e iria publicar o vídeo online.
Modi havia sido preso pouco depois que a mãe da menina apresentou queixa à polícia, mas foi solto sob fiança, depoisbr betanopassar dois meses na prisão.
O caso mudou rapidamente depois da “morte”br betanoNiraj Modi no ano passado. Dois meses depois da informação prestada ao tribunal pelo seu pai, as autoridades locais emitiram seu atestadobr betanoóbito. E,br betanomaio, o tribunal deu o processo por encerrado, já que o “único acusado do caso” estava morto.
Apenas uma pessoa suspeitou que o professor tivesse forjadobr betanoprópria morte e passado a esconder-se para evitar a condenação – a mãe da menina, uma mulher frágil que moravabr betanouma cabana na mesma aldeia da família Modi.
A busca da verdade
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Episódios
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“Desde o momentobr betanoque fiquei sabendo da mortebr betanoNiraj Modi, eu sabia que era mentira. Eu sabia que ele estava vivo”, disse a mãe quando a encontrei recentemente.
Setebr betanocada 10 mortes na Índia ocorrem nas cercabr betano700 mil aldeias do país. Nessas aldeias, muito mais pessoas morrembr betanocasa do que nas grandes cidades.
Uma leibr betano54 anos atrás exige o registro obrigatório dos dadosbr betanonascimentos e mortes, mas não as causas das mortes.
Quando uma pessoa morrebr betanouma aldeiabr betanoBihar, um familiar do falecido precisa apresentar seu número exclusivobr betanoidentidade biométrica e obter as assinaturasbr betanocinco moradores da aldeia, que servembr betanotestemunhas do óbito.
Os papéis precisam então ser encaminhados ao panchayat local ou ao conselho da aldeia. Seus membros, incluindo um oficialbr betanoregistro local, examinam os documentos e, se tudo estiverbr betanoordem, emitem uma certidãobr betanoóbitobr betanoaté uma semana.
“Nossas aldeias são densas e fortemente unidas. Todo mundo conhece todo mundo. Uma morte nunca passa despercebida ou deixabr betanoser comentada”, afirma o advogado da vítima, Jai Karan Gupta.
Rajaram Modi havia apresentado as assinaturas e númerosbr betanoidentidade biométricabr betanocinco moradores locais e a declaração dizendo que seu filho estava morto. E ele recebeu o atestadobr betanoóbito do filho.
O documento não mencionava a causa da morte. O recibo da loja que vendeu a lenha dizia que a morte foi causada por “doença”.
Em maiobr betano2022, a mãe ficou sabendo por um advogado que o processo contra Niraj Modi foi encerrado porque ele havia morrido.
“Mas por que ninguém ficou sabendo da morte do professor? Por que não foram feitos rituais depois da morte? Por que ninguém falava sobre a morte?”, ela pergunta.
A mãe conta que saiubr betanocasabr betanocasa, perguntando às pessoas se Niraj Modi havia morrido. Ninguém havia tomado conhecimento da notícia.
Em seguida, ela foi ao tribunal com uma petição para investigar o caso, mas os juízes pediram evidências que comprovassem que o professor estava vivo.
Em meadosbr betanomaio, a mãe apresentou outra petição para uma autoridade local, afirmando que o conselho da aldeia havia emitido um atestadobr betanoóbito com basebr betanodocumentos falsos, o que deveria ser investigado. Esta petição acelerou o processo.
O agente ordenou uma investigação e informou o conselho da aldeia. Seus membros pediram a Rajaram Modi mais evidências sobre a morte do seu filho: fotos do “falecido após a morte, da cremação, da pira queimando, dos últimos rituais e [novas] declaraçõesbr betanocinco testemunhas”.
Os membros do conselho da aldeia visitaram cercabr betano250 residênciasbr betanomoradores locais. Ninguém parecia ter ouvido falar da mortebr betanoNiraj Modi.
Além disso, nenhum membro da família Modi havia raspadobr betanocabeçabr betanohomenagem ao falecido. Raspar a cabeça é uma tradição fúnebre hindu, normalmente reservada para a mortebr betanoum parente próximo.
“Os próprios parentesbr betanoNiraj Modi não sabiam dabr betanomorte, nem do seu paradeiro”, afirma o investigadorbr betanopolícia Rohit Kumar Paswan. “Eles diziam continuamente que, se tivesse ocorrido uma morte, os ritos finais teriam sido realizadosbr betanocasa.”
Os membros do conselho da aldeia questionaram novamente Rajaram Modi. Ele não havia fornecido novas evidências sobre a morte do seu filho.
“Fizemos a ele novas perguntas, mas ele não ofereceu respostas satisfatórias”, afirma o secretário do conselho, Dharmendra Kumar.
As investigações concluíram que Niraj Modi havia forjadobr betanomorte e que pai e filho falsificaram documentos para obter o atestadobr betanoóbito.
A polícia descobriu que o professor havia tomado os númerosbr betanoidentidade biométrica dos paisbr betanocinco dos seus alunos e falsificado suas assinaturas no papel para obter seu próprio atestadobr betanoóbito. Ele disse aos pais que precisava dos seus númerosbr betanoidentidade para obter bolsasbr betanoestudo para os alunos.
No dia 23br betanomaio, as autoridades cancelaram o atestadobr betanoóbitobr betanoNiraj Modi. A polícia prendeu seu pai e o acusoubr betanofalsificação.
“Eu nunca havia investigado um caso como este na minha carreira”, afirma Paswan. “O plano parecia perfeito, mas falhou.”
Em julho, a Justiça reabriu o caso, dizendo que havia sido “enganada e induzida ao erro” para que o acusado pudesse “escapar impune”.
A mãe, embr betanobatalha incansável para encontrar o professor, foi ao tribunal pedirbr betanoprisão.
Niraj Modi entregou-se à Justiçabr betanooutubro, nove meses depoisbr betanoter sido declarado morto. Ele se defendeu durante o julgamento, negando a acusaçãobr betanoestupro. Modi saiu do tribunal abatido e contido por uma corda.
Em janeirobr betano2023, a Justiça considerou Niraj Modi culpadobr betanoestuprar a menina e o condenou a 14 anosbr betanoprisão, alémbr betanoconceder uma indenizaçãobr betano300 mil rúpias (US$ 3.628, cercabr betanoR$ 18,7 mil) para a vítima.
O pai, Rajaram Modi, também está preso, acusadobr betanofraude e desonestidade. A pena máxima prevista ébr betanosete anosbr betanoprisão. Pai e filho enfrentam agora as acusações relativas ao atestadobr betanoóbito falso.
“Passei maisbr betanotrês anos viajando até o tribunal para ter certeza que o homem que atacou minha filha fosse punido”, afirma a mãe. “Até que, um dia, seu advogado me disse que ele estava morto. Como um homem poderia desaparecer no ar desta forma?”
“O advogado me disse que custaria muito dinheiro entrar com uma nova ação para provar que a morte foi forjada. Outros me disseram que o acusado sairia da cadeia e se vingaria”, ela conta.
“Eu não me importei com isso. Disse que conseguiria o dinheiro. Não tenho medo. Eu disse ao juiz e às autoridades: ‘descubram a verdade’.”
‘Vida paralisada’
Nós viajamos horasbr betanocarro,br betanoestradas esburacadas. Atravessamos esgotos a céu aberto, favelas, plantações amarelasbr betanomostarda e olarias fumegantes até chegarmos à caótica aldeia da vítima, bem no interiorbr betanoBihar, um dos Estados mais pobres da Índia.
Uma estreita rua pavimentada esgueirava-sebr betanoum labirintobr betanopequenas casasbr betanotijolos com antenas parabólicas nos telhados. A mãe morava com seus dois filhosbr betanoidade escolar e a filha,br betanoum pequeno cômodobr betanotijolos sem janela, com tetobr betanoestanho corrugado e telhas. Sua filha mais velha casou-se e moravabr betanooutro lugar.
O quarto escuro e sombrio abrigava poucos objetos: um berçobr betanomadeira e corda, um recipientebr betanoaço para guardar grãos, um fogãobr betanoargila enterrado no chão e um velho varal com roupas. A família não tinha terra para viver.
A aldeia tinha eletricidade e água encanada, mas não havia empregos, o que levou o pai da menina a migrar para outro Estado mais ao sul, a maisbr betano1.700 kmbr betanodistância. Lá, ele trabalhava como carregador e mandava dinheiro para casa.
Em 2019, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, anunciou que 100% das aldeias indianas declararam-se livresbr betanodefecação ao ar livre, após um extenso programabr betanoconstruçãobr betanobanheiros conduzido pelo governo. Mas muitas casas – incluindo a da mãe – ainda não tinham banheiro.
Por isso,br betanofilha havia ido até um campobr betanocana-de-açúcar nas proximidades para usá-lo como banheiro. Foi quando Niraj Modi caminhou até ela por trás, tampoubr betanoboca e a estuprou, segundo o juiz Kush Kumar no seu veredicto.
O juiz afirma que Modi também disse a ela que ficassebr betanosilêncio enquanto gravava um vídeo do ato, ameaçando tornar o vídeo viral.
Dez dias depois do ataque, a menina, assustada, contou o ocorrido àbr betanomãe, que foi à polícia. Nos dias que se seguiram, a filha forneceu provas. “Niraj Modi costumava me bater na escola”, disse ela à polícia.
A menina voltou à escola depois da prisãobr betanoModi, mas deixoubr betanoir quando ele saiu sob fiança. Ela já está fora da escola há quatro anos. Seus livros escolares foram vendidos para reciclagem do papel.
Pálida e nervosa, a menina agora passa a maior parte do tempo no quarto escuro.
“Sua vida como estudante acabou”, dizbr betanomãe. “Tenho muito medobr betanodeixá-la sairbr betanocasa. Espero que ela consiga se casar.”
Muitas perguntas seguem sem resposta. Como o conselho da aldeia emitiu a certidão sem verificar corretamente os documentos?
“Quando os questionei, mais tarde, eles disseram que cometeram um erro”, conta a mãe.
O professor Prabhat Jha, da Universidadebr betanoToronto, no Canadá, realizou um dos maiores estudos sobre mortalidade prematura do mundo. Ele afirma que o casobr betanoNiraj Modi é “muito incomum e raro”.
Segundo ele, “no nosso trabalho, não encontramos nenhum caso com este”. Jha refere-se ao seu ambicioso Estudobr betanoUm Milhãobr betanoÓbitos na Índia.
“As transgressões, muito provavelmente, são raras e precisaríamos ter mais cuidado ao estabelecer novas restrições ou barreiras ao atestadobr betanoóbito, pois elas podem piorar as coisas”, afirma o professor.
O motivo é que, à medida que mais mulheres do que homens, e mais pobres do que ricos, tiverem suas mortes e registros médicos não contabilizados na Índia, ficará mais difícil transferir ativos e realizar outros esforços, o que “provavelmente contribui para as armadilhas da pobreza”.
De volta à casa na aldeia, parece que a vida se resolveu para a mãe, depoisbr betanofases combativas e estoicas, repletasbr betanoansiedade.
“Eu pressionei a aldeia e as autoridades para que descobrissem a verdade”, relembra a mãe. “Estou satisfeita porque o homem que violentou minha menina e deixou uma cicatriz na vida dela está na cadeia.”
“Mas a vida da minha filha ficou paralisada. O que irá acontecer com ela?”