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Livro que ensina criança a se protegerbwin bet loginviolência sexual é abraçado por conservadores e progressistas no Brasil dividido:bwin bet login
A legenda diz: "Pessoasbwin bet loginquem confio podem tocarbwin bet loginmim, mas não nas minhas partes íntimas".
Outra figura mostra uma mulher colocando uma toalhabwin bet loginvolta do corpobwin bet loginuma menina. Ao lado, vê-se uma banheira. A legenda diz: Posso precisarbwin bet loginajuda para ir ao banheiro tomar banho e trocarbwin bet loginroupa.
Mais adiante, outra figura mostra uma menina entrando por uma porta. Com ar ressabiado, ela olha para um homem atrás dela.
Perigo, diz a legenda. Tenho cuidado se alguém quer entrar no banheiro, me chama para brincarbwin bet loginmédico ou passa a mão no meu corpo.
Apontando para uma das figuras, a mãe diz:
"Está vendo aqui, filha? Ninguém pode tocar nas suas partes íntimas."
E virando a página:
"E se alguém quiser entrar no banheiro, que nem está aqui nessa figura, você não deixa."
A menina, uma adolescente com Síndromebwin bet loginDown, tem dificuldadebwin bet loginfala. Com esforço, ela diz:
"Não pode? Papai faz."
"Faz o quê?", pergunta a mãe. "Mostra aqui no livro."
Voltando para a primeira página, onde se vê uma meninabwin bet loginbiquíni, com um "X" vermelho sobre a região genital, a menina aponta para a figura e diz:
"Ele põe a mão aqui."
Apreensiva, a mãe pede:
"É mesmo, filha? Me mostra como ele faz."
bwin bet login FIM DA CENA 1
Os nomes e outros dados pessoais foram omitidos, mas uma conversa muito parecida com essa realmente aconteceu. Foi assim que a mãe dessa adolescente descobriu que a filha estava sendo abusada sexualmente pelo padrasto.
O abuso pôde ser identificado graças a um livro fininho, com muitas ilustrações e pouco texto, que está se tornando um poderoso instrumentobwin bet loginprevenção ou, onde ela já ocorre,bwin bet logindetecção da violência contra crianças, inclusive a sexual.
Outro feito notável da revistinha, intitulada Eu Me Protejo, ébwin bet loginaceitação por comunidades religiosas normalmente avessas a esse tipobwin bet logintemática. E também por políticos conservadores e progressistas, entre eles, a ministra do Planejamento e Orçamento Simone Tebet, a deputada Celina Leão (PP), vice-governadora do Distrito Federal, o senador Romário (PL), a senadora Leila do Vôlei (PDT) e o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida.
Em dezembrobwin bet login2022, Eu Me Protejo foi ganhador do prêmio Pátria Voluntária, concedido por Michele Bolsonaro e pelo antigo ministério da senadora Damares Alves (PR), o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Nessa reportagem, as autoras do livro, a jornalista Patrícia Almeida e a psicóloga Neusa Maria da Costa Ribeiro apresentam a cartilha e explicam como ela funciona. Com exemplos, também revelam como o abuso acontece -bwin bet loginsegredo e, na maioria dos casos, dentro da família.
Finalmente, fazem um apelo ao poder público:
"Eu vou lá, descubro a violência, a cartilha tem meiosbwin bet logindescobrir. Mas depois, o que vou fazer com essas crianças, com esses adolescentes, com essas famílias? Se não tenho uma redebwin bet loginapoio para tirar a criança das garras do abusador?", pergunta Neusa Maria.
Como é a cartilha 'Eu Me Protejo'?
O desenho dispensa explicações. Em primeiro plano, a palmabwin bet loginuma mão aberta, um gesto universal que quase grita: "Pare!". A mão,bwin bet loginprimeiro plano, parece gigantebwin bet logincontraste combwin bet logindona, parada logo atrás e olhando direto para você, as sobrancelhas arqueadas sobre os olhos zangados. A menina, com vestidinho curto e cabelo afro, não está para brincadeira.
"Esse é o gesto que a gente ensina as crianças a fazerem, porque tem criança inclusive que não fala, então a gente ensina a botar a mão na frente - sai pra lá!", diz Patrícia Almeida à BBC News Brasil, comentando a ilustração na capabwin bet loginEu Me Protejo.
"É inacreditável, mas 32 anos depois da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a gente ainda não foi capazbwin bet loginensinar às crianças que o corpo é delas", diz Patrícia.
Mãebwin bet loginuma adolescente que tem Síndromebwin bet loginDown, a jornalista há muito se perguntava como melhor preparar a filha para enfrentar os desafios que viriam com a puberdade e a se proteger dos riscosbwin bet loginabuso sexual e outras violências.
"É um problema muito maior do que imaginamos", diz.
"Se você é cega, surda, se você não fala, se você tem uma deficiência intelectual, você é muito mais vulnerável."
"E se você precisabwin bet loginajuda para ir ao banheiro, até onde vai o cuidado e onde começa o abuso?"
Quando a filha entrou na adolescência, Patrícia entendeu que precisava fazer alguma coisa. A menina era totalmente ingênua, despreparada para conviver com outros adolescentes, ela conta.
"Tive a ideiabwin bet loginfazer o Eu Me Protejo."
"Basicamente, são ilustrações e textos curtos dizendo, 'essas são as partes do seu corpo, o corpo tem partes que são íntimas, ninguém pode tocar nas suas partes íntimas, se alguém quiser tocar nas suas partes íntimas, fale com alguémbwin bet loginconfiança'."
Ferramenta didática
Patrícia conta que, um dia, apresentou o livrobwin bet loginuma palestra no Distrito Federal para familiaresbwin bet loginpessoas com deficiência.
"Aí, uma psicóloga com maisbwin bet loginvinte anosbwin bet loginexperiência trabalhando com violência doméstica me falou, 'nunca vi uma coisa tão fácilbwin bet loginentender'."
A jornalista tinha feito o livro para a filha, mas se deu contabwin bet loginque nenhuma criança estava tendo acesso àquele conteúdo.
Começa, então, uma parceria entre Patrícia Almeida e a psicóloga especializadabwin bet loginatender crianças Neusa Maria.
Neusa passa a utilizar a revistinha como ferramenta nos atendimentos e palestras que oferece a crianças e famíliasbwin bet logininstituiçõesbwin bet loginassistência, igrejas e escolas. Aos poucos, as próprias escolas começam a adotar a cartilha como instrumento didático.
"É difícil para o professor falar sobre certos assuntos”, comenta Neusabwin bet loginentrevista à BBC News Brasil.
"Então, veio a cartilha Eu Me Protejo para instrumentalizar o professor para ensinar com livro, com música, com jogos", diz.
"Ali tem uma forma lúdicabwin bet loginensinar a criança a se proteger da violência."
Mais adiante, veremos como a versão original da cartilha foi transformada com ajuda das próprias comunidades para que pudesse ser aceitabwin bet loginespaços onde, até então, esse assunto era proibido.
Mas antes, Neusa mostra, com dois exemplos, como a cartilha trabalha para identificar o abuso.
O caso da menina com Down
Segundo dados do Anuário Brasileirobwin bet loginSegurança Públicabwin bet login2022, 75,5% das vítimasbwin bet loginestupro no Brasil são vulneráveis (crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazesbwin bet loginconsentir).
E 76,5% dos estupros acontecem dentrobwin bet logincasa. 82,5% dos abusadores são conhecidos da vítima (pais, padrastos, irmãos, primos, avós ou outros parentes).
Um dado ainda mais preocupante, 10,5% dos vulneráveis estuprados eram criançasbwin bet login0 a 4 anos, 19,5% tinham entre cinco e nove anos e 31% tinham entre 10 e 13 anos.
"Sabemos que isso acontece, mas até a gente ter o Eu Me Protejo, não tínhamos como chegar (ao problema)", diz Neusa.
"A nossa sociedade vai legitimando a violência sexual como um carinho."
O caso da adolescente cuja história abre essa reportagem ilustra bem esse ponto.
Neusa conta que a mãe da criança veio conversar com ela após uma oficina.
"Eu estava explicando como os pais devem ensinar a criança a tomar banho", lembra.
Ela ressalta que um dos objetivosbwin bet loginEu Me Protejo é incentivar a autonomia e dar protagonismo à criança. "EU me protejo", ela diz, enfatizando a palavra "eu".
"Mas a mãe me relatou que o padrasto da criança era muito cuidadoso, tinha muito ciúme, amava muito a criança."
"Ele dizia que a menina não conseguia se limpar direito e que podia pegar alguma infecção."
Neusa conta que achou aquilo estranho. A menina tinha Síndromebwin bet loginDown, mas já era uma adolescente. O natural seria que o padrasto encorajasse a menina a ser mais independente, aconselhou Neusa.
"A mãe ficou atenta", lembra a psicóloga. "Ela levou o livro para casa para ler com a filha."
E descobriu que o marido estava na verdade usando a deficiência da enteada como um subterfúgio. Seu objetivo era abusar dela.
"Não era amor, era abuso", diz Neusa.
A adolescente nessa história tinha dificuldadebwin bet loginfala por causa da Síndromebwin bet loginDown. As ilustrações da cartilha permitiram que ela se comunicassebwin bet loginoutra maneira.
A menina emudecera, mas apontava insistentemente para uma figura
No caso a seguir, veremos como o livro permitiu que uma criança pequena que não tinha deficiência pedisse socorro.
bwin bet login CENA 2
Na salabwin bet loginatendimento, psicóloga e meninabwin bet login4 anos folheiam juntas um livro. Apesarbwin bet loginsaber falar, a criança se mantém calada há vários meses.
A menina aponta para uma figura mostrando uma criança sentada no colobwin bet loginum homem.
"Quem é essa aqui?", pergunta a psicóloga. "E esse?"
Mas a menina não responde, apenas aponta insistentemente.
Intrigada, a psicóloga convida a criança a desenhar. Ela observa que,bwin bet logintodos os desenhos, figuras humanas, adultos e crianças, aparecem curvadas.
Dias depois, a menina chega ao atendimento com febre e pequenas feridas na boca. Exames revelam que a criança tem uma doença sexualmente transmissível.
bwin bet login FIM DA CENA 2
Novamente, dados pessoais foram omitidos ou alterados para proteger a privacidade da criança. Uma situação muito parecida com a descrita acima, no entanto, realmente aconteceu.
"Ela falava pouco, não porque não conseguia falar. Havia se calado. Isso são aspectos psicológicos da violência pela qual passava", explica a psicóloga.
A equipe demorou para entender o que a criança estava tentando dizer, mas depois tudo ficou claro.
A criança no colo do homem era ela. E o homem, seu padrasto.
"Ela contou que ele a colocava no colo e ela sentia algo duro, espetando."
E as figuras curvadas nos desenhos também eram uma referência ao que ela vivia.
"Ela fazia sexo oral (no padrasto) e achava que aquilo era normal, então desenhava todo mundo curvado porque achava que todo mundo fazia", relata a psicóloga.
Quando trabalha a cartilha com famílias, Neusa explica que pais não devem forçar a criança a beijar, abraçar ou sentar no colobwin bet loginadultos.
"A criança é tão espontânea. Se ela quiser, vai cumprimentar esse adulto."
Neusa ensina os pais a ficar atentos.
"O abusador vai observar a criança para cometer a violência. Mas nós vamos, com a ajuda da cartilha, observar a criança para evitar a violência", diz.
"Então, se eu observar,bwin bet loginuma festinha, que uma criançabwin bet logincinco anos que normalmente não fica no colo está no colo desse adulto, eu vou dizer, 'olha, aqui é conversabwin bet loginadulto, criança têm que ficar com criança, então vai brincar'."
Como contar à sociedade uma história que ela não quer ouvir?
Especialistas ressaltam que o índicebwin bet loginsubnotificação do abuso sexualbwin bet logincrianças é altíssimo.
Somente os casos mais graves, onde médicos, policiais ou equipesbwin bet loginassistência são envolvidos, entram nas estatísticas.
Dados sobre violência sexual contra crianças e adolescentes com deficiência são ainda mais escassos, diz Patrícia.
"Na delegacia, se você sofre estupro, não tem lugar no boletimbwin bet loginocorrência para você indicar que a pessoa tem deficiência."
Mas um estudo global publicadobwin bet loginmarçobwin bet login2022 pela revista científica The Lancet Child and Adolescent Health nos oferece uma pista.
A pesquisa, com 17 milhõesbwin bet loginmenoresbwin bet login25 países, envolvendo equipesbwin bet loginuniversidades na Grã-Bretanha, Estados Unidos e China, concluiu que, no mundo, umabwin bet logincada três crianças (com idades entre 0 e 18 anos) com deficiência foram alvobwin bet loginviolência - física, sexual, emocional ou negligência -bwin bet loginsuas vidas.
Quando uniram forças embwin bet loginmissãobwin bet loginprevenir e detectar o abuso sexual infantil no Brasil, Patrícia e Neusa sabiam que seu grande desafio era contar aos brasileiros uma história que ninguém quer ouvir.
Então, pediram ajuda a diversos profissionais dentro e fora do Brasil. Entre eles, pediatras, psicólogos, assistentes sociais, policiais, uma delegada e advogados.
Crucialmente, elas explicam, decidiram pedir ajuda também para a própria população.
Sem causar ofensa - A transformação da cartilha Eu Me Protejo
Neusa conta que quando viu pela primeira vez o livrinho que Patrícia tinha feito para a filha, percebeu imediatamente o potencial daquilo - mas sabia que seriam necessárias algumas mudanças.
É que nas comunidades onde trabalha, falarbwin bet logincertos assuntos é proibido. E falar deles com crianças, impensável, explica.
Então, nas mãos da psicóloga, a cartilha vai ter seu conteúdo transformado, delicadamente negociadobwin bet loginum processobwin bet logindiálogo contínuo com a população que ela atende.
Por exemplo, na versão original havia desenhosbwin bet logincrianças sem roupa.
"Os pais ficaram indignados", ela lembra. "'Doutora Neusa, isso aqui não dá. Que absurdo é esse?', diziam."
A terminologia também tevebwin bet loginser alterada. Sai o termo "educação sexual".
"Muita gente pensa que isso quer dizer ensinar a criança a fazer sexo", diz Neusa.
"Ninguém aceitou. Os padres não aceitaram, as igrejas (evangélicas) não aceitaram. Então, a gente falabwin bet loginviolência sem falarbwin bet loginsexualidade, nem sexo, e sem mostrar corpos nus."
Esse processobwin bet loginconsulta ao público chama-se validação. Para as autoras, a chave que permitiu a entradabwin bet loginEu Me Protejo nesses ambientes.
"Na validação a gente pergunta, a pessoa conseguiu entender? A imagem está fácilbwin bet loginentender? Ou está ofensiva?", explica Patrícia.
Muitos talvez se incomodem com a ideiabwin bet loginque a imagembwin bet loginuma criança nua seja ofensiva.
"É mais importante proteger as criancas do que botar a criança pelada na capa", pondera a jornalista.
Pedidobwin bet loginsocorro
Em seus depoimentos, Patrícia e Neusa expressam total confiança na ferramenta que criaram. Mas também deixam claro que só isso não basta.
"Não aguento mais sair com essa cartilha e descobrir coisas", diz Neusa.
"Posso te falar da minha angústia porque estou na linhabwin bet loginfrente. Vou para a periferia, faço o atendimento, identifico o abuso."
"Em quatro anos do projeto, nunca vi ação efetiva e concreta onde, após identificarmos o abuso por meio da cartilha, a redebwin bet loginapoio conseguiu proporcionar para essa criança uma garantiabwin bet logindireito", diz Neusa, a voz revelando grande emoção.
"Sei o que precisa ser feito, mas sei que, na maioria dos casos, a criança vai continuar inserida na situaçãobwin bet loginviolência."
Diante desse cenário sem esperança, a repórter se desculpa, mas faz a pergunta que talvez esteja na mentebwin bet loginmuitos leitores:
Se a criança continua a sofrer nas garras do abusador,bwin bet loginque vale ela saber que está sendo abusada?
"Você me pergunta, é melhor ela não saber? É melhor saber", responde.
"Porque se eu sei, eu tenhobwin bet loginpensarbwin bet loginalguma estratégia para sair. E eu sei que aquela responsabilidade não é mais minha, aquela culpa eu não vou carregar sozinha."
Ela prossegue:
"Mesmo sendo crianca, ela começa a identificar esses processos. Porque até então, ela sofria duas vezes.
Sofria a violência e sofria pela culpa da violência."
"E quando ela tem alguém na escuta, você precisa ver a diferença que faz, poder falar sobre isso."
"Saber, e falar, também é bom para a psicóloga, para a jornalista e a sociedade", diz Neusa Maria.
"Ninguém vai passar incólume por essa entrevista."
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