Papa Francisco: A guerra subterrânea entre conservadores e progressistas na Igreja Católica:bet 77 bonus

Nos últimos meses, Francisco mexeu algumas peças no tabuleiro e, ao que parece, vem preferindo fazer valer o seu poder,bet 77 bonusvezbet 77 bonusseguir na "convivência um tanto hipócrita".

Em 11bet 77 bonusnovembro, ele demitiu do posto o então bispobet 77 bonusTyler, no Texas, Joseph Strickland.

Duas semanas depois, veio à público outra decisão do papa no sentidobet 77 bonuspunir um opositor, também do clero americano:bet 77 bonusuma decisão sem precedentes, Francisco decidiu despejar o cardeal Raymond Burkebet 77 bonusseu apartamento funcional no Vaticano e cortar seu salário.

Burke é um dos maiores críticos do papa, sendo considerado um dos líderes da oposição na cúpula da Igreja. Strickland costuma se posicionar contra as pautasbet 77 bonusFrancisco, sobretudo quanto ao acolhimentobet 77 bonushomossexuais e outras questões morais.

Francisco vem ainda reduzindo os poderes do grupo católico conservador Opus Dei, organização presentebet 77 bonusmaisbet 77 bonus60 países.

Antes considerada uma intocável prelazia pessoal do papa, a instituição é mantida na rédea curta por Francisco.

No ano passado, o Vaticano diminuiu o poder e a independência do grupo, obrigando-o a reportar-se ao Dicastério para o Clero, com submissão anualbet 77 bonusrelatórios.

Em agostobet 77 bonus2023, mais um golpe contra o Opus:bet 77 bonusdecreto, Francisco extinguiu os privilégiosbet 77 bonusuma prelazia — e a única que vigorava era esta —, relegando a organização à categoriabet 77 bonusassociação clerical pública.

Parece apenas uma questão burocrática, mas não é.

Como prelazia pessoal do papa, criada há 40 anos — assim oficializadabet 77 bonus1982 por João Paulo 2º (1920-2005) —, ela não estava sob a jurisdiçãobet 77 bonusnenhum bispo, uma condição única dentro dos organismos canônicos.

Mais recentemente,bet 77 bonusdecisão histórica, Francisco autorizou bençãos a casais homossexuais.

Professor na Pontifícia Universidade Gregoriana,bet 77 bonusRoma, e vice-diretor do Lay Centre, tambémbet 77 bonusRoma, o vaticanista Filipe Domingues entende que Francisco sempre soube receber as críticas, mas agora "vem agindo com uma mão mais dura onde enxerga que está existindo divisão".

"Foi o mesmo com a missa antiga: ele começou a ver que aqueles que celebram a missa antiga não estavam indo mais na missa por causa dela. Muitos estavam indo porque virou um grupo, quase que uma seita dentro da Igreja. E eles estavam articulandobet 77 bonusforma ideológica", compara Domingues, citando o caso do rito tridentino,bet 77 bonusentrevista à BBC News Brasil.

As celebrações no rito antigo,bet 77 bonuslatim e com o padrebet 77 bonuscostas para os fiéis, eram norma na Igreja do século 16 até o concílio Vaticano 2º — realizado entre 1962 e 1963.

Nas últimas décadas, seguiu sendo permitida, mas apenasbet 77 bonuscontextos específicos.

Em 2021, Francisco entendeu que muitos dos que diziam "preferir" este ritobet 77 bonusdetrimento do contemporâneo estavam, na verdade, instrumentalizando a liturgia,bet 77 bonusum processobet 77 bonusnegacionismo dos tempos atuais e,bet 77 bonusúltima instância, da própria condição do argentino como papa.

Então, decidiu praticamente proibir esse tipobet 77 bonusmissa.

"Ele fez isso, agiubet 77 bonusforma mais dura, com os dois casos americanos, Burke e Strickland", pontua o vaticanista.

Já quanto ao Opus Dei, ele vê diferenças.

"O grupo é muito fiel ao papa Francisco. Cito sempre o Opus Dei como exemplobet 77 bonusque a questão chave não é ser conservador, mas sim ser ideologizado e instrumentalizado como contrário ao sucessorbet 77 bonusPedro dentro da Igreja."

Pela tradição católica, Pedro, um dos 12 apóstolos, é considerado o primeiro papa da história. E todos os que vieram depois passariam a integrar uma linha sucessória sagrada.

"O Opus Dei, como instituição, não faz isso. Pode até ter nela indivíduos um pouco mais radicais, um pouco mais críticos. Mas o Opus não é um movimentobet 77 bonusresistência ao papa Francisco. Eles têm hesitações e questões, como todo mundo, quanto a algumas posições do papa, mas não são um movimentobet 77 bonusresistência", explica.

Para o vaticanista italiano Andrea Gagliarducci, do grupo ACI-EWTN, condutas do tipo colocambet 77 bonusxeque a própria ideiabet 77 bonusabertura proposta pelo pontífice.

"Eu não sei qual é o projeto do papa Francisco para a Igreja. Há uma visão, mas não um plano específico, nem algo que se assemelhe a um plano", critica.

"Fala-se muito dessa ideiabet 77 bonusabertura sinodal do papa na Igreja, mas depois é o próprio papa quem não aplica a sinodalidade, utilizando suas prerrogativasbet 77 bonussoberano absoluto até o fim."

"Há como uma contradição fundamental, a ideiabet 77 bonusum rei que impõe a liberdade sem praticá-la".

Preocupações sociais e ambientais

Para especialistas, as questõesbet 77 bonusfundo moral que são utilizadas para criticar Francisco podem ser só "cortinabet 77 bonusfumaça" para que não se enxergue aquilo que realmente incomoda parte do status quo: as preocupações sociais e ambientais do argentino.

"Ele enfrenta uma resistência mais ou menos desde o começo do pontificado e, principalmente, depois da Laudato Si', a encíclica sobre questões econômicas e ambientais que teve uma grande repercussão no ambiente diplomático, boa recepção no mundo da ciência e influenciou o Acordobet 77 bonusParis (tratado internacional sobre mudanças climáticas, adotadobet 77 bonus2015)", contextualiza Domingues.

"Algumas pessoas dentro da Igreja acharam que não era posição do papa falar dessas coisas."

Antes, como lembra o vaticanista, ele já havia publicado um textobet 77 bonusque afirmava que "essa economia mata".

"Os críticos começaram a dizer que o papel dele não era esse, que ele deveria se concentrar mais nas questões pastorais", prossegue.

Desta forma, segundo o especialista, o problema não é teológico, mas social.

"Os resistentes,bet 77 bonusgeral mais conservadores, não criticam a teologiabet 77 bonusFrancisco, mas a crítica social que ele faz. Isso,bet 77 bonuscontextos polarizados como o Brasil, os Estados Unidos e parte da Europa, onde há movimentosbet 77 bonusextrema-direita na sociedade, se reflete também na Igreja", acrescenta.

Para Domingues, isso faz com que toda questãobet 77 bonusordem moral abordada por Francisco seja postabet 77 bonusdescrédito por esse grupo barulhento.

"A função é desqualificar a autoridade moral do papa para que tudo aquilo que ele diga perca valor", explica. "Para que as pessoas não o ouçam."

Nesse sentido, ele entende que a atenção acaba desviada dos temas que realmente seriam mais caros a Francisco, "a crítica à política econômica, ao nacionalismo, à religião desencarnada [alheia aos problemas do mundo]".

A tática desses grupos conservadores consistebet 77 bonusrotulá-lobet 77 bonusforma a desqualificarbet 77 bonusautoridade perante a parte da sociedade.

"Chamam-nobet 77 bonuscomunista e várias outras coisas. Dizem que ele está cometendo heresias. Aos poucos, isso passou a ser ideologizado. O antes era uma crítica orientada por discordâncias políticas, agora é uma questão mais ampla, havendo pessoas, inclusive entre os bispos, que começam a pôr resistência a qualquer coisa que venhabet 77 bonusFrancisco", argumenta.

"Os mais radicais são os sede-vacantistas, ou seja, aqueles que não o aceitam como papa, baseadosbet 77 bonusalgumas teorias da conspiraçãobet 77 bonusque [seu antecessor] Bento 16 [(1927-2022)] teria renunciado à força."

Para o historiador e teólogo Gerson Leitebet 77 bonusMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o azarbet 77 bonusFrancisco foi seu pontificado "acabar coincidindo com essa onda conservadora e reacionária que assola o mundo, presente na política secular e na política eclesiástica".

"É uma situação muito presente na realidade política e me parece que isso também invadebet 77 bonusmaneira muito forte a temática religiosa. O que hábet 77 bonuscomum entre os grupos reacionários é a questão da sexualidade", destaca ele à BBC News Brasil, aludindo às pautas morais presentes nas discussões da Igreja.

"No caso do cardeal americano [Burke], a gente percebe que as críticas começam exatamente por dizer que Francisco está,bet 77 bonusalguma maneira, desrespeitando a tradição, indo longe demais, principalmente nas questões sexuais", acrescenta.

Embet 77 bonusvisão, o papa está "dialogando com temas pertinentes ao nosso momento histórico" ao tratar do acolhimento a homossexuais, por exemplo.

Mas o teólogo entende que se "a cosmovisãobet 77 bonusFrancisco incomoda" esses grupos ultraconservadores, "que acreditam que ele está se posicionandobet 77 bonusmaneira heterodoxa", o panobet 77 bonusfundo são as questões socioeconômicas abordadas por ele.

"Francisco tem plena convicçãobet 77 bonusque suas ações são ações que representam o Cristo, esse tipobet 77 bonusopção pelos oprimidos, pelos pobres, pelos excluídos. E os ultraconservadores acham que isso é um discurso demagógico, populista. Por isso as divisões e as oposições", acrescenta.

"Eles são fundamentalistas", define Moraes.

Para o teólogo, a "visão progressista" do papa Francisco incomoda esse grupo "porque ele quer colocar a Igreja Católica,bet 77 bonusfato, no século 21", fazendo-a "relevante ao debate ambiental, à luta pela qualidadebet 77 bonusvida, à luta contra a exploração desenfreada pelo modobet 77 bonusprodução capitalista", entre outras questões.

Incomodadas, essas pessoas acabam "se unindo".

"E chama muito a atenção o fatobet 77 bonusque esses grupos geralmente começam as críticas nas questões morais. Francisco estaria, segundo eles, levando a Igreja para um caminho muito perigoso, ele estaria indo longe demais", acrescenta.

Mais pragmático que ideológico

"[Quando arcebispobet 77 bonusBuenos Aires,] ele não era classificado como um bispo demasiado progressista", recorda o biógrafo Rosales.

E talvez nem hoje ele se veja assim. Sua postura pode ser, na verdade, mais pragmática do que ideológica, no sentidobet 77 bonusque ele busca fazer as transformações que acredita compatíveis com a mensagem do cristianismo, não se importando se esses atos são vistos como "de esquerda".

"Em geral, na Igreja, sempre houve diferentes posturas, diferentes grupos", comenta Rosales.

"Hoje há uma divisão bem forte entre conservadores e progressistas e Bergoglio flutua um pouco, tem tentando manter certo equilíbrio."

"Às vezes os progressistas os veem como muito pouco progressistas. E os conservadores, como muito pouco conservador", argumenta.

Segundo o biógrafo, o golpebet 77 bonusmestrebet 77 bonusFrancisco no sentidobet 77 bonusapaziguar ânimos das duas frentes foi a canonização conjunta,bet 77 bonus2014, dos papas João 23 e João Paulo 2º.

O primeiro, por conta da ideia do Concílio Vaticano 2º, é "venerado pelos setores mais progressistas"; "o polaco, muito mais pelos setores mais conservadores, porbet 77 bonuscontribuição [entre outras questões] na guerra ao comunismo".

"Ele canonizou os doisbet 77 bonusconjunto e conseguiu reunir milhares e milharesbet 77 bonusfiéis dos dois lados, dos dois grupos da Igreja. É um bom exemplo da ideiabet 77 bonusBergogliobet 77 bonustentar compatibilizar ambos os mundos", aponta Rosales.

Redes sociais

Mas a oposição a Francisco é maior do que a enfrentada por outros papas? Não necessariamente.

O que ocorre é que nunca antes da história da humanidade um líder esteve tão exposto como nesta épocabet 77 bonuscomunicação instantânea e redes sociais — alémbet 77 bonushaters e polarização, é claro.

A isto tudo, se soma o carisma do argentino, um homem que costuma se expressar com espontaneidade e, não raras vezes,bet 77 bonusmodo autêntico.

"Não considero correto afirmar que há muitos opositores ao pontificadobet 77 bonusFrancisco", analisa Gagliarducci.

"É mais apropriado dizer que se tratabet 77 bonusum fenômeno mais visível, mais vivo e mais presente. A personalidade do papa não ajuda nesse sentido. Ele é um papa que toma decisões, polarizador por natureza."

Moraes lembra que "tradicionalmente, todas as organizações sociais, sejam elas declaradamente políticas, sem nenhuma aura sobrenatural, ou seja uma organização política dedicada ao sagrado", todas são feitasbet 77 bonussegmentos,bet 77 bonusfacções.

"Não acho que o papa tenha mais oposição do que os do passado. Só acho que a gente vive numa realidade muito mais midiática, então essas coisas se espalham, se difundembet 77 bonusforma muito mais rápida", afirma Domingues.

"As redes sociais são um canal forte, essa é a realidade que a gente vê. E não é uma questão da Igreja: é uma questão social do mundo hoje,bet 77 bonuspolarização,bet 77 bonusinstrumentalização das redes sociais."

Para o especialista, contudo, a oposição a Francisco não será capazbet 77 bonusfazer um sucessor antagônico a ele,bet 77 bonusum eventual conclave.

"Ele teve habilidade política muito grande na recomposição do colégiobet 77 bonuscardeais, cercando-sebet 77 bonuspessoas com uma visão mais progressista da realidade", diz Moraes.

Pelas regras da Igreja, um papa é escolhido após a morte ou renúncia do titularbet 77 bonusum processobet 77 bonusvotaçãobet 77 bonusque cardeaisbet 77 bonustodas as partes do mundo são os eleitores.

"Francisco sabe que a reorganização interna da igreja que ele fez, na verdade, significa plantar o futuro, significa que ele está olhando para a frente, para quebet 77 bonusobra continue pela mãobet 77 bonusalguém que pense como ele, e nãobet 77 bonusalguém que pense como os reacionários", acredita o teólogo.

Amigos para postosbet 77 bonusconfiança

Mas se Francisco está buscando resolver os atritos afastando os opositores, isto não é feitobet 77 bonusforma descuidada.

"Ele afasta dos cargos, mas nãobet 77 bonusforma humilhante", avalia Domingues.

"O cardeal Burke, por exemplo, primeiro foi retiradobet 77 bonusalgumas funções e, talvez por outros motivos também. Mas manteve cargos. Ele foi sendo gradualmente retirado, sabendo que havia uma resistência."

Um processobet 77 bonusfritura semelhante ocorreu com o cardeal alemão Gerhard Müller, que havia sido nomeado para a Congregação para a Doutrina da Fé pelo antecessorbet 77 bonusFrancisco, Bento 16.

Quando o argentino assumiu, manteve-o no cargo. "Ele tentou, não só manteve como ainda fez dele cardeal [em 2014]. Mas aí o Müller começou a bater cabeça com o papa, começou a dizer o contrário do que o papa dizia, forçar a mão… Não teve jeito: ele foi afastado".

Não aconteceu da noite para o dia, contudo. Müller acabou destituído apenasbet 77 bonus2017, sem muito alarde, quando para seu lugar foi nomeado o jesuíta espanhol Luis Ladaria.

Domingues vislumbra que a fase atual do pontificadobet 77 bonusFrancisco seja o momento desses acertos acontecerem.

"Porque entramos numa fasebet 77 bonusconsolidação, provavelmente uma fase final. E, como vimos no caso do Burke, Francisco tentou dialogar, apresentar [pontosbet 77 bonusvista] e tal. Eles não só continuam atacando, criticando, como elevaram o tom", assinala.

Francisco também tem nomeado argentinosbet 77 bonussua confiança para postos-chave no Vaticano.

É o caso da própria Doutrina da Fé, que desde julho é comandada por Victor Fernández, amigo pessoal e ghost writerbet 77 bonusFrancisco.

"O problema do papa não é a crítica, é a forma como ela vem. Eles começaram a forçar, a envolver outras pessoas, a agirbet 77 bonusum jeito mais agressivo. E aí Francisco começou a responderbet 77 bonusuma forma mais agressiva também", acrescenta.

Observadores do Vaticano também acreditam que a mortebet 77 bonusBento 16,bet 77 bonus31bet 77 bonusdezembro do ano passado, acabou dando mais autonomia a Francisco na horabet 77 bonusnomear para cargos e destituir pessoasbet 77 bonusseus cargos.

Não que ele não tivesse esse poder — mas a sombra do papa emérito acabava sendo um polobet 77 bonusatração para diversos religiosos mais conservadores que são considerados oposição a Francisco.