O homem que quis eliminar as palavras para nos comunicarmos melhor:coritiba hoje

Ilustraçãocoritiba hojecódigo

Sua experiênciacoritiba hojevida havia demonstrado que as palavras podem ser manipuladas para que sejam convertidascoritiba hojeferramentas letais. Por isso, ele pensou que seria melhor substituí-las por símbolos tão simples que qualquer pessoa,coritiba hojequalquer lugar ou idade, pudesse compreender seu verdadeiro significado.

O engenheiro químicocoritiba hojequestão chamava-se Karl Kasiel Blitz.

“Nascicoritiba hoje5coritiba hojesetembrocoritiba hoje1897,coritiba hojeuma Babel da antiga Áustria, onde 20 nacionalidades diferentes se odiavam porque pensavam e falavamcoritiba hojediferentes idiomas”, afirmou elecoritiba hojediscurso na Biblioteca Nacional da Austrália,coritiba hoje1971.

“Desde cedo, na minha infância, quis inventar algo que pudesse ajudar a humanidade”, prosseguiu ele.

“Em 1938, Hitler invadiu a Áustria e eles me levaram para os camposcoritiba hojeconcentração da Alemanha. Mais do que nunca, percebi que a nossa humanidade precisavacoritiba hojeuma nova ideia para superar os desastres causados pela linguagem.”

Para ilustrar como as palavras podem ser perigosas, ele citava o primeiro versocoritiba hojeum poema escritocoritiba hojealemão no anocoritiba hoje1841, que se tornou slogan da Alemanhacoritiba hoje1922: “Deutschland über alles” (“Alemanha acimacoritiba hojetudo”).

Ilustraçãocoritiba hojefrase usada por nazistas
Legenda da foto, A frase “Alemanha acimacoritiba hojetudo”, que antes significava a união do país, foi aproveitada pelos nazistas para justificar seu projetocoritiba hojedominação

Blitz se lembravacoritiba hojeter ouvido a frase para expressar uma visãocoritiba hojepaz e unidade. No século 19, era um chamado para que todos os principados alemães separados se reunissemcoritiba hojeum só país.

“Alemanha acimacoritiba hojetudo” significava que a nação estava acima dos Estados – que o país, como um todo, era mais importante do que cada uma das suas frações.

Mas, no século 20, o mundo viu como os nazistas transformaram a frasecoritiba hojeum slogan sobre a superioridade e dominação racial: a Alemanha acimacoritiba hojetodos.

Entrada do campocoritiba hojeconcentraçãocoritiba hojeBuchenwald, na Alemanha. A frase “Jedem das Seine” significa “a cada um, o que merece”.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Entrada do campocoritiba hojeconcentraçãocoritiba hojeBuchenwald, na Alemanha. A frase “Jedem das Seine” significa “a cada um, o que merece”

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Os nazistas marcaram Blitz para toda a vida.

“Quando o visitei na Austrália,coritiba hoje1980, ele me disse que ainda acordava no meio da noite encharcadocoritiba hojesuor e gritando porque continuavacoritiba hojeDachau e Buchenwald [camposcoritiba hojeconcentração nazistas]”, contou seu amigo e admirador Brian Stride no documentário The Symbols of Bliss (“Os símboloscoritiba hojeBliss”), da BBC Rádio 4.

“Na parede do seu quarto, havia um bracelete real da SS [o braço paramilitar do partido nazista alemão]coritiba hojeuma moldura”, prossegue Stride. “Ao lado, havia uma fotocoritiba hojeuma longa filacoritiba hojeprisioneiroscoritiba hojecamposcoritiba hojeconcentração com pás, marchando para algum localcoritiba hojetrabalho distante.”

“Ele me viu olhando e disse: ‘sim. Tenho ali para me lembrar que não importa o quanto a vida seja difícil, nunca será tão difícil como naquele momento.’ E tudo o que ele fez veio dessa experiência.”

Mas, antes dos seus feitos, Blitz precisou saircoritiba hojeBuchenwald – o que ele só conseguiu,coritiba hojeparte, porque era exímio tocadorcoritiba hojebandolim.

Um guarda que gostavacoritiba hojemúsica ficou tão impressionado que permitiu a ele, secretamente, consultar um advogado, que trabalhou com Claire – que viria a sercoritiba hojeesposa – e conseguiu tirá-lo dali.

Em 1939, Blitz voou para Londres e passoucoritiba hojeprimeira noitecoritiba hojeliberdade no Exército da Salvação. “Um rei não poderia ter uma cama mais luxuosa”, escreveu ele.

Quando acordou, ele se dedicou a salvar Claire que, embora não fosse judia como ele, também enfrentava dificuldades. Mas, antes, ele precisou superar um curioso obstáculo. O engenheiro havia acabadocoritiba hojechegar a Londres junto com as blitze, como eram chamados os bombardeios da Alemanha nazista sobre cidades importantes da Inglaterra.

“Os britânicos me disseram que eu não poderia sair por aí com um nome como Blitz,coritiba hojeforma que mudei o bélico Blitz pelo pacífico Bliss”, afirmou ele.

Ilustraçãocoritiba hojeescrita chinesa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A escrita chinesa é compostacoritiba hojeideogramas – caracteres que representam palavras ou expressões

E, dalicoritiba hojediante, Blitz passaria a chamar-se Charles Bliss – sobrenome que,coritiba hojeinglês, significa “felicidade”.

Os nazistas impediram Clairecoritiba hojeviajar para encontrá-locoritiba hojeLondres. Bliss passou meses visitando diversas embaixadas, tentando encontrar um país que os recebesse, mas foi rejeitado por todas elas.

Até que, finalmente, ele encontrou uma solução: a cidade chinesacoritiba hojeXangai – uma espéciecoritiba hojearcacoritiba hojeNoé dos tempos modernos. Enquanto a maioria dos países do mundo restringia a entrada dos judeus que tentavam fugir dos nazistas, a China foi um dos poucos lugares que aceitaram recebê-los sem necessidadecoritiba hojevisto.

“E ali, na China,coritiba hoje1942, encontrei meu propósitocoritiba hojevida”, contaria Bliss posteriormente.

Sem palavras

Bliss ficou encantado com a escrita chinesa.

“Conheci a maior nação do mundo, constituída por uma misturacoritiba hojeinúmeras tribos e raças que falavam idiomas diferentes”, contou ele. “Seu vínculo comum era a escrita única.”

Alguns dos ideogramas da escrita chinesa têm características pictográficas. E foi o símbolo que significa “homem” – 人, rén – que fez com que Bliss tivesse uma revelação.

Ele percebeu que o ideograma parecia uma pessoa e, mesmo sem saber como se diz “homem”coritiba hojechinês, ele entendia o conceito. Bliss estava eliminando a palavra e avançando diretamente para o seu significado.

O engenheiro havia encontrado uma formacoritiba hojecriar um meiocoritiba hojecomunicação à provacoritiba hojedemagogos, que distorcessem as palavras para obscurecer a verdade. Ele poderia fazer com que o extermínio nunca mais fosse chamadocoritiba hoje“solução” para convencer as pessoas a aceitar genocídios, como fizeram os nazistas.

Assim nascia o que ele chamoucoritiba hojesemantografia – ou os símboloscoritiba hojeBliss, como ficaria conhecido o sistema.

Gráfico com símbolos que significam "edificação", "teto/proteção", "pai" e "mãe"

Precursor dos emojis?

Por ser eminentemente visual, o sistema atualmente é comparado com os emojis. Mas, para o especialistacoritiba hojelinguística Vyv Evans, o sistemacoritiba hojeBliss vai mais além.

“Os emojis são totalmente pictográficos”, explica ele. “Qualquer novo emoji deve se parecer, mais ou menos, com o que ele representa.”

“Existe muito menos relação visual tangível entre um símbolocoritiba hojeBliss e o que ele representa, por uma boa razão: você pode representar um sorriso com um smiley, mas como representar ideias mais abstratas, como ‘utopia’, com um emoji? Muito difícil”, prossegue Evans.

“Para desenvolver uma capacidade similar à da linguagem, é preciso ter ideogramas – e é aí que realmente brilha a simbologiacoritiba hojeBliss”, conclui o especialista.

Nada melhor do que um exemplo para entender melhor.

O “V” invertido nos símbolos indica teto e, para Bliss, significa proteção. Assim, colocando-o sobre o símbolocoritiba hojehomem ou mulher, você indica “pai” ou “mãe”.

“Os conceitos são transferidoscoritiba hojeum símbolo para outro e isso permite ter essa riquezacoritiba hojecomunicação”, explicou à BBC Janice Murray, especialistacoritiba hojeComunicação Aumentativa e Alternativa da Universidade Metropolitanacoritiba hojeManchester, no Reino Unido. “Depoiscoritiba hojeaprender os símbolos fundamentais, você pode combiná-los como quiser para representar uma ideia diferente.”

“Bliss não inventou apenas o sistemacoritiba hojerepresentação visual”, acrescenta Evans. “Uma inovação ainda maior talvez tenha sido a nova espéciecoritiba hojeconceitualização trazida pelo sistema,coritiba hojetermoscoritiba hojecomo dividimos o mundocoritiba hojenossas mentes com finscoritiba hojecomunicação.”

“O que ele fez foi interpretar que a natureza é divididacoritiba hojetrês: matéria ou coisas materiais, energia ou ações e valores humanos ou avaliações mentais”, segundo Evans. “Estas distinções são marcadas, respectivamente, por um pequeno símbolo quadrado, um pequeno símbolocoritiba hojecone e um pequeno ‘V’ ou cone invertido.”

“E acredito que aqui é onde mora a beleza: esses símbolos podem ser colocadoscoritiba hojecimacoritiba hojequalquer outro símbolo, transformando-ocoritiba hojeuma coisa, ação ou opinião. Foi assim que Bliss inventou um sistemacoritiba hojegramática visual.”

Ilustraçãocoritiba hojesímbolos que significam "pernas", "ir/caminhar" e "foi"

Veio a decepção

É fácil imaginar que inventar algo deste tipo exige um imenso esforço do seu idealizador.

Bliss empregou-secoritiba hojeum trabalho manualcoritiba hojeXangai para não se esgotar intelectualmente. E trabalhou incansavelmente à noite por sete anos para conseguir publicar seu livro Semantography (“Semantografia”),coritiba hoje1949.

Entre 1937 e 1945, o Japão havia ocupado a China. Durante a ocupação, Bliss foi internadocoritiba hojeum gueto e, posteriormente, ele emigrou para a Austrália.

Claire e ele enviaram maiscoritiba hojeseis mil cartas para bibliotecários, políticos e acadêmicoscoritiba hojetodo o mundo, apresentando o sistema. Mas, apesar dos elogioscoritiba hojealgumas pessoas, como o matemático e filósofo britânico Bertrand Russell, a maioria os ignorou.

O casal sofreu décadascoritiba hojerejeição e penúria.

Claire – o amor da vidacoritiba hojeBliss,coritiba hojequem ele cuidava pessoalmente enquanto trabalhava e escrevia – morreucoritiba hoje1961. Quatro anos depois, ele publicou a segunda edição dacoritiba hojeSemantografia.

E nada aconteceu. Apesarcoritiba hojetodos os seus esforços e da beleza do sistema, a nova linguagem não se popularizou.

Até que, um dia, a história sofreu uma reviravolta inesperada.

Ilustraçãocoritiba hojesímbolo que significa "eu te amo"

‘Eu te amo’

Em 1971, Bliss recebeu uma carta da professora canadense Shirley McNaughton. Ela lecionava para crianças com paralisia cerebral, que afeta as cordas vocais e a fala, mas não a inteligência.

A professora trabalhava no então chamado Centrocoritiba hojeCrianças Deficientescoritiba hojeOntário (hoje, o Hospitalcoritiba hojeReabilitação Infantil Holland Bloorview,coritiba hojeToronto).

Procurando uma formacoritiba hojecomunicação para as crianças, McNaughton encontrou o único exemplar do livrocoritiba hojeBliss existente no Canadá.

“Seus símbolos são tão claros e simples que foram um sucesso imediato [com as crianças]. Elas aprendiam assim que os viam”, declarou ela à BBC.

“Foi a coisa mais emocionante do mundo!”, prossegue a professora. “Uma das mães contou que o momento mais feliz que ela teve com seu filho foi quando ele chegoucoritiba hojecasa e disse ‘eu te amo’.”

“Terry era muito criativo e, para o Halloween, começou a dizer com símboloscoritiba hojeBliss que fantasia queria usar”, ela conta. “Ele apontou para os símboloscoritiba hoje‘criatura’, ‘noite’, ‘bebe’ e ‘sangue’... ele havia encontrado a formacoritiba hojese expressar: queria ser Drácula.”

Até então, as crianças só tinham imagenscoritiba hojebanheiro, comida, bebida ecoritiba hojeuma cama para indicar o que eles precisavam. Mas, com o sistemacoritiba hojeBliss, vieram os pronomes, verbos e adjetivos... até uma formacoritiba hojeexpressar opiniões e fazer brincadeiras.

Era a primeira vez que aquelas crianças conseguiam realmente se comunicar com o mundo.

“Uma mãe chegou às lágrimas quando me disse quecoritiba hojefilha havia caído da cama à noite e contou, com Bliss, que havia sonhado que conseguia caminhar e, por isso, estava tentando sair da cama”, contou a professora.

Foi por isso que McNaughton e seus colegas quiseram entrarcoritiba hojecontato com Bliss. E, quando conseguiram, o criador dos símbolos foi visitá-los.

Ele chegou com seu bandolim, cantou e todos festejaram. Foi um momento alegre, mas que, infelizmente, não durou muito tempo.

A dor, a solidão e as dificuldades econômicas cobravamcoritiba hojeconta. Bliss já não era o mesmo personagem excêntrico, alegre e sonhador.

Charles Blisscoritiba hojeCoogee, no litoral da Austrália,coritiba hoje1979, aos 82 anoscoritiba hojeidade

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Charles Blisscoritiba hojeCoogee, no litoral da Austrália,coritiba hoje1979, aos 82 anoscoritiba hojeidade

Em comparação com suas ambições, a semantografia era um fracasso. Ela nunca foi adotada como formacoritiba hojeevitar conflitos internacionais.

Charles Bliss morreu frustradocoritiba hoje1985. Mascoritiba hojecriação ajudou pacientescoritiba hojetodo o mundo com incapacidadecoritiba hojefala, incluindo pessoas autistas, afásicas e vítimascoritiba hojeacidentes cerebrovasculares.

Um desses pacientes, Peter Zein, tem paralisia cerebral e se comunica por meio do sistemacoritiba hojeBliss. Ele contou à BBC que, quando usou o sistema pela primeira vez, sentiu “que não era mais incapacitado, já que conseguia usar o inglês normal”.

“Se não tivesse essa linguagem, eu possivelmente estariacoritiba hojeum centrocoritiba hojeassistência. Ele me proporcionou uma bela vida”, conta Zein.

Ah! Quase íamos esquecendo! A frase que aparece na imagem no alto desta reportagem significa: “penso, logo existo”.

Mensagemcoritiba hojesímboloscoritiba hojeBliss entregue ao seu criadorcoritiba hoje1974, assinada por dois meninos com paralisia cerebral do Centro Espástico Bendigo, na Austrália: “olá, muita felicidade para você, sr. Bliss, estamos felizes por vê-lo”

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Mensagemcoritiba hojesímboloscoritiba hojeBliss entregue ao seu criadorcoritiba hoje1974, assinada por dois meninos com paralisia cerebral do Centro Espástico Bendigo, na Austrália: “olá, muita felicidade para você, sr. Bliss, estamos felizes por vê-lo”