A campanhaapp do betnacionalalunos da Bahia para tirar pintura da Lei Áureaapp do betnacionalexposição:app do betnacional

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Quadro 'Alegoria da Lei Áurea', do pintor espanhol Miguel Navarro y Cañizares, pertence à Escolaapp do betnacionalBelas Artes da Universidade Federal da Bahia

O quadro, que faz parte do acervo da instituição, foi colocadoapp do betnacionalexibiçãoapp do betnacional2017 como parteapp do betnacionalum memorial dedicado aos fundadores e importantes docentes.

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Miguel Navarro y Cañizares foi um dos fundadores da escola, criadaapp do betnacional1877 durante uma passagem dele por Salvador.

O alunos também pedem que a universidade faça uma “retratação pública” e exigem a mudança do nomeapp do betnacionaluma das galerias que atualmente homenageia o pintor.

“Propomos um exercício crítico e aberto à comunidade internaapp do betnacionaltorno dos pactos sustentados pela branquitude, o que tem assegurado a permanência do quadro descrito e a respectiva ausênciaapp do betnacionaldebate e comoçãoapp do betnacionaltornoapp do betnacionalmais uma violência”, diz a petição.

No entanto, a campanha também foi alvoapp do betnacionalcríticasapp do betnacionalque o pedidoapp do betnacionalretirada da obra seria um gesto "autoritário e violento" e um exemploapp do betnacional"intolerância".

Segundo os alunos, no dia 31app do betnacionaloutubro, a obra teria sido retirada pela universidade da galeria Juarez Paraiso, cujo nome é uma homenagem ao artista, crítico e um dos primeiros professores negros da EBA.

A UFBA e a EBA não responderam, no entanto, aos contatos da BBC News Brasil para confirmar que a retiradaapp do betnacionalfato ocorreu nem aos pedidos da reportagem para que comentasse as críticas e demandas dos alunos.

'O que fazer dianteapp do betnacionaluma pintura racista?'

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, O pedidoapp do betnacionalretirada da obra surgiuapp do betnacionalreuniões e debates entre os alunos da EBA
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Com referências cristãs, a pinturaapp do betnacionalMiguel Navarro y Cañizares ilustra o fim da escravidão como um presente da monarquia aos negros escravizados.

Essa interpretação da Lei Áurea, que por décadas retratou a princesa Isabel como uma figura redentora, é contestada pelo movimento negro, que enxerga o fim do regime escravista como uma conquistaapp do betnacionaluma luta popular que durou séculos.

Na obra, a princesa Isabel, que assinou a leiapp do betnacional1888, é mostradaapp do betnacionalum altar, segurando uma cruz onde está escrito “a redenção” e “Deus caridade”, alémapp do betnacionalum livroapp do betnacionalreferência à nova legislação e um busto do Imperador D. Pedro 2°, ao lado.

Isabel está cercada por autoridades e figuras da sociedade - há quem diga que uma delas é Luiz Gama, famoso advogado abolicionista do século 19, mas não há confirmação disso.

Na parteapp do betnacionalcima, há três anjos e um homem representando Deus.

Abaixo, estão duas mulheres negras descalças e ajoelhadas, uma delas segurando um bebê, ambasapp do betnacionalum gestoapp do betnacionalagradecimento e reverência à princesa.

Há também uma mulherapp do betnacionalpele clara, com os pés cobertos por um pano, que seria a representação da parcela branca dos pobres brasileiros.

Para a atriz Aline Brune, doutorandaapp do betnacionalArtes Visuais pela EBA, a pintura faz parteapp do betnacionaluma sérieapp do betnacionalproduções artísticas que funcionam como “gatilhos violentos” pela forma como a população negra é representada.

“Como mulher negra e primeira da família a fazer pós-graduação e frequentar ambientesapp do betnacionalarte, é muito frustrante e violento entrar na universidade e ver um quadro com outras mulheres negras ajoelhadas diante da princesa Isabel”, diz a artista, que faz parte do movimento que pediu a retirada da obra.

“A pintura nos faz pensar nas representações do corpo negro como subalterno aos brancos, nas distorções da história e na construçãoapp do betnacionalnarrativas tão difíceisapp do betnacionalmudar na sociedade”.

O incômodo levou Aline Brune a criar novas pinturas a partir do quadroapp do betnacionalCañizares. A sérieapp do betnacionalseis imagens se chama O que fazer dianteapp do betnacionaluma pintura racista? – duas delas ilustram esta reportagem.

Já o curador Uriel Bezerra, doutorandoapp do betnacionalArtes Visuais pela EBA, diz que a exposição do quadro gerava “dor e sofrimento simbólico”app do betnacionalestudantes que circulavam diariamente pelo campus.

“Por que escolher logo essa pintura para exporapp do betnacionalum memorial dos fundadores da escola, inclusiveapp do betnacionaluma posiçãoapp do betnacionaldestaque na galeria?”, questiona o curador.

"O abaixo-assinado se volta para o contextoapp do betnacionalexibição e à postura esquiva da Escolaapp do betnacionalBelas Artes, que tergiversaapp do betnacionalrelação ao debate que precisa ser feito sobre essa imagem."

Uma das críticas dos estudantes é que a obra estava exposta sem qualquer explicação histórica sobre a abolição e a relação da pintura com o racismo.

“Só havia uma placa com informações técnicas do quadro”, diz Bezerra.

Para Ana Luisa Ribeiro, professora da Universidade Federal do Oeste da Bahia e doutorandaapp do betnacionalArtes Visuais pela EBA, outro problema é que a exposição “tratava Alegoria da Lei Áurea de forma laudatória e comemorativa”.

“Como professora, entendo que não tem como mostrar a arte sem a educação sobre o racismo e projetoapp do betnacionalpesquisa", diz.

"Representações racistas não podemapp do betnacionalhipótese alguma ser exibidasapp do betnacionalforma apologética.”

Crédito, Aline Brune

Legenda da foto, 'O que fazer dianteapp do betnacionaluma pintura racista [teste 2]", 2023, da artista Aline Brune. Intervenção com tinta sobre impressão fotográfica da pintura 'Alegoria da Lei Áurea',app do betnacionalMiguel Navarro Cañizares

'Eraapp do betnacionalintolerância'

Por outro lado, o movimento dos estudantes foi alvoapp do betnacionalcríticas dentro da universidade.

Uma delas foi publicada por Wilson Gomes, professorapp do betnacionalTeoria da Comunicação da UFBA, emapp do betnacionalcoluna no jornal Folhaapp do betnacionalS.Paulo.

No artigo, o professor usa o abaixo-assinado como um dos exemplos que o ajudam a concluir que a sociedade vive “uma nova eraapp do betnacionalintolerância”.

Para ele, isso é resultadoapp do betnacionalações da "extrema-direita" e também da chamada “esquerda identitária”.

Gomes diz que a extrema-direita tentou nos últimos anos proibir livros, quadros, cantores e comediantes, entre outras manifestações e artistas.

“A lista da esquerda não é muito menor. Mudam as justificativas, resta a intolerância”, escreveu.

Nos últimos anos, surgiramapp do betnacionalalguns países, como Estados Unidos e Brasil, movimentos populares que contestaram a exibição públicaapp do betnacionalobras que retratam figuras da escravidão.

“O princípio da tolerância tem dois componentes: as formasapp do betnacionalvida são essencialmente diversas; a decisãoapp do betnacionalque uma fé, doutrina ou obra é falsa não é critério legítimo para desrespeitar quem a sustenta, proibir aapp do betnacionalexistência ou atuarapp do betnacionalforma autoritária ou violenta contra ela.”

Sobre o caso da pintura, Wilson Gomes escreveu: “Assim, o quadro deve ser enclausurado, para que a ninguém ofenda ilustrando um passado que não queremos ver ou refletindo uma épocaapp do betnacionalque não se pensava como nós”.

Crédito, Aline Brune

Legenda da foto, 'O que fazer dianteapp do betnacionaluma pintura racista [teste 2]", 2023, da artista Aline Brune.

Visões da história

O pintor Miguel Navarro y Cañizares nasceuapp do betnacionalValência, na Espanha,app do betnacional1834, e morreu no Rioapp do betnacionalJaneiroapp do betnacional1913, segundo dissertaçãoapp do betnacionalmestrado da pesquisadora Viviane Rummler da Silva na Escolaapp do betnacionalBelas Artes.

Premiado na Europa por suas telasapp do betnacionaltemática cristã, ele emigrou para a Venezuela ao ser contratado pelo arcebispoapp do betnacionalCaracas.

Porém, quando chegou à cidade, descobriu que o religioso tinha sido exilado a mando do general Antonio Gusmán Blanco, que governou a Venezuela por 13 anos e enfrentou forte oposição da Igreja Católica.

Cañizares então passou a trabalhar para o próprio presidente, fazendo diversos retratos oficiais do caudilho.

Masapp do betnacionalsituação financeira não era das melhores, levando-o a se mudar para o Brasilapp do betnacional1876, “provavelmente informado das excelentes oportunidades que este país oferecia a artistas estrangeiros”, aponta a tese publicadaapp do betnacional2008.

Segundo Rummler da Silva, a corte da época gostavaapp do betnacionaldecorar suas paredes com obras encomendadas a pintores europeus.

Cañizares foi viverapp do betnacionalSalvador, onde foi professor do Liceuapp do betnacionalArtes e Ofícios. Em 1877, fundou a Escolaapp do betnacionalBelas Artes, que se tornaria central para a produção e ensino das artes visuais na Bahia.

Quatro anos depois, o pintor se mudou para o Rioapp do betnacionalJaneiro, aproximando-se do imperador Dom Pedro 2°. Viveu ali por 31 anos.

“O Estado eapp do betnacionalelite econômica encomendavam pinturas para representarapp do betnacionalvisão da história. No caso da Lei Áurea, a ideia era dizer que a abolição foi uma dádiva e que tinha essa mesma elite como protagonista”, explica Kleber Amancio, professorapp do betnacionalHistória e Crítica da Arte da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Cañizares tem outro quadro considerado racista pelo movimento negro. A obra Alegoria à Lei do Ventre Livre está no acervo da Igreja Nosso Senhor do Bonfim, que inclusive aparece no cenário da tela pertoapp do betnacionalum Jesus Cristo crucificado.

A imagem foi encomendada por José Maria da Silva Paranhos, o viscondeapp do betnacionalRio Branco, político baiano que era uma espécieapp do betnacionalprimeiro-ministro do Império quando,app do betnacionalsetembroapp do betnacional1871, lhe coube a tarefaapp do betnacionalassinar a lei que daria liberdade a bebês nascidosapp do betnacionalmulheres escravizadas.

“Visconde apareceapp do betnacionaltrajesapp do betnacionalgala,app do betnacionalpéapp do betnacionalmeio a um grupoapp do betnacionalescravos (homens, mulheres e crianças) e, com o olhar direcionado ao horizonte, empunha contra o peito um papel com a inscrição: ‘Leiapp do betnacional28app do betnacionalsetembroapp do betnacional1871’”, descreveu a pesquisadora Rummler da Silva.

“Com a mão esquerda afaga a cabeçaapp do betnacionaluma mulher escrava que, sentada aos seus pés e trazendo ao colo um bebê e outra criança apoiada às costas, o reverencia estendendo a mão.”

Contrastes

Para Kleber Amancio, a campanha contra a obraapp do betnacionalCañizares “reflete uma presença maiorapp do betnacionalestudantes negros, oriundosapp do betnacionalmedidas afirmativas como as cotas,app do betnacionalambientesapp do betnacionalarte e ensino historicamente frequentados apenas pela elite branca”.

“O ethos da arte brasileira, essencialmente branca, começou a ser questionado veementemente”, diz.

"A relevânciaapp do betnacionaluma obraapp do betnacionalarte se dá pela maneira como as pessoas olham para ela hoje. Há uma demanda grande para que se discuta cada vez mais a relação entre arte e política."

Segundo o professor, alguns museus têm apresentado telas consideradas racistas ao ladoapp do betnacionalreleiturasapp do betnacionaloutros artistas negros ou mesmoapp do betnacionalcontraste com obras do próprio pintor.

O objetivo seria provocar o público à reflexão sobre o racismo nas artes.

Ele cita a tela A negra,app do betnacionalTarsila do Amaral, que fez parte da mostra "Tarsila Popular", no Museuapp do betnacionalArteapp do betnacionalSão Paulo (Masp),app do betnacional2019.

Tarsila teria se inspiradoapp do betnacionaluma fotografiaapp do betnacionaluma antiga empregadaapp do betnacionalsua família para compor a figuraapp do betnacionaluma mulher negra, nua, com traços deformados.

“Acho esse quadro racista pela maneira como representa a mulher negra da classe trabalhadora”, diz Amancio.

No Masp, diz o professor, ela foi exposta ao ladoapp do betnacionalum autorretratoapp do betnacionalTarsila, feito no mesmo ano.

"Mas era bem diferente. Era uma Tarsila jovem, moderna, arrojada e bem vestida", diz Amancio.

“O público vê as duas obras juntas, e logo reflete: por que a artista pintou, no mesmo ano, uma mulher negraapp do betnacionalmaneira objetificada e deformada, mas não fez o mesmoapp do betnacionalseu autorretrato?”

Colaborou Ian Alves