ApoioChina e Rússia à Venezuela garante sobrevivênciaMaduro, diz Ricupero:
O GrupoLima - conjunto14 países caribenhos e latino-americanos criado2017 para buscar uma saída para a crise venezuelana - divulgou um comunicadoque contesta a legitimidade da vitória.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, país que integra o GrupoLima, afirmounota que "nas condiçõesque ocorreu — com numerosos presos políticos, partidos e lideranças políticas inabilitados, sem observação internacional independente econtextoabsoluta faltaseparação entre os poderes —, o pleito do dia 20maio careceulegitimidade e credibilidade".
Confira os princiais trechos da entrevista com Ricupero, concedida por telefone nesta segunda-feira.
BBC Brasil - Qualavaliação dos resultados eleitorais na Venezuela?
Rubens Ricupero - Já eram esperados. Seria surpreendente se tivesse havido grande participação na eleição, uma vez que a oposição fez campanha para que as pessoas não votassem.
O que houve era previsto: uma eleição com baixa participação e com consagração do presidente Maduro, que preparou tudo ao longomuitos meses.
A eleição foi precedida pela exclusão sistemáticatodas as candidaturas competitivas. As decisões foram concentradas na mão dos partidários do Maduro no sentidoexcluir líderes da oposição - alguns dos quais estão presos ou asilados fora da Venezuela.
BBC Brasil - Quais as consequências da vitóriaMaduro para os venezuelanos?
Ricupero - Não acredito que sejam muitas. A Venezuela já está há muito tempo com característicasuma ditadura. É um paísque todos os poderes estão concentrados no presidente, inclusive o Judiciário. Quando aparece qualquer tentativacontestação, como a Assembleia que tinha eleito uma maioriaoposição, ela foi contornada pela Constituinte que Maduro criou.
Não acredito que haja chancequalquer desfecho como ocorria no passado, com uma reação militar, porque durante muito tempo os militares que apresentavam divergências ao regime sofreram um expurgo, e muitos dos que ficaram foram cooptados com posições importantes no governo. Tudo indica que o governo Maduro vai continuar no poder por algum tempo.
Não vejo perspectivamudanças a curto prazo, a não ser que haja uma deterioração maior da situação.
BBC Brasil - Quais os impactos do não reconhecimento do resultado pelo GrupoLima?
Ricupero - O impacto é sem dúvida tornar mais grave a rejeição internacional e o isolamento da Venezuela. Mas é preciso dizer que não chega a ser novidade - há algum tempo o GrupoLima vinha condenando o regime.
Paísessituação como a da Venezuela podem resistir muito tempo. Houve um momentoCuba, entre os anos 1960 e 1970,que o país esteve praticamente sem relações diplomáticas com quase todos os países das Américas. Nem por isso o regime desapareceu.
Quem está bancando a Venezuela até hoje são China e Rússia, ajudando com empréstimos. Esses países sustentam a continuação desse experimento do Maduro. Do lado da segurança, Cuba tem um número muito grandefuncionários que dão toda orientação e fornecem um aparato repressivo muito poderoso.
BBC Brasil - Quais os interessesChina e Rússiaapoiar Maduro? Elas manterão a posição?
Ricupero - Sim, talvez com menos entusiasmo que no passado. Os dois países deram empréstimos grandes à Venezuela.
Os dois países têm interessemanter a Venezuela como um regime que causa problemas aos EUA. Faz parte da relaçãotensão, quaseuma nova Guerra Fria, como se convencionou chamar a relação entre os EUA e a China e entre os EUA e a Rússia.
BBC Brasil - O que muda para o Brasil? Quais os impactos do não reconhecimento do pleito por Brasília?
Ricupero - Não muda nadaessência. A relação já estava muito distante, muito conflitiva.
O que acontece agora apenas acentua isso. E vai continuar provavelmente a produzir resultados negativos.
A Venezuela tem deixadopagar créditos dados a empresas brasileiras que realizaram obras ou exportaram para a Venezuela. É previsível que esse tipocalote continue no futuro.
Da mesma forma não se pode esperar que a Venezuela tenha condiçõesdesempenhar um papelmercado para produtos brasileiros, ou que volte a ter posição ativa no Mercosul.
Outro aspecto é que se pode prever que o fluxorefugiados aumente, a não ser que a Venezuela faça como Cuba e tente impedir a saídacidadãos.
A única coisa que aconteceu até hoje que pode ter impacto favorável para a Venezuela é que os preços do petróleo têm subido muito. Para um país que depende totalmente do petróleo, isso dá certo alívio.
BBC Brasil - A reeleiçãoMaduro mostra que Brasil errou ao apostar no isolamento da Venezuela?
Ricupero - Não. Ao optar por caminho tão claramenteviolação das regras democráticas e dos direitos humanos, a Venezuela deve realmente receber a sanção dos países vizinhos. Era inevitável. O Brasil não está sozinho. O único paíscerta expressão fora desse movimento é o Uruguai.
BBC Brasil - Há alguma possibilidadeque os EUA escalem o conflito com Venezuela? No governo Trump já se faloupossibilidadeuma intervenção armada.
Ricupero - Aquilo era uma bravata. Não vejo que americanos tenham razões para isso, porque hoje os problemas que ocorrem na Venezuela afetam muito mais a população local que os EUA. A Venezuela não representa um perigo para os EUA. Representa um incômodo, uma irritação.
BBC Brasil - Por não reconhecer a vitóriaMaduro, Brasil terápassar a tratar venezuelanos como refugiadosvezimigrantes?
Ricupero - Claro que, se a situação se agravar mais ainda na Venezuelatermos alimentos, remédios, a tendência é que mais gente queira sair, e o Brasil vai recebercota.
Mas a fronteira do Brasil com a Venezuela é remota, é um lugarselva, com pouca gente do lado venezuelano. A população venezuelana está concentrada na regiãoCaracas ou nas terras altas na fronteira com a Colômbia, no EstadoTáchira.
Tanto assim que, se no Brasil se estima30 ou 40 mil o totalvenezuelanos, na Colômbia são mais600 mil.
Quanto à questão do asilo, se a situação se perpetuar e houver pouca perspectivaas pessoas voltarem, as autoridades brasileiras serão obrigadas a tomar decisãodar um status mais permanente para elas no Brasil.
Não necessariamente como exilados políticos, pois a maioria dos que vêm não têm atuação política nenhuma, apenas procuram fugir da calamidade.
Mas no caso deles será necessário que se dê um vistopermanência com statusmigrante e condições para trabalhar e viver aqui. Essa é uma obrigação dos países membros da ONU e que assinaram os acordos e convenções sobre refugiados.