Baleadoie betfrente ao pai, centésimo PM morto no Rio simboliza descontrole no Estado e dor das famílias:ie bet
"Eles me mandaram calar a boca senão iam me matar também. Vi meu filho caído, fiquei doido. Estou com 70 anos, perdi metadeie betmim", diz o pai, que tem um segundo filho que também é policial militar.
O estado do Rio enfrenta uma grave crise financeira que tem resultadoie betcortes drásticosie betvárias áreas do orçamento. Na áreaie betsegurança, saláriosie betpoliciais têm atrasado, como acontece com outros servidores, e falta verba para despesas básicas como coletes à provaie betbalas, munição e gasolina para viaturas.
A crise financeira vem acompanhada por um aumento generalizadoie betíndicesie betcriminalidade. Em julho, o governo federal anunciou o envioie bettropas do Exército para reforçar a segurança no estado.
A escaladaie betviolência contra policiais ficou marcada já no início do ano, com sete mortes ao longo dos sete primeiros diasie betjaneiro. A primeira delas, o assassinato do soldado André Williamie betOliveira no dia 1ºie betjaneiro. No ritmo atual, o Rio poderá chegar a 158 mortes até o fim do ano - o maior número desde 1994, quando houve um recorde históricoie betPMs mortos, com 227 vítimas. Em 2016, foram 146.
A maior parte das mortes, no entanto, não ocorre durante o serviço. Dos 3.083 policiais vitimados no RJ desde 1995, 2.465 – cercaie bet80% – ocorreram durante as folgas dos agentes,ie betacordo com dados da polícia militar. Dos 100 mortos neste ano, 59 estavam fora do serviço.
Candidato a vereador, conhecido como 'Fabinho'
O sargento Cavalcante trabalhava como policial há maisie bet15 anos, lotado no batalhãoie betMagé, na região metropolitana do Rio, onde morava com a mulher.
Ele fazia regularmente o trajetoie betcercaie betuma hora até São Joãoie betMeriti para ver os pais e o filhoie bet8 anos, que,ie betacordo com vizinhos, vive com os avós. Os vínculos com o local fizeram com que tentasse se eleger vereador no municípioie bet2016, obtendo 1.090 votos (0,43%) na cidade pelo PR. Candidatou-se como "Fabinho" - apelido pelo qual era conhecido na vizinhança.
Quando o crime aconteceu, os tiros levaram o comerciante Alexandre Lucena a se trancar dentroie betsua lojaie betbicicleta do outro lado da rua. "Foram muitos tiros. Não deu para contar", relata ele à BBC Brasil.
Pouco antesie betmorrer, conta Lucena, Fábio havia lhe dado bom dia com um apertoie betmão, a caminhoie betcasa para cumprimentar os pais, que têm uma lojaie betgesso e um barie betesquina no Largo do Guedes,ie betSão Joãoie betMeriti.
"Ele era muito gente boa, muito querido no bairro. Um cara que ajudava os outros e não se aborrecia com ninguém. Sempre falava com todo mundo. Estou muito abalado", diz. "Mas o pior é para seu pai, que viu tudo. Tudo." Lucena afirma que o carro com os bandidos "já chegou baleando ele" e diz que não acredita ter se tratadoie betassalto.
A morte do sargento Cavalcante, o centésimo PM morto emie betquase oito meses, "é um golpe a mais" nas fileiras da corporação, afirma o comandante-geral da PM, Wolney Dias.
O coronel demonstrou irritação com o foco na centésima vítima, emitindo uma nota intitulada "Não somos números. Somos cidadãos e heróis" e fazendo um "desabafo recheadoie bettristeza e revolta."
"Tristeza pela perda irreparávelie betcada companheiro que se vai, deixando para trás sonhos e o sofrimento da família e amigos. Revolta, pela omissãoie betgrande parte da sociedade que se nega a discutir com profundidade um temaie bettamanha relevância. Assim como todo cidadão, o policial é vítima da violência com uma desvantagem adicional: ao ser identificado como agenteie betsegurança pública num assalto ou qualquer situaçãoie betconfronto, será executado sumariamente", disse o coronel.
Mortes pela farda
De acordo com o coronel Robson Rodrigues, antropólogo e pesquisador do Laboratórioie betEstudos da Violência da Universidade do Estado do Rioie betJaneiro (Uerj), estudosie betvitimizaçãoie betpoliciais indicam que as mortes ocorrem com mais frequência quando os policiais estãoie betfolga, e nas áreasie betque há mais homicídios no Rio - sobretudo a Baixada Fluminense e a zona norte da cidade.
De fato, neste ano maisie betum quarto das mortesie betpoliciais ocorreram na Baixada Fluminense - 27 do totalie betcem.
"O policial é tão vítima quanto a população", diz Rodrigues. "Ele sofre dos mesmos problemas da fragilização da segurança pública, que não está conseguindo nem proteger seus próprios agentes."
Quando estãoie betserviço, as mortes mais frequentes ocorrem entre os policiais atuando nas radiopatrulhas, chamados para verificar ocorrências. Já nos horáriosie betfolga, ele é mais vulnerável a assaltos que cidadãos comuns: "Pela própria condiçãoie betpolicial, ele tende a reagir, ou tem maiores chancesie betmorrer quando é reconhecido", afirma Rodrigues.
Como exemplo, ele cita o caso da cabo Elisângela Bessa, morta com um tiro na cabeça ao ser assaltada quando voltavaie betcarro para casa com o marido,ie betCoelho Neto, zona norte do Rio.
Tiro na cabeça a caminhoie betcasa
Era madrugada e o casal tinha acabadoie betsair do pontoie betNilópolis, na Baixada,ie betque Bessa tinha uma barraquinhaie betbatata frita,ie betfrente à padaria da família. Ela foi a 96a PM morta no ano.
Seu irmão, Alexandre Bessa, bacharelie betDireito, conta que ela costumava vender batatas entre 19h e 1h para complementar a renda - e vinha juntando dinheiro para comprar uma casa e pararie betviverie betaluguel.
"Foi um choque. Ela era muito trabalhadora, muito honesta, cuidava muito da mamãe. Era muito correta com o ramo dela no trabalho e com a família", diz ele, explicando que a irmã, que chamaie betNana, nunca teve filho porque cuidava da mãe, que tinha problemas renais e cardíacos e morreu no fim do ano.
Ele acredita que ela foi morta por ser policial. "Acredito que ela foi reconhecida. Foi um tiro na cabeça, execução. E o menor que a matou ela fez isso porque sabe que não vai darie betnada. Vai ficar enfrentar uns seis mesesie betdetenção e vai ser solto. Vai continuar matando destruindo que nem o diabo", diz ele, clamando por reformas para aprimorar a educação e um sistema que promovaie betfato a ressocializaçãoie betdetentos.
"Vai prender um moleque desses e vai mandar para a escolinha do crime? Vai sair pior."
'Quem matou Galvão? O sistema da polícia ou o tráfico?'
No dia 21ie betfevereiro, o soldado Michelie betLima Galvão foi morto com um tiro nas costas durante uma disputa com o tráfico na favela do Jacarezinho, onde integrava a Unidadeie betPolícia Pacificadora.
Sua morte fez voltar à tona um áudio que gravouie bet2015 fazendo duras críticas às condições precáriasie bettrabalho e à faltaie betsegurança para os policiais. No áudio, que ele compartilhou entre policiais e acabou se espalhando, Michel dizia que o governo, e o projeto das UPPs, estava falido.
"Estão colocando a gente dentro do morro para morrer. A favela não é nossa casa. Ser policial não é ser guerrilheiro, não é confrontarie betdesvantagem numérica,ie betdesvantagem logística,ie betdesvantagem operacional", apelou, na época, aos companheirosie bettropa.
No áudio, ele relatava ter pedido três colegasie betmenosie betuma semana e apelava aos companheiros para que baixassem as armas por não terem condiçõesie betenfrentar os criminosos. "A gente tem que ter amor pela nossa vida", disse. "Não vamos querer dar umaie betheróis. Não tem condições."
O paiie betMichel, Sérgio Galvão, lembra que seu filho foi a julgamento por causa do áudio. Ele diz que Michel só não foi expulso da corporação porque foi comprovado que ele estava sob efeitoie betremédios psiquiátricos.
Agora é o pai quem está medicado. Diz que só consegue dormir com remédios e estáie betlicença do trabalho por depressão.
Ele diz que a família está estraçalhada. "Éramos muito próximos, amigos, confidentes. Ele não precisava ter entrado para a polícia. Ele tinha muita experiência, foi sócioie betuma pizzaria, teve uma lojinhaie betNova Iguaçu... Mas era fissurado, queria ser políciaie betqualquer maneira. E morreu pela polícia."
Galvão não se conforma com a morte do filho e nem com a versãoie betque teria sido morto por traficantes. Ele acredita que seu filho tenha sido morto por ter descoberto esquemasie betcorrupção na polícia, e por não querer se calar.
Em protesto, o pai fez um banner com a questão: "Quem matou Michel Galvão? O sistema ou o tráficoie betdrogas?" "Para mim, foi o sistema", resume o pai.