A estranha criatura mexicana que se regenera sozinha e pode desvendar chaveimunidade ao câncer:
Mas não teve tanta sorteseu habitat natural, a apenas 30 quilômetros ao sul do zoológico.
O axolote, anfíbio nativo dos lagos da Cidade do México, apesarter ganhado força como símbolo da capital mexicana, e especificamente no bairroXochimilco, declarado Patrimônio Mundial pela Unesco, está quase extinto na natureza — sobretudo por causa da proliferaçãoespécies invasoraspeixes e da poluição da água nos agitados canais da cidade.
Para piorar a situação, Frankie é um axolote albino, o que significa que ele é rosa claro com brânquias plumosas rosadas saindo dacabeça — uma presa fácil para as tilápias invasoras nas águas escuras e turvasXochimilco.
Conhecidos localmente como "monstros da água", os axolotes têm uma aparência que divide opiniões. Para alguns, essas criaturaspele macia e 20 cmcomprimento são consideradas adoráveis, com um sorriso permanente no rosto. Para outros, esses anfíbiosquatro dedos são simplesmente estranhos.
Apesar da aparência um tanto polêmica, eles despertam um interesse particular nos cientistas, que acreditam que axolotes como Frankie possam ensinar um dia aos seres humanos o segredo da regeneração.
"Os cientistas estão tentando tirar proveito das propriedades regenerativas dos axolotes e aplicá-laspessoas feridasacidentes, guerras ou vítimasdoenças — pessoas que perderam membros", explica Servín Zamora.
"Outros estão procurando maneirascomo a regeneração do axolote pode ajudar a cicatrizar órgãos humanos, como coração ou fígado".
Os axolotes também estão ajudando Servín Zamora e outros cientistas a entender a aparente resistência ao câncer que todos os anfíbios parecem ter.
"Em 15 anos, não vi nenhum casotumor malignoaxolotes, o que é interessante", diz ela. "Suspeitamos quecapacidaderegenerar células e partes do corpo ajude nesse aspecto."
E não para por aí. Os axolotes têm sido usados tradicionalmentetodo o México como remédio para algumas condições associadas à gravidez, fraqueza e doenças respiratórias.
Um grupofreirasPatzcuaro, no México, cria legalmente uma espécieaxolote, Ambystoma dumerilii, e usa os animais como ingredienteum xarope para tosse, embora tradicionalmente eles fossem consumidos como parteum caldo.
Eternos adolescentes — e representação do divino
Frankie é um Ambystoma mexicanum, uma das 17 espéciesaxolote no México. Encontradas principalmente nos estados do México, Puebla e Michoacán, várias estão seriamente ameaçadas. Algumas espécies se transformamsalamandras que vivem na terra, perdendo as caudas semelhantes a girinos e as brânquias da cabeça.
No entanto, isso também depende do ambiente. Frankie, por exemplo, vivendocativeiro e, portanto, a salvopredadores, permanecerá um "eterno adolescente". Ou seja, axolotes como ele nunca vão se transformarsalamandras — vão manter a cauda que desenvolveram como larva e viverão sempre debaixo d'água.
"Basicamente, eles decidem se vão completar a metamorfose, com basefatorespressão ambiental", diz Zamora.
"Se eles decidirem que é melhor viver fora d'água, vão passar pela mutaçãosalamandras, mas pode ser uma empreitada estressante, pois eles paramcomer completamente durante esse período."
"A teoria atual é que, por razões evolutivas, o Ambystoma mexicanum permanecerá jovem (em algum estágio entre um girino e uma salamandra), uma vez que há muita comida na água (como pequenos peixeságua doce) e poucos predadores, ou seja, poucas razões para emergir."
Devido a essa tendênciamudarforma, os axolotes têm uma presença forte na mitologia asteca. Eles costumam ser reconhecidos como uma representaçãoXolotl, deus do submundo que é o irmão gêmeo do malQuetzalcoatl, frequentemente representado pelo Sol.
Quando vários deuses foram convidados a fazer um sacrifício para criar o mundo, Xolotl fugiu para a água. Porcovardia e relutânciaajudar, ele foi condenado a viver para sempre na água e a sofrer da eterna juventude. Para os astecas, a morte era transcendente — e não concluir esse ciclo significava ser impedidoalcançar uma esfera superior.
Uma atração turística
Apesaro axolote estar ameaçadoextinção, imagensFrankie e seus amigos estão espalhadas por toda a Cidade do México — seja na formagrafite nos muros da capital oubichospelúcialojasouvenir.
Além disso, o Ambystoma mexicanum vai estampar a nota50 pesos que será lançada2022. E os novos ônibusturismo da cidade apresentam a imagemum axolote albino pintado na lateral.
Anos atrás, se você quisesse encontrar um axolote, tudo o que você precisava fazer era procurar um canal. A Cidade do México foi construída sobre o leito do que outrora era um lago enorme, onde os astecas costumavam criar canais — alémchinampas, ilhas flutuantes feitasárvores e lama que eram usadas para cultivar alimentos — para finsnavegação e transporte.
Embora o lago e grande parte do sistemacanais tenham sido drenados ao longo dos anos para abrir espaço para uma população crescente, ainda há mais183 kmcanais no bairroXochimilco — e 165 hectaresterra e água estão localizados na área protegida do Parque EcológicoXochimilco.
Mas,vezaxolotes, é mais provável que os visitantes encontrem hoje inúmeras espéciesaves migratórias e guias nos barcos nos canais. A área se tornou altamente turística, sendo mais conhecida como um lugar para dar um passeio nas icônicas traineiras coloridas, onde barcos menores passam repletosmariachis ou vendendo cerveja.
Ameaças ambientais
Como as traineiras são barcos sem motor, não têm, a princípio, um impacto negativo nos axolotes. No entanto, as chinampas não estão conectadas ao sistemaesgoto da cidade; e os resíduos costumam acabar nos canais.
Outras ameaças aos anfíbios incluem o rápido crescimentoplantas aquáticas ornamentais não nativas e a poluiçãofertilizantes industriais, alémespécies invasoras, como carpas e tilápias, que foram introduzidas pelo governo na década1970 para fornecer alimento para a antiga área rural.
A última iniciativa foi bem-intencionada, diz Servín Zamora, mas não tão bem planejada, uma vez que a carpa e a tilápia se deliciam com os jovens axolotes.
"Os problemas que Xochimilco enfrenta não são apenas ambientais, mas também sociais", acrescenta.
"As pessoas não obtêm renda suficiente com suas chinampas ou com o ecoturismo, então tendem a construir suas casas lá (no terreno das chinampas, o que é uma opção acessível, pois elas já são donas da propriedade) e, por esse motivo, a urbanização aumentou muito naquelas áreas. Infelizmente, todo o esgoto dessas casas vai diretamente para os canais, e isso causou uma tremenda poluição."
Em 2017, a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) fez um estudo monitorando os canais. Embora os resultados ainda estejam sendo analisados, foi demonstrado que a poluição da água é muito grave nas zonas urbanascrescimento rápidoXochimilco.
Servín Zamora disse que há esperançarecuperar espaços ainda dedicados à agricultura e, portanto, menos propensos a serem contaminados pela poluição causada pela superpopulação.
"Se trabalharmos duro com educação, pesquisa e trabalho diretamente na área, podemos resgatá-lo, mesmo que seja apenas uma parte."
Ainda assim, o estudo encontrou apenas um axolote vivendo na naturezaXochimilco.
Salvando o axolote
Hoje, a maioria dos axolotes vivecativeiro. Yanin Carbajal é cofundadora da Casa del Axolotl, um museu e aquário dedicado a educar o público sobre os axolotes, localizado na cidadeChignahuapan,Puebla.
O projeto dela começou anos atrás, com tanquescriação no ranchosua família, nas colinas das montanhas da Sierra Madre Oriental. O espaço do museu localizado na cidade foi inaugurado no ano passado, exibindo15 a 20 axolotesquatro espécies diferentes.
Carbajal conta que se sentiu motivada a cuidar dos axolotes por causa do seu forte vínculo com a história pré-colombiana do México, seus importantes efeitos para a saúde humana e o objetivopreservar as espécies e melhorar seus habitats.
Ela adverte, no entanto, que criar axolotes não é uma tarefa fácil. Embora seja permitidotodo o mundo mantê-los como animaisestimação, no México só é autorizado obter axolotesum viveiro credenciado pela SecretariaMeio Ambiente (equivalente a um ministério no Brasil).
"A ignorância é um grande problema, com pessoas tirando (os axolotes) da natureza, mantendo como animaisestimação ou,alguns casos, vendendo", afirma Carbajal.
"Se as pessoas conseguem fazer com que se reproduzam, é positivo. Mas, do contrário, não ajuda as espécies. Como eles vivem nas águas tranquilaslagos e lagoas, as temperaturas tendem a não flutuar tão rápido quantocativeiro."
A Cidade do México tem poucos lugares onde os axolotes podem ser vistoscativeiro hoje — entre eles, o ZoológicoChapultepec, o Zoológico Los Coyotes e a sede das operadorasturismo Axolotitlán e Umbral Axochiatl, ambasXochimilco.
Pamela Valencia é fundadora da Axolotitlán, operadora da Cidade do México que tem como objetivo educar moradores e turistas sobre o delicado ecossistemaXochimilco e a necessidadese apoiar a causa dos axolotes, por meiopasseios com uma cooperativachinamperos (agricultores das chinampas) no parque ecológico.
"O axolote é um tema no México que tem a ver com política, sociedade, usorecursos, educação ambiental e sistematizada", avalia Valencia.
"É um tópico que perpassa todas as vertentes da sociedade,uma maneira ououtra. Acreditamos que o axolote é o segredo para salvar nossa cidade, nosso país e provavelmente o mundo. É um animal incrivelmente importante que pode inspirar as pessoas a pararfazer coisas que estamos fazendo há muito tempo como sociedade (como poluir) e sermos melhoresvárias maneiras."
Dionisio Eslava, presidente da Umbral Axochiatl, que trabalhaparceria com a Axolotitlán organizando passeiosXochimilco, para que os visitantes entendam melhor a natureza do bairro, acredita que diminuir a diferença geográfica, cultural e socioeconômica entre a população da Cidade do México e os agricultores do sul é uma maneiraajudar a limpar a área e incentivar, assim, os axolotes a voltarem para a região.
"Os ecossistemas são um tiposegurança, não apenas para alimentos, mas também para água, oxigênio e um aliado para enfrentar as mudanças climáticas", afirmou.
"As grandes cidades devem apoiar nossos ecossistemas nos visitando e nos acompanhando neste tesouro que é uma grande herançatoda a humanidade."
Essa pequena criatura, muitas vezes esquecida, pode não só nos guiar na proteção do planeta, como também é potencialmente a chave para desvendar alguns mistérios científicos.
Frankie viveu até os oito anos (embora os axolotescativeiro possam viver 12 anos ou mais), morrendocausas naturais no ZoológicoChapultepec2010.
Ele ocupa até hoje um lugar cativo no coração Servín Zamora, já que foi um dos primeiros axolotesquem ela cuidou e ela diz ter aprendido muito com ele — esperamos que o resto do mundo também aprenda.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel .
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