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Violência contra mulheres: a estratégia do Nepal para ajudar vítimasesport bet ioabuso doméstico:esport bet io
O médico e uma enfermeira conduziram a mulher a uma sala privada e fecharam a porta. Eles seguiram o roteiro habitual. O abuso não é normal ou inevitável, disseram à vítima. Há opções, reforçaram.
Momentos depois, ela foi levada pela enfermeira ao centroesport bet iocrise, uma ala separada do hospital onde os pacientes que enfrentam abusos podem conversar com conselheiras e uma policial.
A violência praticada pelo parceiro geralmente provoca problemasesport bet iosaúde a longo prazo. E o consultório médico é geralmente o primeiro - se não o único - local onde alguém pode não apenas notar o problema mas também ter conhecimento e autoridade para ajudar.
Muitos governos não priorizam a intervenção nos locaisesport bet iosaúde. Mas o Nepal, cujos índicesesport bet ioviolência doméstica estão entre os mais altos do mundo, está numa lista crescenteesport bet iopaíses que vêm tomando medidas, como instalar serviçosesport bet ioapoio dentroesport bet iohospitais e oferecer treinamento para identificar e encaminhar pacientes vítimasesport bet ioabuso.
No Brasil, uma lei federal garante atendimento médico e psicológico às vítimasesport bet ioviolência sexualesport bet iotodos os hospitais integrantes do Sistema Únicoesport bet ioSaúde (SUS). O texto prevê que as unidadesesport bet iosaúde prestem cuidados das lesões e medidas para se evitar a gravidez e a contaminaçãoesport bet iodoenças sexualmente transmissíveis. Em dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que obriga o agressor a ressarcir o SUS pelos custos com o tratamento da vítima. O texto seguiu para o Senado.
Mulheres vítimasesport bet ioviolência doméstica podem ainda buscar apoioesport bet iocasasesport bet ioacolhimento, que geralmente são gerenciadas por prefeituras, governos estaduais ou institutos. No Rioesport bet ioJaneiro, por exemplo, há o Centro Especializadoesport bet ioAtendimento à Mulher Chiquinha Gonzaga e o Centroesport bet ioReferênciaesport bet ioMulheres da Maré Carminha Rosa. Eesport bet ioSão Paulo, funcionam os Centrosesport bet ioCidadania da Mulher.
Tão comum quanto asma e diabetes
Embora a violência do parceiro possa acontecer com qualquer um, as mulheres são proporcionalmente mais afetadas. No mundo, quase um terço das mulheres que estãoesport bet iorelacionamentos já sofreram casos violência física ou sexualesport bet ioseu parceiro. Esse tipoesport bet ioviolência é pioresport bet iopaíses que estão vivendo ou se recuperandoesport bet ioconflitos, como a República Democrática do Congo e o norteesport bet ioUganda. Embora o comportamento esteja mudando, estudos sugerem que a situação é mais aceitaesport bet iopaíses da Ásia, da África e da Oceania.
Mas a situação não ocorre apenas no mundoesport bet iodesenvolvimento. Um terço das mulheres na Dinamarca e pouco menosesport bet io30% das do Reino Unido dizem ter experienciado violênciaesport bet ioseu parceiro pelo menos uma vez na vida, por exemplo. Nos Estados Unidos, 32% das mulheres experienciaram violência físicaesport bet ioseus parceiros, e 16%, violência sexual; e 4% sofreram violência física, e 2%, violência sexual, no último ano.
O impacto da violência na saúde feminina é enorme. Nos Estados Unidos, a violência do parceiro resultaesport bet io2 milhõesesport bet ioferidos a cada ano, tornando este um problemaesport bet iosaúde maior do que a obesidade e o fumo. Ele é associado à dor crônica, asma, dificuldade para dormir, síndrome do intestino irritável, doença cardíaca, diabetes, derrame e doenças sexualmente transmissíveis. Mulheres que sofreram violênciaesport bet ioum parceiro têm alto riscoesport bet iosuicídio e mais propensão a sofreresport bet iodepressão, ansiedade, ataquesesport bet iopânico e transtornoesport bet ioestresse pós-traumático.
Profissionaisesport bet iosaúde são geralmente os primeiros a entraresport bet iocontato com pessoas que sofrem abuso: nos Estados Unidos, por exemplo, as mulheresesport bet iorelacionamentos abusivos visitam centrosesport bet iosaúde com frequência 2,5 vezes maior que outros pacientes.
Como 40% das vítimasesport bet iohomicídio do sexo feminino são mortas por seus parceiros, a intervenção pode salvar suas vidas.
Um estudo que analisou 139 homicídios femininos ao longoesport bet iocinco anos na Cidade do Kansas, nos EUA, descobriu que quase um quarto dos homicídios (34) estavam relacionados à violência doméstica. Dessas, 15 mulheres foram à emergência - 14 delas com ferimentos - até dois anos antesesport bet ioserem mortas. Em uma pesquisa recente com 1.554 vítimas atendidas pela polícia após violência doméstica, 88% delas relataram ter sobrevivido a uma tentativa anterioresport bet ioestrangulamento.
Treinamento profissional insuficiente
Mas os profissionaisesport bet iosaúde estão frequentemente despreparados para ajudar as pacientes. No Reino Unido, um estudoesport bet io2017 descobriu que a maioria dos treinamentos médicos não cobre adequadamente a violência praticada por parceiros.
Embora o Leiesport bet ioCuidados Acessíveis nos Estados Unidos determine que mais planosesport bet ioseguro atentem à triagem e ao aconselhamentoesport bet iopacientes que enfrentam violência, o governo dos EUA ainda não tem um protocolo nacional.
O treinamentoesport bet ioprofissionais médicos para identificar e encaminhar pacientes dependeesport bet iocomo um país financia seu sistemaesport bet iosaúde, diz Kelsey Hegarty, médica da família e pesquisadora que ajuda a desenvolver intervençõesesport bet iosaúde na Austrália.
Os governos não podem exigir que instituições privadas treinemesport bet ioequipe para responder à violência praticada por parceiros, e muitos deles não financiam protocolos ou treinamentos. Como resultado, grupos da sociedade civil geralmente assumem a tarefaesport bet iodesenvolver intervençõesesport bet ioserviços dentroesport bet iohospitais.
"Para algo que é tão comum quanto a asma e a diabetes e prejudica a saúde, esse cenário é perturbador", diz Hegarty.
Não sensibilizar os profissionaisesport bet iosaúde tem consequências. Um estudo recente sugere que alguns desses trabalhadores do Líbano percebiam a violência como justificada se a mulher tivesse um comportamento agressivo. Sem surpresa, as pacientes não se sentiam à vontade para revelar o abuso.
No Nepal, onde quase metade das mulheres já sofreu alguma formaesport bet ioabuso, pacientes temem que os profissionaisesport bet iosaúde riam ou as acusemesport bet ionão serem "boas esposas".
"A polícia nem ligou quando eu contei o que tinha acontecido comigo, então por que os médicos se importariam?", diz Neha, que esteveesport bet ioum casamento abusivo antesesport bet iovisitar um centroesport bet iocrise no Nepal. (Para proteger a segurançaesport bet iomulheres entrevistadas, não usamos seus nomes reais).
Há debates sobre como os profissionaisesport bet iosaúde deveriam identificar pacientes como Neha. Alguns ativistas recomendam triagens nas quais os profissionais perguntem à paciente se ela sofreu abuso. Mas há poucas evidências sobre os benefícios disso.
Uma revisãoesport bet io11 estudos na revista científica British Medical Journal descobriu que o rastreamento ajudou a identificar pacientes que sofreram abuso, mas não necessariamente as ajudou a acessar serviçosesport bet ioapoio.
A Organização Mundialesport bet ioSaúde (OMS) desaconselha a triagem por profissionaisesport bet iosaúdeesport bet iosuas diretrizes sobre violênciaesport bet iogênero. Em vez disso, muitos especialistas sugerem abordagens como a adotada pelo Nepal.
A abordagem do Nepal
Em um centroesport bet iocrise no hospitalesport bet ioGhorahi, Maya estava encurvadaesport bet iouma cama estreita com lençol azul-petróleo. Ela estivera na emergência um dia antes. Agora, ela estáesport bet iovolta para se encontrar com a conselheira Radha Paudel, que se agachou próxima aesport bet iocama e notou uma sérieesport bet iohematomas subindo por seu braço. Em um travesseiro, estava uma folhaesport bet iopapel listando seus outros sintomas - doresport bet iocabeça, hematoma na mão direita, inchaço emesport bet iocabeça, dor no peito e nas costas.
"Você veio antes com seu marido, também", disse Radha quase num sussurro. "Meu marido não quis vir hoje", disse Maya. Ele ficouesport bet iocasa tomando conta das crianças.
Meses antes, Maya tinha prestado uma queixa contra seu marido - que foi preso por um período curto - e deu entrada no divórcio com a ajudaesport bet ioSabita Thapa, oficialesport bet iopolícia que trabalhaesport bet iotempo integral no centroesport bet iocrise. Radha conectou Maya com o grupoesport bet iomulheres locais para ajudá-la a estabelecer uma fonte independenteesport bet iorecursos.
O atendimento a Maya reflete uma respostaesport bet iosaúde que ainda não é a ideal, mas estáesport bet ioevolução. Embora Maya ainda enfrente abuso, o centroesport bet iocrise a conectou a diversos serviços. Seu marido se mudou e o divórcio tramita na Justiça.
O Nepal abriu seu primeiro centroesport bet iocriseesport bet io2011 nas regiões central e do extremo-oeste e continua a instalá-losesport bet iohospitais ao redor do país. Em 2015, o governo desenvolveu um protocolo para ajudar profissionaisesport bet iosaúde a identificar e encaminhar mais pacientes aos centrosesport bet iocrise, os quais receberam apoio técnico da ONG Jhpiego e do Fundoesport bet ioPopulação das Nações Unidas. Hoje ele é financiado pelo governo.
Centenasesport bet ioprofissionaisesport bet iosaúde já foram treinados, incluindo, por exemplo, ginecologistas e médicos da famíliaesport bet iopequenos postosesport bet iosaúde.
No hospitalesport bet ioGhorahi, especialistas acreditam que esta abordagem multifacetada ajudou a aumentar o númeroesport bet iomulheres denunciando o abuso e recebendo aconselhamento e apoio legal. Em 2013, apenas 74 mulheres denunciaram o abusoesport bet iohospitais. Em 2017, esse número saltou para 493 mulheres.
Embora a maioria delas vá aos hospitais para denunciar o abuso por conta própria, a cada ano aumenta o númeroesport bet ioenfermeiras e médicos encaminhando pacientes para conselheiros.
"Trabalhadoresesport bet iosaúde tinham medoesport bet iolidar com esses casos", diz Saroja Pande, uma das médicas que ajudou a desenvolver o protocolo. "Elas eram encaminhadas aos serviços, mas ficavam traumatizadas e desistiam do acompanhamento. Ficavamesport bet iocasa e desenvolviam depressão. Algumas se suicidavam".
O treinamento atual é mais abrangente. Ele inclui um mistoesport bet ioteoria, jogos e cenáriosesport bet iodramatização, incluindo uma simulaçãoesport bet ioum tribunal, para preparar os funcionáriosesport bet iosaúde a como reagir se forem chamados para apresentar provas.
Empatia e preconceito
Outro objetivo da abordagem nepalesa é disseminar a empatia. Os médicos são encorajados a reconhecer e questionar preconceitos que existem sobre os abusos. Em uma sessão, os treinadores perguntam se eles acreditam que uma mulher usando short é agredida por causaesport bet iosua roupa. Eles aproveitam a oportunidade para quebrar mitos sobre o que motiva os agressores.
Ishwor Prasad Upadhyaya, coordenadoresport bet iotreinamento, quer que os profissionaisesport bet iosaúde pensemesport bet ioseu trabalho para alémesport bet ioapenas um emprego. "Dizemos a eles que se você não puder servir uma sobrevivente do fundo do seu coração, então não toque no caso delas", diz ele. "Se não pode servi-las, mande-as para outro profissional."
Outros países têm abordagens parecidas. Modelosesport bet iocrise existemesport bet iocentrosesport bet iosaúdeesport bet ioRuanda, Guatemala, Índia, Reino Unido, Malásia, África do Sul e Colômbia, entre outros. O governo da Jordânia tem um protocolo para profissionais e clínicasesport bet iosaúde reprodutiva, como o Profamilia, da República Dominicana, que seleciona pacientesesport bet ioviolênciaesport bet iogênero.
Mas essas abordagens ainda enfrentam muitos desafios. Especialistas concordam que somente treinar os profissionaisesport bet iosaúde não é suficiente se o país não tiver um forte serviçoesport bet ioapoio funcionando, incluindo abrigos. Mas, no Nepal, assim comoesport bet iomuitos países, os abrigos sofrem com a faltaesport bet iofinanciamento, as vítimasesport bet ioabuso doméstico só podem ficar ali por apenas por um curto período e há escassezesport bet iozonas rurais.
No hospitalesport bet ioGhorahi, podem ocorrer atrasos no acompanhamentoesport bet iopacientes, o que pode reduzir as chanceesport bet ioelas buscarem os serviçosesport bet ioapoio. Muitas mulheres também optam por aconselhamento familiaresport bet iovezesport bet ioregistrar queixas na polícia contra seus maridos, devido à faltaesport bet ioapoio financeiro e familiar.
Os policiais no Nepal frequentemente estimulam a mediação como uma alternativa ao processo, mas pesquisas nos Estados Unidos sugerem que isso pode aumentar o risco.
Ao redor do mundo, a taxaesport bet ioburnout dos profissionaisesport bet iosaúde envolvidos com esse tipoesport bet iotrabalho é alta, diz Upala Devi, coordenadoraesport bet ioviolênciaesport bet iogênero do fundo da ONU. "Esse avanço no tema é muito positivo e bem-vindo. Mas resta muito o que se fazer."
Como profissionais sem treinamento podem ajudar
Especialistas concordam que mesmo os profissionaisesport bet iosaúde sem treinamento específico podem ajudar a identificar e encaminhar pacientes que sofreram abusos.
Hegarty tem apenas um conselho: ler as diretrizes da OMS sobre como responder à violênciaesport bet iogênero, com sugestões baseadasesport bet ioevidências. E mais importante, as diretrizes listam as coisas que um profissionalesport bet iosaúde deveria considerar antesesport bet ioperguntar a uma paciente se ela sofre abuso, como ter certezaesport bet ioque é o local é privado, garantir a confidencialidade, seguir um protocolo e encaminhar o paciente a serviçosesport bet ioapoio.
De preferência, o profissional deve ser treinado sobre como perguntar com sensibilidade sobre o abuso. Em situaçõesesport bet ioque isso não é possível, porém, as diretrizes explicam como ouvir, perguntar sobre as necessidades e validar as experiências do paciente.
No Nepal, os profissionaisesport bet iosaúde observam os pacientes que chegam com sintomas vagos ou que não correspondem aos do exame. Eles também observam seu comportamento e o daqueles que os acompanham. Se uma paciente parece deprimida ou responde a perguntasesport bet ioforma errática, um profissionalesport bet iosaúde deve considerar perguntar-lhes sobre seus relacionamentos ou encaminhá-los a um conselheiro qualificado. Se o membro da família ou cônjuge que acompanha a paciente se recusar a deixá-la sozinha com um profissionalesport bet iosaúde, isso também pode sinalizar o abuso.
Jinan Usta, médico que desenvolveu o treinamento para profissionaisesport bet iosaúde no Líbano, diz que é importante ter planosesport bet iosegurança se os pacientes preferirem continuar com seus agressores. Primeiro, os médicos devem perguntar à paciente se a violência aumentou com o tempo, e se há armasesport bet iofogo ou outros instrumentos pontiagudos ao redor. Se houver, ele recomenda que os pacientes saiamesport bet iocasa imediatamente quando o agressor começar a agiresport bet ioforma violenta.
Há várias outras medidasesport bet iosegurança: evite se esconderesport bet ioespaços fechados, tenha um número no celularesport bet ioalguém para quem você possa ligar imediatamente, oculte instrumentos afiados e mantenha a porta da frenteesport bet iosua casa desbloqueada para que você possa sair rapidamente.
Usta acredita que ouvir os sobreviventesesport bet ioabuso doméstico têm seu próprio poder. "Basta ouvir as mulheres e fazê-las sentir que não estão sozinhas nisso", diz ela.
Sabita concorda. Em uma tarde recente, ela entrou no centroesport bet iocriseesport bet ioGhorahi durante uma tempestade e sentou-seesport bet ioum canto, observando a equipe fazendo um trabalho burocrático.
Há três anos, ela denunciou o abuso. Agora, ela frequenta o local para aconselhamento. Ela voltou a morar com o marido, mas diz que o abuso parou logo depois que a equipe do centroesport bet iocrise ajudou a organizar seu tratamento para a depressão. Ela regularmente encaminha outras mulheres ao centroesport bet iocrise.
"Eles nos tratam melhor do que nossas mães e nossos pais", diz ela.
- esport bet io Leia a versão original desta reportagem (em inglês esport bet io ) no site BBC Future esport bet io .
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