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O grande desafio da megalópole com 29 milhõeshabitantes que está ficando sem água:
No entorno do blocosanitários, está a casaFatima, uma mulher esbelta e decidida, que nos recebe com uma xícaramasala chai quente. Ela ganha um salário relativamente bom para gerenciar o banheiro público, que abrange treinar pessoas a como usar o vaso sanitário e como manter o espaço limpo. E, ao mesmo tempo, cuidauma pequena tendachá.
"Tenho quatro filhos, e cuidaruma famíliaseis requer muito dinheiro", diz Fatima. "Meus filhos estão crescendo, então quero que eles tenham educação e, mais tarde, uma vida melhor do que a que estou tendo."
Gerenciar o pequeno banheiro comunitário é uma formaatingir esse objetivo, mas Fatima, que usa apenas seu primeiro nome, não está trabalhando somente para o bemsua própria família. Seu papel é resolver alguns dos problemas sistêmicos que afetam a diversificada, multi-religiosa e multiétnica comunidade Jai Hind.
Ela criou um sistema para garantir que todas as famílias no acampamento tenham acesso igualitário à água. Cada família ganha um recibo numerado para receberporçãoágua semanal do carro-pipa. Orgulhosa, ela me mostra o registro, e explica como os conflitos por água pararamocorrer desde que a ideia foi implementada.
Embora uma distribuição mais justa desta preciosa commodity já tenha mudado milharesvidas para melhor, a água ainda ocupa grande espaço nas mentesmoradoresJai Hind. Ao mesmo tempo que as pessoas ainda precisemmais água potável, o excessochuvas nos mesesjulho a setembro provoca - devido à faltaum sistemadrenagem - poças tóxicas que trazem doenças, como malária, dengue e chikungunya.
Quando saio do acampamento sob uma forte chuva, Kaur aponta para fileirasedifícios elegantes que se elevam sobre os barracos. Em Déli, as favelas e os complexosluxo geralmente ficam lado a lado. Segundo ela, as mulheres locais precisam dos trabalhoslimpeza oferecidos pelas famílias ricas, e as classes médias também precisam cada vez maisajuda doméstica.
Problemas com água
Embora Jai Hind pareça o oposto da imagem da agitada e progressista Déli que as autoridades querem projetar, as dificuldades refletem a conturbada relação da capital com a água.
Um relatório recente do think tank patrocinado pelo governo, o Instituto Nacional para a Transformação da Índia (NITI Aayog), alerta que 21 cidades indianas, incluindo Déli, Chennai, Bengaluru e Hyderabad, sofrerão com a faltaáguas subterrâneas até 2020, afetando 100 milhõespessoas. Embora isso não indique que a capital secará, já que recebe águaEstados vizinhos, "Déli está tirando muita água do solo e não está lhe devolvendo a quantidade suficiente", afirma Amitabh Kant, diretor-executivoNITI Aayog.
O estudo coordenado por ele analisou como vários Estados indianos se comportam na gestãoseus recursos hídricos, um tema que "passa por vários departamentos governamentais" e inclui questões diversas como o manejo do solo, práticasirrigação, saneamento, contaminação da água, água potável para a zona rural e abastecimento urbano.
De maneira contraintuitiva, o estudo mostra que Estados que tradicionalmente enfrentam escassezágua - incluindo Gujarat, Madhya Pradesh e Andhra Pradesh - são mais eficientesgarantir água potável para a população urbana e rural,empregar a água da chuvacolheitas e técnicas avançadasirrigação, entre outras medidas. E ao contrário, os Estados do nordeste, que se beneficiamrecursos abundantes, têm pontuação mais baixa no índice desenvolvido para o estudo. Déli está no coração dessa região, entre Haryana e Uttar Pradesh.
"O relatório dá nome aos bois", afirma Kant, que acredita que expor a performance dos Estados ao público pode influenciar as administrações locais a agir. "Esses são Estados onde vivem 50% da população e onde a agricultura se desenvolve. Portanto, se eles não agiremacordo, a segurança alimentar estárisco para toda a Índia".
Sob esse cenário, Déli poderia ser uma das primeiras vítimas. Segundo a ONU, a cidade com 29 milhõeshabitantes deve ultrapassar Tóquio e se tornar a maior metrópole do mundo2028. Mas à medida que a cidade indiana se expande, seu frágil sistemarecursos hídricos se aproximaum colapso. Déli depende fortemente da água que recebeEstados vizinhos, o que pode provocar tensões políticas, especialmente nas estações mais secas e quente, quando o abastecimento geralmente recua.
"Em longo prazo, seja no casoDéli ouqualquer grande cidade, bombear água indiscriminadamente, excedendo a capacidaderecarga natural, vai simplesmente acelerar o esgotamento da água estocada nos aquíferos", afirma Priyam Das, professor associado da Universidade do Havaí e especialistagovernança hídrica. "Com as mudanças climáticas, também haverá mudançaspadrõestempo efluxoságua na superfície. Com isso, a regulação da água subterrânea para proteger os recursos hídricos pode ser a chave para evitar uma crise."
Esse cenário, diz Das, "é um tanto apocalíptico, mas, se acontecer, poderia provocar sérios conflitos pelos escassos recursos. Conflitos por água não são novos, mas poderemos testemunhar a violência provocada pela escassezuma escala sem precedentes".
Máfia da água
Apesar da ameaça iminente, "ninguém monitora onde e quando os poços são perfurados, mesmo queteoria fosse necessária uma permissão", afirma Asit Biswas, especialistarecursos hídricos globais e professor visitante do Instituto IndianoTecnologiaBhubaneswar. "Mesmo que haja um problema, você paga alguém algumas centenasrúpias, e o problema vai para debaixo do tapete."
Biswas não está se referindo aos poços, mas ao lado mais obscuro da indústria da água na Índia. Ele fala da "máfia da água" que assola Déli como um segredo aberto. Parte da classe política não tem interessemudar o status quo, segundo ele, porque "se beneficia do sistema existente".
"Quanto mais escassa a água pública, maior a demandafornecedores privados", explica Biswas. "O que acontece é que alguns políticos ou autoridades na Delhi Jal Board (a agência governamental responsável pelo abastecimentoágua na região) usam os carros-pipa para vender água como uma empresa privada".
As principais vítimas dessa suposta extorsão são comunidades desfavorecidas que vivem"favelas não notificadas", assentamentos informais habitados principalmente por imigrantes não oficialmente reconhecidos pelo governo e que não receberam nenhum apoio prático. Eles têm que pagar pelo abastecimento diárioáguaseus próprios bolsos, alémviverem sob constante medoserem evacuados.
O que ficou conhecido como o "golpe dos carros-pipa" na Índia2016 e 2017 supostamente envolveu várias autoridades do governo que estariam usandoposição pública para lucrar ilicitamente. Embora uma investigação oficial tenha sido instaurada, várias fontes afirmaram à BBC que Déli ainda sofre às custas dessa relação perniciosa entre os serviços público e privadoágua. Procurados pela BBC, o Jal Board e o departamentoinvestigação da Índia não comentaram o assunto.
A criseáguaDéli está inexoravelmente ligada ao aumento populacional, inflado por imigrantesEstados próximos. A maioria termina se assentando nas favelas que vão se alastrando. De acordo com o último censo,2012, maisum milhãopessoas viviafavelasDéli na época, e o número provavelmente cresceu drasticamente nos seis anos seguintes.
Guardiões da água
Escondida na área industrialKirti Nagar, no oesteDéli, uma pequena comunidadeimigrantes oferece um relanceum futuro alternativo, onde a água é igualmente distribuída e chega às casas das pessoas, mesmofavelas. Aqui, as varandas são decoradas e os prédios antigos são pintadosazul, amarelo e rosa. Um grupomulheres bem vestidas me mostra o local, e me conta como a água agora é entregue por torneiras conectadas a um redecanos que chega a cada esquina do complexo. Esta é uma das primeiras favelas notificadasDéli onde o governo apoia um sofisticado sistemaabastecimentoágua.
De início tímida, Krishnavati, que também só usa seu primeiro nome, concordame mostrar como as torneiras funcionam - demonstrando o design especial com o objetivoevitar o desperdício e potenciais danos. Cada torneira tem duas válvulas, então se uma quebra, a água não jorra, e o sistema continua funcionando.
Antes desse sistema, Krishnavati lembra que uma jornadavárias horas era necessária para abastecercasa com água. Agora, ela consegue simplesmente abrir a torneira e esperar que o recipiente se encha enquanto ela continua o trabalho doméstico. "A qualidade da água também melhorou", diz. "Antes a gente contraía doençastempostempos, agora isso não acontece mais".
Krishnavati e suas amigas são os guardiães das redeságua, responsáveis por manter os canos e torneiras funcionando, notificando autoridades se algo quebrar ou se houver uma potencial contaminação. Nas favelas, não é incomum as pessoas quebrarem os canos e instalarem um motor para bombear mais água para suas casas. E é algo que as autoridadesfora do complexo têm dificuldadedetectar e consertar, o que dá às mulheres um papel especialdisseminar um sensopropriedade coletivaseu precioso recurso.
O sistema ainda está longeser perfeito. Especialistas concordam que o abastecimento intermitenteágua significa que os canos vão se deteriorar mais rápido, mais água será desperdiçada e ao final os custos serão muito maiores do que se a água estivesse continuamente disponível por meio do sistema. Mesmo assim, o experimento está se provando um sucesso. Não apenas porque ele previne a escassezágua e reduz o riscodoençasáreas carentes mas também porque mobiliza as pessoas a terem orgulhosua comunidade e a lutarem por um bem comum, algo que pode trazer mudançasvários outros campos.
Um dos aspectos mais incomuns da gestão da águaKirti Nagar é que não há ninguém a cargovigiar o sistema - uma posição que poderia abrir brechas para os tiposcorrupção já descritostodos os lugares da cidade. Quando me despeço, Kaur aponta para uma parede que foi pintada com os nomestodas as mulheres trabalhando no projeto. "Nossa força está trabalhando como um grupo", Kaur afirma. "Se todo mundo é um líder, o líder nunca morre."
- Leia a versão original desta matéria (em inglês ) no site da BBC Future.
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