Gavião Guató Kayapó Kheuól Ka’apor Nheengatu Parikwaki Sanöma Terena Yaathê

Quantas são as línguas indígenas do Brasil, onde são faladas e o que as ameaça?:7casino

Deslize para continuar

down

O território brasileiro abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha7casino1500, quando chegaram os europeus. E, ao contrário7casinooutros países da região, como Peru, Colômbia, Bolívia, Paraguai e até Argentina, o Brasil não reconhece como oficiais nenhuma7casinosuas línguas indígenas7casinoâmbito nacional.

O Censo 2010 contabilizou 274 línguas indígenas atualmente no Brasil (os números do Censo 2022 ainda não foram divulgados). Mas linguistas ligados às principais instituições do país, como o Museu Emílio Goeldi, no Pará, e o Museu do Índio, no Rio7casinoJaneiro, falam7casino160 a 180. Se considerarmos dialetos — variações7casinouma mesma língua que podem ser compreendidas mutuamente — chega-se a 218.

Mulher do povo kayapó na aldeia Piaracu7casinoMato Grosso,7casino177casinojaneiro7casino2020
Território brasileiro já abrigou mais7casinomil línguas diferentes | Foto: Getty

Por que ainda não sabemos exatamente o número7casinolínguas faladas pelos povos nativos brasileiros?

A resposta é mais simples – e também mais complicada – do que parece. O problema está7casinocomo a pergunta é feita, ou melhor,7casinoque critérios são considerados na hora7casinodefinir o que é uma língua e nomeá-la.

Muitos grupos indígenas não têm um nome específico para a7casinolíngua. Nem para si mesmos. Eles dizem ‘nós somos nós’. Isso é um problema para um levantamento como o Censo.
Denny Moore Linguista e antropólogo pesquisador do Museu Emílio Goeldi

O Censo 2010 afirmava, por exemplo, que existiam 251 autodeclarados falantes da língua tupinambara, que é considerada pelos pesquisadores extinta há dois séculos. Ou que a língua aruá, falada7casinoRondônia, tinha 189 falantes, enquanto levantamentos feitos no local por pesquisadores mostravam que somente cinco pessoas falavam a língua.

Homens do povo tapirapé se preparam para uma dança cerimonial,7casino177casinojaneiro7casino2020
Perguntas do Censo 2010 sobre línguas indígenas geraram resultados confusos, segundo especialistas | Foto: Getty

Normalmente, as contagens mais altas7casinolínguas consideram alguns dialetos como línguas separadas, mesmo que seus falantes consigam se entender – enquanto a maioria dos linguistas classificaria esses dialetos como uma mesma língua.

Essas contagens também costumam incluir grupos que deixaram7casinofalar7casinolíngua tradicional, mesmo que a declarem como seu idioma.

Isso acontece porque a língua é uma construção dentro da ciência, mas também é política. Há cada vez mais pessoas que se declaram falantes7casinolínguas que consideramos extintas porque esses grupos estão lutando pelo seu reconhecimento.
Bruna Franchetto Linguista e antropóloga da Universidade Federal do Rio7casinoJaneiro (UFRJ)

“Se declarar falantes da língua, para eles, é uma questão7casinovisibilidade e7casinosobrevivência. E muitos estão realmente empenhados7casinorecuperar suas línguas, seja junto a vizinhos falantes7casinouma variedade, fazendo pesquisas documentais ou recriando suas falas com base no que sobrou7casinoconhecimento sobre suas origens", afirma a linguista e antropóloga Bruna Franchetto, da UFRJ.

Ou seja, para contar as línguas nativas do Brasil é preciso estabelecer um critério principal para definir quais são línguas diferentes e quais são apenas dialetos7casinouma mesma língua, mas também entender como os próprios grupos indígenas consideram os idiomas “parentes” do seu – algo que pode mudar a depender das relações que eles tenham7casinocada momento. E ainda é necessário considerar a situação social e política daquele grupo indígena.

Troncos, famílias, subfamílias

E como surgiram, e se diferenciaram, as línguas?

“Tradicionalmente, os linguistas acreditam que quando comunidades falam a mesma língua, mas têm pouco contato, elas desenvolvem seus próprios sotaques. Com o passar do tempo, esses sotaques podem evoluir para dialetos diferentes, com partes distintas da gramática", explica Hein van der Voort, especialista7casinolínguas indígenas sul-americanas do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Se essa falta7casinocontato entre os povos permanece por vários séculos, os dialetos podem se tornar tão diferentes que os falantes7casinoum já não compreendem o outro.

Assim nascem línguas diferentes. (Continue deslizando para ler)

Diagrama representando línguas diferentes Diagrama mostrando línguas sendo agrupadas7casinofamílias

Com 10 subfamílias e 40 a 45 línguas, a tupi é considerada uma das duas principais famílias do Brasil, por ter um grande número7casinolínguas. Elas também são chamadas7casinotroncos, pelos especialistas brasileiros.

Diagrama mostrando algumas das principais famílias linguísticas brasileiras e7casinoquantidade7casinolínguas

As famílias7casinoque a diferenciação das línguas está acontecendo há mais tempo podem ter subfamílias. Tupi-guarani, tupari e mondé, por exemplo, são subfamílias que surgiram dentro da família tupi.

Diagrama da macrofamília tupi Diagrama mostrando a chave7casinointerpretação do gráfico7casinofamílias linguísticas brasileiras, com ênfase na macrofamília tupi

Com 10 subfamílias e 40 a 45 línguas, a tupi é considerada uma das duas principais famílias do Brasil, por ter um grande número7casinolínguas. Elas também são chamadas7casinotroncos, pelos especialistas brasileiros.

Diagrama mostrando a chave7casinointerpretação do gráfico7casinofamílias linguísticas brasileiras, com ênfase na macrofamília macro-jê

A macro-jê é a outra — uma7casinosuas principais subfamílias é a jê.

Diagrama mostrando a chave7casinointerpretação do gráfico7casinofamílias linguísticas brasileiras, com ênfase nas famílias independentes

Outras 20 famílias linguísticas não fazem parte do tronco tupi nem do macro-jê. Elas têm7casinouma até 20 línguas (como o karib e o aruák).

Diagrama mostrando a chave7casinointerpretação do gráfico7casinofamílias linguísticas brasileiras, com ênfase nas línguas isoladas

As que possuem apenas uma língua são chamadas7casinoisoladas.

Diagrama mostrando a chave7casinointerpretação do gráfico7casinofamílias linguísticas brasileiras, com ênfase nas línguas7casinosinais Diagrama mostrando a chave7casinointerpretação do gráfico7casinofamílias linguísticas brasileiras, com todas as línguas coloridas Diagrama com os quatro grupos (tupi, macro-jê, famílias independentes e línguas7casinosinais) transformados7casinopontos7casinocores diferentes Mapa com as principais famílias linguísticas distribuídas pelo território brasileiro

Por causa das migrações, naturais ou forçadas, dos povos indígenas, línguas7casinouma mesma família estão espalhadas pelo país.

Mapa7casinoRondônia, onde o ikolen é falado

Um exemplo7casinolíngua do tronco tupi, da subfamília tupi-mondé, é o ikolen (gavião), falada principalmente na Terra Indígena Igarapé Lourdes,7casinoRondônia, onde vive esse povo. Ela tem uma versão7casinoassovios, que imita os tons da língua falada. (_Ouça no áudio a seguir_)

Uma anta está aqui. | Uma anta está aqui. | É mesmo? | Sim. | Como você vai matá-la? | Com uma flecha. | Vá7casinofrente, mate-a. | Sim

Já o kayapó, do tronco macro-jê, é falado entre o Mato Grosso e o Pará,7casinoao menos oito terras indígenas — algumas demarcadas e outras, não. (_Ouça no áudio a seguir_)

Chegamos na terra dos djore (povo xikrin) e dissemos, “vamos pegar um pouco da batata doce, cará e bananas deles”. | E fomos lá e pegamos batata doce, cará e banana, e comemos. | E cedo no dia seguinte seguimos fugindo, fugimos, e paramos; | e aqueles que tinham procurado a gente andavam pelo mato.

Mapa do Mato Grosso do Sul, principal área onde o terena é falado

E o terena, língua da família aruák, é falado principalmente nas terras do Mato Grosso do Sul, mas também7casinoalgumas no interior7casinoSão Paulo. (_Ouça no áudio a seguir_)

Quero falar sobre animais agoureiros, que têm significado culturalmente com o povo terena. | Quando a gente ouve cantos dos pássaros que são agoureiros, ou quando a gente vê animais terrestres na rua ou no quintal da casa, os nossos antepassados tinham medo porque previam coisas ruins para a família ou para a comunidade. | Por exemplo, quando se ouve o canto da águia, se prevê acontecimentos ruins para a família, quando ela canta voando está prevendo tempo nublado. | Mas, quando canta nos galhos da árvore, está prevendo sol quente, um dia com sol muito quente. | Assim que os nossos antepassados conheciam os tipos7casinocantos da águia.

Mapa do Sul7casinoRondônia onde o kwazá é falado

No sul7casinoRondônia vive a etnia kwazá, com cerca7casino50 pessoas, que falam uma língua isolada. (_Ouça no áudio a seguir_)

Uma moça e um rapaz novo se gostavam muito, eles se gostavam, assim viviam. | Ela costumava tomar banho no rio antes7casinoclarear o dia. | Assim ela vivia feliz, porém... | Raposa se transformou7casinoum homem e foi falando para a moça: “Vamos minha prima, vamos banhar!” | Ele então se aproveitou dela e a levou nas profundezas do mato e deixou ela lá.

Mapa do Maranhão, onde a língua7casinosinais ka'apor é usada

As línguas7casinosinais indígenas apenas começam a ser estudadas — a língua dos ka’apor foi a primeira identificada no país. (_Continue deslizando para ler o texto_)

Mas mesmo as contagens mais altas7casinolínguas indígenas ainda não incluem as que são faladas por dezenas7casinogrupos não contactados no país.

As dificuldades7casinomapear e registrar essas línguas, combinadas à pressão sofrida pelos grupos indígenas no Brasil, faz com que todos os idiomas nativos do país sejam, hoje, considerados como ameaçados7casinoextinção,7casinomaior ou menor grau.

Mulher yanomami sorri ao lado7casinocrianças na reserva Raposa Serra do Sol7casinoRoraima,7casino017casinojulho7casino2020
Todas as línguas indígenas brasileiras hoje são tidas como ameaçadas | Foto: Getty

Estima-se que o número mediano (o valor do meio7casinouma série)7casinofalantes7casinouma língua indígena no Brasil seja7casino300 pessoas. Só cerca7casino10% delas têm mais7casino5 mil falantes. No entanto, essas estimativas são pouco confiáveis, porque costumam confundi-los com as populações indígenas, mesmo que, muitas vezes, só uma parte do grupo ainda fale a língua.

Também sabemos que, tradicionalmente, os muitos povos nativos do Brasil são multilíngues. Além7casinofalarem línguas7casinopovos vizinhos ou com os quais têm mais contato, aprendem português desde cedo, já que é essa a língua na qual podem participar da sociedade brasileira.

Ameaças7casinoextinção ou 'adormecimento'

Quando a cultura7casinouma comunidade continua ativa e vibrante, a convivência com outros idiomas não é um problema para a transmissão da língua tradicional às gerações mais novas.

Mas esse não é o caso da maioria dos povos brasileiros, que sofrem o impacto do desmatamento, migrações para as cidades, trabalhos ou relocações forçadas, grandes obras7casinoseus territórios, atividades missionárias, garimpo e extração7casinomadeira ilegais, assassinato7casinolíderes e outros problemas.

Membros do povo terena fazem uma cerimônia no acampamento indígena Terra Livre7casinoBrasília7casino237casinoabril7casino2023
Falta7casinooportunidades7casinosuas línguas tradicionais na sociedade não indígena dificulta a manutenção do idioma | Foto: Getty

Por isso é que, mesmo com as iniciativas7casinorecuperação, o desaparecimento das línguas indígenas do Brasil continua, e7casinomodo cada vez mais acelerado.

É sempre complicado dizer que uma língua está extinta. Ela pode ainda estar viva, mesmo que seja na cabeça7casinoum último falante, que não tem mais com quem falar. E, mesmo aquelas7casinoque os últimos falantes morreram, se estiverem bem documentadas, é possível começar um processo7casinoretomada
Hein van der Voort Especialista7casinolínguas indígenas sul-americanas do Museu Emílio Goeldi.

“Eu vejo hoje muita motivação entre os povos indígenas para manter ou retomar suas línguas. Mesmo assim, o perigo7casinoas línguas indígenas não serem passadas para as próximas gerações é real”, afirma.

No mundo, segundo o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da ONU, ao menos 40% dos mais7casino6 mil idiomas mundiais falados7casino2016 estavam sob risco7casinodesaparecer, e a maioria deles eram indígenas. Em 2019, quatro7casinocada 10 línguas indígenas corriam esse risco.

Em 2022, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarou a Década Internacional das Línguas Indígenas.

Crianças yanomami na região dos Awaris,7casinoRoraima,7casino307casinojunho 2020
Desafio para povos é fazer com que as novas gerações usem a língua tradicional para além da família | Foto: Getty

“No Ministério dos Povos Indígenas, um dos pedidos que mais recebemos é para fazermos um mapeamento real da vitalidade das línguas indígenas no Brasil”, diz Altaci Corrêa Rubim, Coordenadora-geral7casinoarticulação7casinopolíticas educacionais indígenas, no Departamento7casinoLínguas e Memórias do Ministério dos Povos Indígenas.

“Queremos fazer um mapeamento com equipes7casinotécnicos, linguistas e antropólogos indígenas e também os parceiros da universidades. A partir disso, podemos saber quais línguas estão correndo risco7casinoadormecimento — com um, dois ou três falantes — e realizar ações para salvar essas línguas.”

Rubim, que é do povo kokama, também é a representante7casinoAmérica Latina e Caribe no Grupo7casinoTrabalho da Década das Línguas Indígenas da Unesco. Ela defende que as línguas dos povos nativos são “espírito”, algo que difere do entendimento7casinolinguistas não indígenas.

“Para nós, a língua é espírito, e o espírito não morre, não desaparece. As línguas podem estar adormecidas, porque tiveram séculos ou décadas7casinotransmissão interrompida. Mas podem ser acordadas e fortalecidas7casinorituais,7casinopráticas culturais. Acredito que teremos um número maior7casinolínguas aparecendo nos dados do próximo Censo”, diz.

Mulher do povo tupi-guarani7casinoManaus, Amazonas
Povos7casinotodo o país tentam recuperar suas línguas, com a ajuda7casinopesquisadores e grupos com línguas semelhantes | Foto: Getty

Ainda assim, ela acredita que dizer que as línguas nativas correm perigo7casinoextinção “faz total sentido”.

“A existência das línguas indígenas não depende só7casinoos povos falarem. Precisamos criar uma política, que o Brasil nunca teve, para essas línguas. Para a língua existir, o povo precisa7casinoum território. E a língua também precisa7casinostatus. Nós precisamos vê-la nas mídias sociais, valorizá-la nos ambientes além das aldeias e das escolas. Isso fará com que os jovens também queiram falar suas línguas”, afirma.