63% vivemterras não oficializadas: o panorama da população indígena4 gráficos:
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (21/9) invalidar a tese do marco temporal das terras indígenas - que pregava que a demarcaçãoterritórios só poderia ocorrercomunidades que já ocupavam esses locais quando a Constituição atual foi promulgada,5outubro1988.
A pauta foi uma das mais discutidas e disputadas nos últimos anos, com os indígenas brasileiros considerando o resultado no Supremo como uma vitória, ainda que não definitiva. Mas quantos são e como estão distribuídos os indígenas brasileiros?
O Censo 2022 do IBGE (Instituto BrasileiroGeografia e Estatística), cujos resultados começaram a ser divulgadosjulho, trouxe dados atualizados do panorama da população indígena no país. Com o material, a BBC News Brasil produziu quatro gráficos explicativos.
Altaquase 90% na população indígena
Segundo o IBGE, os indígenas no Brasil são mais1,69 milhãopessoas. Esse total representa 0,83% do total da população brasileira.
Os números mostram um grande aumentorelação aos dados do Censo anterior,2010, quando a população indígena era896,9 mil e representava 0,47% do total.
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O crescimento88,8% na população indígena registrada éparte explicado por uma mudança na metodologia do IBGE. Em 2022, o Censo encontrou mais terras indígenas do que2010 e passou a fazer uma pergunta a mais para as pessoas entrevistadascertas localidades.
A identificaçãoindígenas no Censo normalmente acontece quando alguém responde "indígena" à pergunta "qual écor?".
No entanto, o IBGE notou que muitas pessoas com ascendência indígena respondiam quecor é "parda".
Por isso,2022, os recenseadores passaram a fazer a pergunta "você se considera indígena?" à listaperguntaslocais que não são oficialmente terras indígenas, mas onde se sabe que há presençapovos originários.
Isso fez com que o Censo captasse muito mais pessoas que se consideram indígenas, segundo o IBGE.
"Essa diferença acontece porque as pessoas olham muito para a cor da pele quando essa pergunta (qual écor?) é feita. Mas quando você faz a pergunta a mais (se a pessoa se considera indígena), isso abre para uma sérieoutros critériosetnia que a pergunta sobre cor não responde", afirmou à BBCagosto o pesquisador Tiago Moreira, do ISA (Instituto Socioambiental), uma das organizações da sociedade civil convidadas pelo IBGE a acompanhar a elaboração do Censo.
Ou seja, muitas pessoas reconhecemancestralidade indígena muito mais atravéssua herança cultural do que através da cor da pele.
"A pergunta remete à ascendência indígena, diferente da pergunta sobre a cor, que existeum contexto mais restrito. Muitas vezes as pessoas são descendentes, até militam no movimento indígena, mas respondem pardo para a cor da pele", afirmou Moreira após a publicação dos dados no mês passado.
Segundo o pesquisador, a pergunta "qual écor" gera confusão e não é muito boa para captar a etnia das pessoas, mas ela é mantida por um motivo importante — a possibilidadefazer comparação histórica precisa com censos anteriores, que já a usavam.
Mudanças limitam a possibilidadecomparaçãoum ano com o outro — a inclusão da pergunta sobre os indígenas2022 também limita a comparação com 2010 devido ao aumento na detecção da população indígenas gerado pela mudançametodologia.
Distribuição pelo país e recuperação da identidade
Para entender detalhadamente o aumento da população indígena são necessários os dados sobre natalidade e mortalidade indígena, que ainda não foram divulgados pelo IBGE.
No entanto, ao menos parte da alta pode ser atribuído a um grande movimentorecuperação da identidade indígena, que tem se fortalecido nos últimos anos.
"A gente tem um movimento antigorecuperação dessa identidade, dos descendentes dos povos originários voltarem a se reconhecer, a prestar atenção nessa identidade, nessa ancestralidade", disse Tiago Moreira, do ISA.
"A população indígena é o grupo social que mais cresce, que tem fecundidade alta. E isso está refletido nesse dado (de aumento da população)", afirmou.
No entanto, dentro das terras indígenas, essa população parece estar crescendo menos do que crescia antes — algo que precisa ser confirmado pelos próximos dados divulgados pelo IBGE.
Uma das hipóteses a ser confrontada com as novas informações é aque essa aparente redução pode ser resultado dos efeitos devastadores da covid-19 dentro das terras indígenas.
Segundo estudos epidemiológicos feitos pela Fiocruz, os indígenas foram um dos grupos mais vulneráveis durante a pandemia.
36,73% dos indígenas vivemterritórios delimitados
O Censo mostrou que a maior parte dos indígenas do Brasil — cerca63% — vive hoje fora dos territórios indígenas oficialmente limitados. Por isso,acordo com o pesquisador Tiago Moreira, o atendimento específico aos indígenas não pode ficar restrito aos territórios delimitados.
"São dados muito importantes para planejamentopolíticas públicas, para se ampliar o atendimento especial que leveconsideração as línguas, os valores e as necessidadescada povo", afirmou o pesquisador.
A terra indígena com maior númeropessoas indígenas hoje é a Terra Indígena Yanomami (AM/RR), com 27 mil pessoas, o equivalente a 4,36% do totalindígenasterras indígenas no país.
O segundo maior número é na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176 habitantes indígenas.
Os dados do Censo 2022 mostram ainda que quase metade (49,1%) da população indígena vivendo atualmenteterras demarcadas se encontra na região Norte.
No levantamento, o Censo fez a pesquisa 573 Terras Indígenas. Só foram consideradas as que tinham processosregularização concluídos na época.
A expectativa é que a rejeição da tese do marco temporal no Supremo tenha impactocerca300 processosdemarcaçãocurso.
Bahia é segundo Estadopopulação indígena
Outro dado que chama atenção é que, embora cinco Estados (AM, BA, MS, PE, RR) concentrem 61,43% da população indígenas (veja gráfico acima), o IBGE registrou presença indígena na maioria dos municípios do Brasil —4.480 dos 5.568 municípios do país.
O município com maior númeropessoas indígenas2022 foi Manaus (AM), com 71,7 mil pessoas.
Já a maior proporção ficoucidades como Uiramutã (RR), onde 96,6% dos habitantes são indígenas; Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,2%, e São Gabriel da Cachoeira, com 93,17%.
*com reportagemLetícia Mori