Ataque à igreja negra nos EUA: 'terrorismo' ou 'crimeódio'?:

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Legenda da foto, Dylann Roof,21 anos, é o suspeito do ataque, que deixou nove pessoas mortas

Quando o chefe da políciaCharleston, Gregory Mullen, classificou o ataque a uma histórica igreja da comunidade negra da cidade ─ no qual morreram nove pessoas ─ como "crimeódio", uma polêmica tomou conta dos Estados Unidos.

Muitos criticaram a classificação por não considerá-la suficientemente forte para descrever o massacre, cujo principal suspeito é Dylann Roof, um jovem branco21 anos.

Na sexta-feira, a porta-voz do DepartamentoJustiça dos EUA, Emily Pierce, confirmou o que a procuradora-geral do país, Loretta Lynch, já havia dito na véspera sobre a investigação.

"O episódio comovente foi, sem dúvida, concebido para causar medo e terror entre a comunidade, e o departamento está analisando o acontecimento sob todos os ângulos, incluindo ocrimeódio ou terrorismo doméstico".

Contudo, alguns argumentam que se o ato tivesse sido perpetrado por um indivíduo árabe oucor negra, a palavra "terrorismo" seria usada rapidamente.

"O terrorista que causou a tragédiaCharleston tinha uma bandeira do apartheid emjaqueta. Se um muçulmano exibe a bandeira do Estado Islâmico emroupa, nunca entrariaum centro comercial", escreveu o ativista Samuel Sinyangwe emconta no Twitter.

O comediante Jon Stewart concorda. Em seu programa na última quinta-feira, ele opinou sobre o assunto, e a declaração ganhou destaque rapidamente nos principais veículoscomunicação do país.

"Eles estão usando um eufemismo para disfarçar a faltaesforçoclassificar o episódio pelo que ele realmente é: um ataque terrorista", afirmou Stewart, que costuma fazer sátiras políticasseu programa diário.

"Trata-seum ataque violento contra uma igreja na Carolina do Sul que é símbolo para a comunidade negra...não foi uma tragédia causada por um furacão. Foi um ato racista", acrescentou o apresentador.

Símbolos supremacistas

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Legenda da foto, Chefe da políciaCharleston classificou ataque como 'crimeódio' e gerou polêmica

O termo terrorismo se consolidou no vocabulário americano após os atentados11setembro2001Nova York e Washington, que mataram cerca3 mil pessoas.

Logo após os atentados, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, lançou a "guerra contra o terrorismo", expressão visceralmente vinculada à luta contra grupos extremistas muçulmanos, como al-Qaeda e, mais recentemente, o autodenominado Estado Islâmico ou "EI".

O DepartamentoJustiça dos EUA também classifica como terroristas organizações nacionais, incluindo grupossupremacia branca que ignoram a autoridade do Estado. Um dos casos é a Ku Klux Klan, grupo supremacista branco responsável por agredir e assassinar minorias.

Embora não tenha surgido até agora qualquer ligação entre Roof e algum desses movimentos,umasuas fotos no Facebook vazadas pela imprensa americana o jovem aparece vestindo uma jaqueta com as bandeiras da Rodésia (atual Zimbábue, símbolo da políticasegregação racial) e do apartheid da África do Sul, reverenciadas por muitos supremacistas.

O simbolismo da igreja onde ocorreu o ataque também tem tido papel central na discussão, uma vez que o templo é símbolo da luta pelos direitos civis da comunidade negra.

Outro elemento que chamou atenção da imprensa e incendiou o debate foi o tipooperação montada pela polícia após o ataque.

Apesaras autoridades terem pedido às pessoas que moravam perto da igreja para permanecercasa, era fácil se movimentar nas ruasCharleston horas depois da tragédia.

O cenário contrasta com os desdobramentos da MaratonaBoston2013, quando todos os acessos à cidade foram bloqueados até que o responsável pelo atentado fosse encontrado. Todas as vítimas eram brancas.

Benefício da dúvida

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Legenda da foto, Carolina do Sul tem histórico recenteepisódiostensão racial

Samantha Asumadu, da empresa britânica Diversified Media, que busca promover a diversidade na cobertura da mídia, diz à BBC que há uma grande parcialidade sobre quem é considerado 'terrorista'.

"Poderia dizer que há uma tendência clara: quando pessoas brancas são mortasum ataque terrorista o mundo chora, enquanto que quando acontece algo do tipo a alguémcor, só se ouvem burburinhos", disse Asumadu.

"Um homem branco tem sempre o benefício da dúvida, o que não acontece com negros, asiáticos ou latinos."

Asumadu também observa que o problema está na forma como cada situação é julgada ─ algumasforma muito apressada ─ e pede coerência na horadescrever cada caso.

Ela lembra que, antes11setembro, o responsável pelo maior ataque extremistasolo americano foi um supremacista branco, Timothy McVeigh, até hoje o único "terrorista" a ser executado pelo governo federal.

Em abril1995, McVeigh deixou um carro repletoexplosivos na garagemum prédio federalOklahoma City. A explosão matou 168 pessoas. Condenado, ele foi executadojunho2001.

Tensão racial

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Legenda da foto, Ativistas afirmam que definição legal muda se agressor não é branco

O ataque atribuído a Roof ocorreu no Estado americano da Carolina do Sul, onde episódiostensão racial têm ocorrido recentemente.

O último deles foi a morte do negro Walter Scott,50 anos, por um policial branco que atirou nele oito vezes na cidadeNorth Charleston.

Em agosto do ano passado, a Guarda Nacional teveser chamada para garantir a segurança da cidadeFerguson, no Estado americano do Missouri, após uma ondaprotestos devido à morteoutro negro, o jovem Michael Brown, novamente por um policial branco.

Para o repórter do jornal americano The New York Times Rick Gladstone, a definiçãoquem é terroristaum cenário como esse é altamente subjetiva.

"Geralmente a definiçãoterrorismo é um termo usado para fins políticos. Por exemplo,conflitos como a guerra civil na Síria e no conflito Israel-Palestina, muitas vezes ouvimos acusações mútuasterrorismo", escreveu ele.

"Organizações como a al-Qaeda e o Estado Islâmico, que se autoconsideram libertadoras, são oficialmente designadas pelas Nações Unidas, entre outras entidades multilaterais, como grupos terroristas", acrescentou.

'Crimeódio' x 'Terrorismo'

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Legenda da foto, Ataque ocorreu contra histórica igreja da comunidade negraCharleston

O governo americano não entende crimesódio como acusações individuais, mas sim como uma espécieagravante a outros crimes cometidos pelos réus, como agressão ou homicídio.

Os promotores normalmente recorrem ao termo para aumentar a gravidade da punição. Em outras palavras: uma condenação por agressão motivada por crimeódio seria maior do que uma agressão.

Nos Estados Unidos, o crimeódio é geralmente definido como "motivado total ouparte pela predisposição do agressor contra uma raça, religião, deficiência, etnia ou orientação sexual".

Muitos ─ mas não todos ─ Estados americanos tem seus próprios estatutoscrimeódio que se aplicam a acusações perpetradas sob leis estaduais.

Já a definição"terrorismo doméstico" engloba três critérios ─ se os crimes "são perigosos para a vida humana violando leis estaduais e federais", se "têm por objetivo intimidar ou coagir civis ou governos" e se ocorrerem "primariamente nos Estados Unidos".

Mas "diferentes partes do governo americano tendem a apresentar diferentes definições para o termo", afirma Gary LaFree, diretor do Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e Respostas ao Terrorismo (Start, na siglainglês).

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Legenda da foto, Para alguns, definição do que é 'crimeódio' e 'terrorismo' é subjetiva

Segundo LaFree, não há consenso entre o FBI, a polícia federal americana, e o EscritórioAdministração Penitenciária, sobre quantos presos estão atualmente encarcerados por acusaçõesterrorismo.

O especialista adverte, contudo, que as acusações por terrorismo são mais difíceisserem provadas do que crimes regulares,parte porque partes cruciais das acusações dependem das motivações eoutros fatores psicológicos.

"Um número relativamente pequenocasos classificados como terrorismo acabam sendo julgados por essa acusação", explica ele.

LaFree acrescenta que um estudo do DepartamentoJustiça dos Estados Unidos mostrou que casos envolvendo acusações formaisterrorismo tiveram um índicecondenação menor dos réus do que naqueles sem esse tipoacusação.