A complexa história do país criado na África para abrigar a população negra dos EUA:diego brunelli poker

Mas a história da criação desse país na África para abrigar os ex-escravizados dos Estados Unidos é complexa.

Enquanto muitos americanos negros livres já encabeçavam décadas antes o movimento que defendia o retorno à África, o início da colonização do que se tornaria a Libéria foi incentivado e patrocinado por uma organização formada por homens brancos, vários deles proprietáriosdiego brunelli pokerescravos.

"O movimentodiego brunelli pokerretorno à África foi iniciado por pessoas negras", diz à BBC News Brasil o historiador Ousmane Power-Greene, professor da Clark University, no Estadodiego brunelli pokerMassachusetts, e autordiego brunelli pokerlivros sobre o projetodiego brunelli pokercolonização.

"Mas, ao mesmo tempo, há aqueles que se uniram ao movimento porque queriam deportar (os americanos negros livres). Estavam entusiasmados com a ideiadiego brunelli pokerse livrar das pessoas negras (que moravam nos Estados Unidos)", ressalta.

Sociedade Americanadiego brunelli pokerColonização

No início do século 19, décadas antes da Guerra Civil americana (1861-1865), que levaria ao fim da escravidão nos Estados Unidos, muitos no país já debatiam o que fazer com a população negra livre caso essa instituição fosse abolida.

Foidiego brunelli pokerbuscadiego brunelli pokerrespostas para essa questão que,diego brunelli poker1816, um grupodiego brunelli pokerhomens brancos reunidos no hotel Davis,diego brunelli pokerWashington, fundou a American Colonization Society (Sociedade Americanadiego brunelli pokerColonização, ou ACS, na sigladiego brunelli pokeringlês).

Criada meio século antes da abolição da escravidão no país, a ACS contava com o apoiodiego brunelli pokernomes ilustres, entre eles o presidente na época, James Madison (1809-1817), o ex-presidente Thomas Jefferson (1801-1809) e os futuros presidentes James Monroe (1817-1825) e Andrew Jackson (1829-1837).

Os integrantes da ACS tinham opiniões diversas e, muitas vezes, contraditóriasdiego brunelli pokerrelação à escravidão.

Alguns eram abolicionistas e tinham o desejo genuínodiego brunelli pokerajudar a população negra a construir uma vida melhor na África. Outros, porém, rejeitavam a ideiadiego brunelli pokerabolição e acreditavam que pessoas negras livres não deveriam continuar vivendo nos Estados Unidos, porque poderiam colocardiego brunelli pokerrisco a instituição da escravidão.

Muitos proprietáriosdiego brunelli pokerescravos na época temiam que o crescente númerodiego brunelli pokerlibertos pudesse fomentar rebeliões entre os ainda escravizados, e tentavam impedir que convivessem. Em alguns casos, proprietáriosdiego brunelli pokerescravos chegavam a oferecer alforria com a condiçãodiego brunelli pokerque os recém-libertos aceitassem se mudar para a África.

Outros membros da ACS defendiam o fim da escravidãodiego brunelli pokermaneira gradual, mas também temiam os efeitos da integração e rejeitavam a ideiadiego brunelli pokerque negros livres e brancos pudessem conviver lado a lado.

Apesar dessa diversidadediego brunelli pokerposições, os integrantes da ACS concordavam com um projetodiego brunelli pokercolonização na África, que estabeleceria naquele continente um lar para os libertos e reduziria assim o númerodiego brunelli pokerpessoas negras livres vivendo nos Estados Unidos.

A ideia ganhou popularidade, e várias sociedades estaduaisdiego brunelli pokercolonização logo começaram a surgir ao redor do país, seguindo o mesmo modelo.

"É uma organização racista? É antiescravidão? A resposta é mais complexa", afirma Power-Greene, lembrando que a ACS passou por várias fases ao longodiego brunelli pokerdécadas.

Movimentodiego brunelli pokerretorno à África

Apesardiego brunelli pokera ACS ter sido fundada por homens brancos, na época o movimentodiego brunelli pokerretorno à África já era popular entre a população negra. Mesmo antes da abolição da escravidão, diversas comunidadesdiego brunelli pokeramericanos negros livres se espalhavam pelo país.

"É nessas comunidades que as atividades do movimentodiego brunelli pokerretorno à África estão acontecendo, essas ideias estão se desenvolvendo", diz à BBC News Brasil o historiador Herbert Brewer, professor da Morgan State University,diego brunelli pokerBaltimore, e especialista na diáspora africana.

"É importante entender que o movimentodiego brunelli pokerretorno à África é anterior à ACS", observa Brewer. "Ainda no século 18, pessoas negras nos Estados Unidos já estavam pensando e escrevendo sobre diferentes projetos para repatriar os afrodescendentes para a África."

Alguns americanos negros acreditavam que só poderiam escapar da discriminação e desfrutardiego brunelli pokeruma vida verdadeiramente livre e próspera se voltassem para a África, terradiego brunelli pokerseus antepassados. Muitos tinham orgulhodiego brunelli pokersua herança africana.

"Os Estados Unidos dos anos 1820 eram um lugar peculiar para uma pessoa negra livre", salienta Brewer. "Você era legalmente e tecnicamente livre mas, na realidade, ediego brunelli pokertermosdiego brunelli pokervários tiposdiego brunelli pokerleis existentes na época, você estava excluído da vida pública."

Mas outros rejeitavam a ideiadiego brunelli pokerdeixar o país onde muitos deles haviam nascido e que haviam ajudado a construir com seu trabalho, e defendiam o direito a uma cidadania plena.

Nesse contexto, a criação da ACS foi recebida com divisões entre a população negra livre.

Muitos criticavam o projeto como um plano racista, apoiado por proprietáriosdiego brunelli pokerescravos, para evitar a integração, deportar os negros e tornar a instituição da escravidão mais segura. Mesmo entre pessoas negras que defendiam a ideiadiego brunelli pokerdeixar o país, havia desconfiança sobre as reais intenções dos membros da ACS.

Outros, no entanto, viram na organização a oportunidade e os recursos financeiros necessários para colocardiego brunelli pokerprática o antigo projetodiego brunelli pokerretorno à África. "Para eles, essa aliança era um casamentodiego brunelli pokerconveniência", destaca Brewer.

"É difícil enfatizar como essa questão é complexa", afirma Brewer. "Algumas pessoas eram favoráveis e depois mudaramdiego brunelli pokerposição. Alguns queriam ir para a África e depois desistiram. Outros eram contra a ideia e depois decidiram ir."

Em buscadiego brunelli pokerterras para a colônia

Na época da criação da ACS, a Coroa Britânica já havia estabelecido uma colônia na Costa Oeste da África, Serra Leoa, para receber ex-escravizados, muitos dos quais haviam fugido dos Estados Unidos para o Canadá depois da Revolução Americana.

O sucesso desse projeto contribuiu para que a ACS ganhasse popularidade e,diego brunelli poker1818, a associação enviou representantes à África com a missãodiego brunelli pokerencontrar um local ideal para instalardiego brunelli pokercolônia. Esses enviados, porém, enfrentaram resistência inicial por parte dos líderes locais, que não queriam vender suas terras.

Dois anos depois, três membros da ACS e 88 americanos negros livres embarcaramdiego brunelli pokerNova York e cruzaram o Atlântico. Eles se instalaram na ilha Sherbro, na costadiego brunelli pokerSerra Leoa, mas enfrentaram grandes dificuldades, e muitos morreramdiego brunelli pokermalária.

A ACS continuou buscando um local propício para a colônia até que,diego brunelli poker1821, conseguiu comprardiego brunelli pokerlíderes locais uma faixadiego brunelli pokerterradiego brunelli pokercercadiego brunelli poker58 kmdiego brunelli pokercomprimento e 5 kmdiego brunelli pokerlargura na região costeiradiego brunelli pokerCabo Mesurado. O pagamento foi feito com rum, armas, mantimentos e outras mercadorias no valordiego brunelli pokerUS$ 300.

A chegada da ACS e dos colonos americanos provocou divisões entre os moradores locais, que pertenciam a vários grupos étnicos e viviamdiego brunelli pokercomunidades acostumadas a séculosdiego brunelli pokercontatos com europeus.

"Há estereótipos preconceituosos e racistas sobre a África que afetaram a narrativa sobre a fundação da Libéria", observa Brewer. "Uma das distorções é adiego brunelli pokerque os africanos eram povos primitivos, isolados, sem exposição nem conhecimento do mundo."

"Eles estavam interagindo com navios que chegavam à costa desde os anos 1400, eram parte do comércio transatlântico, que incluía a escravidão", destaca Power-Greene.

Power-Greene lembra que a chegada da ACS e dos colonos americanos interferiu nesse sistemadiego brunelli pokercomércio, que envolvia não apenas o tráficodiego brunelli pokerpessoas, mas a vendadiego brunelli pokercomida e outras mercadorias aos navios, com impactodiego brunelli pokertoda a economia da região.

"Parte da oposição vinha dos africanos que participavam do comérciodiego brunelli pokerescravos", complementa Brewer, lembrando que esse aspecto também caracteriza a fundação da Libéria como parte do movimento abolicionista.

Dificuldades e tensões iniciais

O assentamento instalado no local recebeu seus primeiros moradores vindos dos Estados Unidosdiego brunelli pokerabrildiego brunelli poker1822. O grupo que havia desembarcado dois anos antes na ilha Sherbro também se transferiu para a nova área.

Apesardiego brunelli pokercriada para abrigar americanos negros, a colônia era inicialmente administrada por um representante branco da ACS. Em 1824, recebeu o nomediego brunelli pokerLibéria, ediego brunelli pokercapital foi batizadadiego brunelli pokerMonróvia,diego brunelli pokerhomenagem ao então presidente americano, James Monroe, que havia garantido financiamento para o projeto.

Novas aquisiçõesdiego brunelli pokerterra ampliaram o território da colônia, que recebeu maisdiego brunelli poker13 mil americanos nas décadas seguintes. Outros milhares foram enviados à região depoisdiego brunelli pokerserem resgatadosdiego brunelli pokernavios que operavam ilegalmente após a proibição do tráfico transatlânticodiego brunelli pokerescravos.

Sociedades estaduais, inspiradas pela ACS, também começaram a adquirir terras próximas e enviar americanos negros a assentamentos na região, expandindo assim a colônia.

O período inicial foi repletodiego brunelli pokerdesafios, com doenças que mataram milhares nos primeiros anos e ataquesdiego brunelli pokergrupos hostis. Os imigrantes eram descendentesdiego brunelli pokerafricanos, mas a maioria havia nascido nos Estados Unidos e não tinha familiaridade com a língua ou os costumes locais.

Mesmo entre os nascidos na África, poucos tinham lembranças da terra da qual haviam sido levados muito jovens. Além disso, diante da vastidão e da diversidade do continente, era pouco provável que seus antepassados viessem da mesma região para a qual estavam imigrando.

"As pessoas vindo para a África devem esperar passar por muitas dificuldades, que são comuns (no primeiro assentamento)diego brunelli pokerqualquer novo país", escreveu o americano William Burkediego brunelli pokercartadiego brunelli poker1858.

Em 1853, pouco tempo depoisdiego brunelli pokerserem emancipados, Burke e a mulher, Rosabella, embarcaram com os quatro filhosdiego brunelli pokerum navio que partiu da cidade americanadiego brunelli pokerBaltimore rumo à Libéria. Treinado como ferreiro, Burke estudou latim e grego no novo lar e se tornou ministro presbiteriano.

Suas cartas, guardadas pela Biblioteca do Congresso americano, descrevem não apenas as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros, mas a satisfação com a nova vida. "Eu amo a África e não trocaria pela América", escreveu Rosabelladiego brunelli poker1859.

"Eu esperava e não fiquei decepcionado ou desencorajado com nada do que encontrei", escreveu Burke. "O senhor me abençoou abundantemente desde minha residência na África, pelo que sinto que nunca poderei ser grato o suficiente."

Esses primeiros imigrantes recriaram na Libéria muitos aspectos da sociedade americana, mantendo a língua inglesa, os costumes, vestimentas e estilo arquitetônico a que estavam acostumados nos Estados Unidos.

Os anos iniciais foram marcados não apenas por conflitos, provocados principalmente pela expansão do território, mas também por integração entre a população nativa e os recém-chegados, que construíram escolas, igrejas e criaram laços com os habitantes locais.

Brewer salienta que essa integração gerou uma sociedade híbrida, com reflexos na cultura, na língua, na comida ediego brunelli pokeroutros aspectos presentes até hoje.

Independência e guerra civil

Em 1847, a colônia declaroudiego brunelli pokerindependência da ACS e se tornou a segunda república negra do mundo, depois do Haiti. Joseph Jenkins Roberts, um americano negro nascido no Estado da Virgínia que havia chegado à Libériadiego brunelli poker1829, foi eleito presidente.

Apesardiego brunelli pokerseu papel na criação da Libéria, Washington não reconheceu imediatamente a nova nação, temendo os possíveis impactos sobre a questão da escravidão nos Estados Unidos. Os dois países só iriam estabelecer relações diplomáticasdiego brunelli poker1862,diego brunelli pokermeio à Guerra Civil americana.

Nos Estados Unidos, a propostadiego brunelli pokerque os ex-escravizados fossemdiego brunelli pokerforma voluntária para a África ou para territórios nas Américas continuou a ser defendida por décadas. Mas cada vez mais abolicionistas passaram a se posicionar contra a ideiadiego brunelli pokercolonização e, na virada do século, a ACS havia perdido importância.

Entre a população negra, porém, o movimentodiego brunelli pokerretorno à África continuou ganhando adeptos. A Libéria e outras nações africanas receberam novas ondasdiego brunelli pokeramericanos negros durante várias décadas, inclusive nos anos 1960, no auge do movimentodiego brunelli pokerdefesa dos direitos civis nos Estados Unidos.

"A popularidade das ideias sobre o retorno à África aumentou e diminuiu e aumentoudiego brunelli pokernovo, dependendo das circunstâncias", destaca Brewer

No final da décadadiego brunelli poker1980 a Libéria enfrentou uma brutal guerra civil que deixou maisdiego brunelli poker200 mil mortos. Uma das alegações costuma ser adiego brunelli pokerque as tensões e desigualdades entre os imigrantes e a população nativa, décadas antes, tiveram papel crucial nas origens desse conflito.

A crítica é adiego brunelli pokerque os liberianosdiego brunelli pokerorigem americana formaram uma elite que explorou e discriminou os habitantes locais. Mas Brewer, Power-Greene e outros historiadores enfatizam que isso ocorreu quase cem anos após a chegada dos primeiros colonos, e não é fruto da fundação do país.

"Parte das alegaçõesdiego brunelli pokerexploração ocorre nos anos 1920, quando a Firestone se envolve", diz Power-Greene, referindo-se à fábricadiego brunelli pokerpneus fundada nos Estados Unidos que,diego brunelli poker1926, instalou na Libéria uma das maiores plantaçõesdiego brunelli pokerborracha do mundo e passou a dominar a economia e a política do país nas décadas seguintes.

"Os liberianos (no século 19) não tinham capacidadediego brunelli pokercriar uma casta racial, como muitas vezes é chamada, que tivesse muito significado. Eles respondiam por apenas 3% da população total na área que seria chamadadiego brunelli pokerLibéria", observa Power-Greene.

Os historiadores ouvidos pela BBC News Brasil ressaltam que o sistemadiego brunelli pokercasta social não foi criado no século 19, com os pioneiros, e sim no século 20, com a chegadadiego brunelli pokergrandes empresas para explorar os recursos naturais do país.

"Quem tirou a terra da população na Libéria? Foram as grandes multinacionais", critica Brewer. "(Mas) algumas pessoas querem atribuir à fundação do país os erros, os males, os problemas, as disfunções que surgiram (décadas) depois."

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