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'Voos da morte' na Argentina: como Justiça tenta fechar ferida aberta há 45 anos:slot o pol
Demorou maisslot o polquatro décadas para que a Justiça pudesse reconstituir como ocorreram aqueles voos e finalmente condenar essa prática.
E o trabalho ainda não acabou.
Em 2017, a Justiça condenou 29 ex-militares a prisão perpétua. Também houve outras 19 sentenças entre 8 e 25 anos pelos crimesslot o polsequestro, tortura e desaparecimentoslot o polpessoas durante o último período militar. Essa decisão histórica ficou conhecida como "Megacaso da ESMA" — siglaslot o polEscola Superiorslot o polMecânica da Marinha.
Mas, no ano passado, um novo julgamento começou.
Agora, o Ministério Público busca comprovar a existência dos "voos da morte" operados a partir do Camposlot o polMayo, base militar no nordeste da provínciaslot o polBuenos Aires onde funcionava outro centroslot o poldetenção clandestino, para que aqueles que comandavam essa operação possam ser julgados e condenados.
"Vamos reparar, mesmo que seja o mínimo, todos os danos que foram causados às famílias das vítimas", diz à BBC News Mundo (serviçoslot o polnotíciasslot o polespanhol da BBC) Mercedes Soiza Reilly, integrante da equipe do procurador-geral Marcelo García Berro.
Como funcionavam os "voos da morte"?
De 1976 a 1983, um dos maiores centros clandestinosslot o poldetenção do regime militar que governou a Argentina nesse mesmo período funcionou no prédio da ESMA, na zona norte da Cidadeslot o polBuenos Aires.
Embora o número exatoslot o polpessoas que foram alojadas ali contraslot o polvontade não seja conhecido, as organizaçõesslot o poldireitos humanos afirmam que houve até 5 mil detentos.
No Megacaso da ESMA, para além dos abusos, torturas, furtosslot o polbebês e homicídios, foi também possível comprovar a existência da organização dos "voos da morte".
Eles aconteciamslot o poluma a duas vezes por semana, principalmente entre 1976 e 1977. Um gruposlot o polrefénsslot o pol25 a 30 pessoas, cada uma delas meticulosamente selecionada, era conduzido para uma sala isolada da ESMA.
Lá, as pessoas recebiam injeções com uma substância — geralmente pentotal ou Ketalar — que as deixava sonolentas. Posteriormente, elas eram despidas.
E então eram transferidas por caminhão para o Aeroporto Metropolitano Jorge Newbery, da Cidadeslot o polBuenos Aires, embarcadasslot o polum avião do Exército e depois,slot o polpleno voo, atiradas no Rio da Prata ou no mar.
De todos os voos da ESMA — e acredita-se que tambémslot o poloutros centrosslot o poldetenção clandestinos — não há sobreviventes.
"Tivemos uma ideia disso porque um colega foi levado por engano e depois voltou. E ele contou isso", disseslot o pol2001 Miriam Lewin, jornalista e sobrevivente da ESMA,slot o poldepoimento do Arquivo Oral da Memória Aberta, parteslot o poluma aliançaslot o polorganizaçõesslot o poldireitos humanos na Argentina.
Lewin se refere aos depoimentosslot o polEmilio Assales Bonazzola, vulgo "Tincho", que tinha 34 anos e fora sequestradoslot o poljaneiroslot o pol1977. Em seguida, também veio o depoimentoslot o polLidia Batista, que tinha 36 anos, sequestradaslot o poldezembroslot o pol1978.
Ambos foram detidos na ESMA e retirados dos voos. Quando foram devolvidos ao centro clandestino, contaram a seus colegas o que havia acontecido com eles. É provável que mais tarde tenham sido "transferidos" novamente. Os dois estão desaparecidos até hoje.
"Em geral, não queríamos ouvir muito sobre isso, (...) pensamos que talvez tivesse acontecido apenas daquela vez, que não era a forma geralslot o poleliminação", lembrou Lewin.
Mais detalhes arrepiantes
Alguns corpos destruídosslot o polpessoas lançadasslot o pol"voos da morte" começaram a aparecer nas costas da Argentina e do Uruguai entre 1976 e 1977.
Em Buenos Aires, os cadáveres foram enterrados como NN, ou seja, sem nome, embora autópsias tenham revelado que a causa da morte eraslot o polcolisão com objetos duros a partirslot o poluma grande altura.
Roberto León Dios, um dos forenses que realizou várias autópsias, morreu misteriosamente alguns meses depois.
Outras pessoas começaram a falar do surgimento dos corpos, como o jornalista e autor Rodolfo Walsh, queslot o pol24slot o polmarçoslot o pol1977, no aniversário do primeiro ano do governo militar, escreveu uma "Carta abertaslot o polum escritor à Junta Militar" no qual denunciou esses fatos.
No dia seguinte, Walsh foi atingido por diversas balasslot o polpleno centroslot o polBuenos Aires. Seu corpo desapareceu.
O primeiro depoimento dos militares indicando que existiam "voos da morte" foi oferecido pelo ex-tenente-comandante Adolfo Scilingoslot o poluma declaração ao jornalista Horacio Verbitsky publicada no livro O Vooslot o pol1995.
"Foi uma Força Armada que se organizou para levar a cabo a última parteslot o polum plano sistemático, que é o homicídio", detalha Soiza Reilly, da força-tarefa do Megacaso da ESMA. "Os voos da morte não foram a única forma que os militares usaram na Argentina para assassinar, mas foram amplamente utilizados na maioria dos centrosslot o polextermínio."
'Comidaslot o polpeixes'
A Justiça argentina levou décadas para coletar os dados que se repetiamslot o polrelatosslot o polsobreviventes, ex-militares e testemunhas.
Esses depoimentos falavamslot o polseringas, frascosslot o polremédios, vômitos, marcas no chãoslot o polcorpos arrastados e dos eufemismos usados pelos captores para se referir aos "voos da morte": "transferências", "vão ser comidaslot o polpeixe", "eles subiram" ou "as freiras voadoras" (em referência a duas freiras francesas, Alice Domond e Leonie Duquet, que foram sequestradas, torturadas e jogadas vivas no Rio da Prataslot o polum desses voos,slot o pol1977).
"Esses eufemismos significavam que algo estava acontecendo com as pessoas no ar", reflete o promotor.
'Os aviões da morte'
Ainda há muitas perguntas sem resposta.
Não se sabe quantos voos ocorreram, se se estenderam para alémslot o pol1977 e quantas pessoas foram jogadas dos aviões no rio e no mar.
"Nos tribunais só se comprovaram os casosslot o polque os corpos foram encontrados. E este fato não é tão real. No centro clandestinoslot o polCamposlot o polMayo, passaram entre 3 mil e 4 mil vítimas, dizem, e há pouquíssimos sobreviventes. A maioria está desaparecida e há poucas descobertasslot o polcorpos", explica Soiza Reilly.
No novo julgamentoslot o polum tribunalslot o polSan Martín, iniciadoslot o poloutubroslot o pol2020, os réus são Santiago Omar Riveros, ex-chefe dos Institutos Militares do Camposlot o polMayo, e quatroslot o polseus subordinados: Luis del Valle Arce, ex-comandante do Batalhãoslot o polAviação 601; seu segundo oficial, Delsis Ángel Malacalza; o ex-oficialslot o poloperações Eduardo María Lance; e o então oficialslot o polpessoal Horacio Alberto Conditi.
Eles são acusados de sequestro e torturaslot o polquatro pessoas na base militarslot o polCamposlot o polMayo, que posteriormente desapareceramslot o pol"voos mortais".
As vítimas são Rosa Eugenia Novillo Corvalán, sequestrada entre outubro e novembroslot o pol1976 e cujo corpo foi encontrado no litoral da provínciaslot o polBuenos Airesslot o poldezembro daquele ano; e Roberto Ramón Arancibia, sequestradoslot o polmaioslot o pol1977, com seu corpo recuperadoslot o polfevereiroslot o pol1978, também na costaslot o polBuenos Aires.
Adrián Enrique Accrescimbeni e Juan Carlos Rosace foram privadosslot o polliberdadeslot o polnovembroslot o pol1976 e seus corpos foram encontrados às margens do Rio da Prataslot o poldezembro daquele ano.
"Neste caso vamos provar a existência dos voos (de morte) no Camposlot o polMayo, aslot o polmecânica e as suas operações, e como este batalhãoslot o poloperações forneceu aviões à força-tarefa que ali trabalhava para fazer a prática mortal", diz o promotor.
Ao contrário dos voos militares que partiam no final da décadaslot o pol1970 do Aeroparque Jorge Newbery ou do aeroporto internacionalslot o polEzeiza, o 601º Batalhãoslot o polAviaçãoslot o polCamposlot o polMayo possuía pistaslot o polpouso própria, o que facilitava viagens a qualquer hora sem chamar atenção.
Promotores e integrantes da investigação sabiam que no Camposlot o polMayo havia aviõesslot o poldesuso e que alguns poderiam ter protagonizado "os voos da morte". Mas quando eles fizeram uma inspeçãoslot o poldezembro passado, eles ainda assim ficaram surpresos.
Dois dos aviões que foram usados para despejar pessoas no rio e no mar há maisslot o pol40 anos ainda estavam lá, abandonados, mas impregnadosslot o polhistória.
São o Twin Otter com registro AE-106 e Fiat G-222 com registro AE-260, AE261 e AE-262.
"Em 1977, o exército trouxe aviões Fiat G222 da Itália e hoje eles estão abandonados no Camposlot o polMayo. São os aviões da morte. Fizemos uma inspeção e subimos nos aviões da morte", detalha Soiza Reilly.
Este modeloslot o polaeronave tem a particularidadeslot o polpossuir portasslot o polcorrerslot o polambos os lados da fuselagem, que podem ser utilizadas para o lançamentoslot o polpára-quedistas.
Mas nos "voos da morte" eles as usavam para jogar pessoas.
Haverá justiça?
"Acho que sim", diz Soiza Reilly, que acredita que a sentença será conhecida no finalslot o pol2021.
"A Argentina é muito pró-ativaslot o polmatériaslot o poldireitos humanos e nunca ficouslot o polbraços cruzados. Do Ministério Público temos provas suficientes para que os responsáveis recebam a pena pelo que fizeram", afirma.
O procurador afirma que todas essas estruturas militares funcionavam como parte uma grande engrenagem, onde cada um cumpria aslot o polfunção. A Aeronáutica cumpriu seu papelslot o polcolaborar com a eliminação final das vítimas por meio do usoslot o polaviões.
"Se entendemos essa sequência, esse é o plano sistemáticoslot o polrepressão", diz.
A pesquisadora do Conicet, Valentina Salvi, concorda que o caminho dos tribunais é o mais claro e contundenteslot o poltermosslot o polreparação às vítimas eslot o polconstruçãoslot o poluma verdade no país.
"Os voos da morte foram os mais secretos (do regime militar)", afirma.
"Na Argentina foram anosslot o polimpunidade. Existe uma grande dívida política e ética", conclui Salvi.
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