Como é ser negro no Japão, país onde 98% da população é nativa:j galera

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Jamaicana Danielle Thomas,j galera28 anos, chegou ao Japãoj galera2016

A discriminação racial é uma questão pouco debatida no Japão, mas que esteve no centroj galeradiscussões desencadeadas por eventos específicos nos últimos anos.

Não há estimativas sobre a quantidadej galeranegros no Japão, uma vez que o órgãoj galeraestatísticas do país só colhe dados por nacionalidade. Os estrangeiros respondem por apenas 1,7% da população japonesa.

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Legenda da foto, Brasileira Lorraina Eduarda Vital Cota Nakamura,j galera28 anos, veioj galeraSão Joaquim da Barra,j galeraSão Paulo, para o Japão há dois anos

Em 2015, quando a modelo Ariana Miyamoto, filhaj galeramãe japonesa e pai afro-americano, conquistou o títuloj galeraMiss Universo Japão, a questão ganhou espaço depoisj galerauma chuvaj galeracríticas. Embora tenha nascido e crescido no Japão, Ariana sofreu ataquesj galerapessoas que diziam que ela não era "japonesa o suficiente" para representar o país.

Naquele ano, a modelo deu declaraçõesj galeraque a discriminação a deixava ainda mais motivada, e o debate foi além da questão do racismo: colocouj galeraxeque a hegemonia da sociedade japonesa.

Em janeiro do ano passado, outra questão racial levou o tema novamente para a mesaj galeradebates. A prestigiada tenista nipo-haitiana Naomi Osaka foi retratadaj galerauma animação da empresa Nissin, fabricantej galeramacarrão instantâneo, com a pele branca. A polêmica fez a empresa vir a público pedir desculpas, dizendo que terá "mais sensibilidade no futuro".

A morte do afro-americano George Floyd,j galera46 anos, assassinado durante uma abordagem violentaj galeraum policial branco nos Estados Unidos, desencadeou uma ondaj galeraprotestos antirracistas no mês passado e gerou um debatej galeraproporções internacionais.

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Legenda da foto, Engenheiro mecânico Stephen Estelle,j galera25 anos, veio dos Estados Unidos para tentar a vida no Japão

Alguns veículos japoneses aproveitaram a oportunidade para levantar uma importante questão: será que o Japão não tem nada a ver com a luta contra o racismo?

Para Yasuko Takezawa, professora do Institutoj galeraPesquisaj galeraCiências Humanas da Universidadej galeraQuioto, a questão racial também é um problema na sociedade japonesa.

"A maioria dos japoneses não tem uma experiência direta com pessoas negras. A imagem no país é proveniente da mídia, novelas, filmes, famosos com descendência africana ou comediantes que fazem imitações estereotipadas. É uma imagem que não é corrigida e acaba influenciando a sociedade", explica.

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Legenda da foto, Sem falar o idioma, Stephen passou um anoj galeraTóquio, onde adquiriu experiência com os japoneses e depois se mudou para o extremo sul do país, para trabalhar no Institutoj galeraCiências e Tecnologiaj galeraOkinawa

Curiosidade além dos limites

Em janeiroj galera2019, o engenheiro mecânico Stephen Estelle,j galera25 anos, saiu dos Estados Unidos para tentar a vida no Japão. Sem falar o idioma, Stephen passou um anoj galeraTóquio, onde adquiriu experiência com os japoneses e depois se mudou para o extremo sul do país, para trabalhar no Institutoj galeraCiências e Tecnologiaj galeraOkinawa.

Stephen conta que teve mais experiências positivas do que negativas e que a interação com os japoneses geralmente ocorre através da curiosidade.

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Legenda da foto, Danielle foi trabalhar como professoraj galerainglêsj galerauma escola primáriaj galeraIbaraki, província a 82 kmj galeraTóquio

"Sinto que as pessoas ficam mais interessadasj galeraconversar comigo por causa da curiosidade. Elas fazem perguntas, querem saber sobre o meu cabelo e a minha cultura. Eu acho que é algo bom, pois eles estão aprendendo e assim conseguem dissolver os estereótipos", explica.

Acostumado a falar sobre si, Stephen conta que já passou por situações constrangedoras e que nem sempre a curiosidade é positiva. "Há pessoas que passam dos limites e invadem aj galeraprivacidade, tentam tocarj galeravocê sem pedir. Conversando com um amigo negro, descobri que temos uma experiência parecida, aj galerairj galeraum banheiro público e ter um desconhecido tentando 'espiar' você. Isso é desrespeitoso, além dos limites", critica.

Apesar dos inconvenientes, o afro-americano conta que a experiência no Japão tem sido positiva. "Aqui eu não preciso me preocupar com a violência policial, mas nos Estados Unidos há mais suporte, amigos afro-americanos, a comunidade, a família. Se eu pegar o carro à noite nos Estados Unidos e sairj galeracasa, posso chamar atençãoj galeraum policial. Aqui não me preocupo com isso, eu me sinto mais seguro".

A jamaicana Danielle Thomas,j galera28 anos, chegou ao Japãoj galera2016 e foi trabalhar como professoraj galerainglêsj galerauma escola primáriaj galeraIbaraki, província a 82 kmj galeraTóquio.

Acostumada com as crianças japonesas, Danielle conta que passou por algumas experiências "engraçadas", como aj galeraum menino que disse para a mãe que a professora tem "a cara marrom" e outro garoto que a chamavaj galera"professora marrom".

"Eu adoro trabalhar com as crianças, elas são energéticas e puras. Eu não me ofendo com isso, acho que é bonitinho. Eles são honestos, ficam surpresos comigo e deixam os pais constrangidos", diz.

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Legenda da foto, Acostumada com as crianças japonesas, Danielle conta que passou por algumas experiências "engraçadas", como aj galeraum menino que disse para a mãe que a professora tem "a cara marrom"

A curiosidade também é algo presentej galeraseu dia a dia no Japão. "Estou sempre respondendo às mesmas perguntas sobre o meu país e principalmente sobre o meu cabelo. Eu canso, mas não me importo. Na Jamaica, todo mundo era como eu, e quando cheguei ao Japão, eu também fiquei fascinada pelo cabelo dos japoneses. Eu também queria tocar neles, por isso eu entendo", brinca.

Adaptação difícil

A brasileira Lorraina Eduarda Vital Cota Nakamura,j galera28 anos, veioj galeraSão Joaquim da Barra,j galeraSão Paulo, para o Japão há dois anos, depoisj galeravencer o medoj galerase mudar para o outro lado do mundo. "Na época, o meu marido (descendentej galerajaponeses) ficou desempregado e então surgiu a ideiaj galerair ao Japão. Eu tinha muito medo, acreditava que os japoneses eram preconceituosos e temia pela minha filha, que tinha só seis anos", conta.

Lorraina se instalou com a família na provínciaj galeraMie, na região central do Japão. A brasileira conta que começou a trabalharj galerafábricas e se sentiu bem recebida, mas enfrentou uma adaptação difícil, principalmente por causa do idioma.

"Assim que cheguei eu procurei um cursoj galerajaponês e comecei a estudar. Aprendi o hiragana (um dos três sistemasj galeraescrita) e depois tive aulas particulares, mas quanto mais eu estudava, menos eu aprendia. Essa língua é muito difícil para mim, tenho me esforçado para vencer essa barreira."

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Legenda da foto, "Na época, o meu marido (descendentej galerajaponeses) ficou desempregado e então surgiu a ideiaj galeravir ao Japão. Eu tinha muito medo, acreditava que os japoneses eram preconceituosos e temia pela minha filha, que tinha só seis anos", diz Lorraina

Lorraina se tornou autônoma e abriu um salãoj galerabelezaj galeracasa, especializadoj galeratranças, dreads e alongamentos capilares. A brasileira conta que a filha Helena, hoje com 8 anos, se adaptou bem na escola japonesa, mas passou por um episódioj galerabullying.

"Um colega japonês zombou do cabelo dela e logo fomos na escola resolver a situação. Hojej galeradia eles são amigos e não houve mais nada. Todos os dias, quando ela chega da escola, eu pergunto como foi com os colegas e com a professora, estamos sempre acompanhando", diz.

Com relação ao racismo, Lorraina diz que passou por poucas situações desconfortáveis, como a vezj galeraque estavaj galerauma lojaj galerausados e se aproximouj galeraalgumas crianças para se olhar no espelho. "A mãe disse 'abunai, abunai' (perigoj galerajaponês) e eu não entendi. Pareceu que estava dizendo para as crianças que eu sou perigosa", relembra.

De uma maneira geral, ela conta que a experiência no Japão tem sido positiva. "Geralmente sou bem tratada e tenho gostadoj galeramorar aqui pela segurança e a estabilidade. Fora o problema da língua, eu sinto falta do calor humano do Brasil. Aqui as pessoas são afastadas, é cada um por si. Isso poderia me fazer querer voltar ao Brasil, mas o racismo, não", diz.

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Legenda da foto, "A sensação éj galeraque não importa o quão bom eu seja no que eu faço, não posso crescer por ser estrangeiro ou por ser negro", diz nigeriano Samuel Lawrance

Sistema japonês

O nigeriano Samuel Lawrance, que está há maisj galera15 anos no Japão e se aprofundou na sociedade e no sistema do país, acredita que há um racismo "passivo-agressivo" na sociedade japonesa, por ser algo que ocorre muitas vezesj galeramaneira discreta.

"Eu trabalheij galerauma empresa japonesa há alguns anos e passei por uma situação bastante desconfortável,j galeraver alguém bem menos capacitado e experiente do que eu se tornando o meu chefe simplesmente por ser japonês. A sensação éj galeraque não importa o quão bom eu seja no que eu faço, não posso crescer por ser estrangeiro ou por ser negro", desabafa.

Samuel trabalha atualmente para uma empresa estrangeira, que implementa tecnologiaj galerainteligência artificialj galeracamposj galeragolfe e tênis. Depoisj galerapassar pelo sistema educacional do Japão ej galerase encaixar na sociedade como um trabalhador, o nigeriano acredita que tem a missãoj galeraajudar a educar os japoneses com relação aos negros.

"Já ouvi todo o tipoj galerapergunta, até se tem ar-condicionado na Nigéria. Eu poderia ficar bravo, mas acredito que a minha missão é educar e apresentar informações corretas para qualquer um que esteja me perguntando. Quero que os japoneses saibam como é o meu país e a minha cultura."

Depoisj galerapassar metade da vida no Japão, o nigeriano acredita que se adaptou por ter entrado no sistema e seguido uma carreira, mas nem por isso pensaj galeraficar para sempre no país.

"A diferença entre mim e um trabalhador japonês é que ele tem um passaporte japonês e obviamente não se parece como eu, apenas isso. Eu estou aqui porque os meus serviços estão sendo requisitados. Quando não forem mais, acredito que vou embora", diz.

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