Império Britânico tentou proibir o 'terceiro gênero' na Índia:
A reação foi estranha, considerando que um eunuco foi a vítima do crime. O assassinato, segundo a historiadora Jessica Hinchy, provocou curiosamente entre os britânicos um "pânico moral sobre os eunucos", ou hijras, como são chamados no sul da Ásia. "Ela foi vítima do crime, masmorte foi interpretada como evidênciacriminalidade e imoralidade dos eunucos", diz Hinchy.
Autoridades britânicas começaram a considerar eunucos "ingovernáveis". Eles evocariam imagens"sujeira, doença, contágio e contaminação". Eles foram retratados como pessoas que eram "viciadassexo com homens". Autoridades coloniais disseram que eram não são apenas um perigo para a "moral pública", mas também uma "ameaça à autoridade política colonial".
Por quase uma década, Hinchy, professorahistória na Universidade TecnológicaNanyang,Cingapura, vasculhou os arquivos coloniais sobre eunucos, que forneceram uma visão detalhada sobre o impacto das leis coloniais sobre estes indianos marginalizados.
O resultado deste trabalho é o livro Governing Gender and Sexuality in Colonial India (Governando o Gênero e a Sexualidade na Índia Colonial, 2019), possivelmente o primeiro relato aprofundado sobre eunucos nesta época do país.
Os eunucos formam uma comunidade baseadarelações entre mestres e discípulos. São pessoas que tem papéis importantesmuitas culturas, atuando como guardiõesharéns ou cantores e dançarinos, por exemplo.
Nas culturas do sul da Ásia, acredita-se que tenham o poderabençoar ou amaldiçoar a fertilidade. Moram com filhos adotivos e parceiros do sexo masculino.
Hoje, muitos consideram eunucos transgêneros, embora o termo também inclua pessoas intersexuais. Em 2014, a Suprema Corte da Índia reconheceu oficialmente um terceiro gênero - e os eunucos (ou hijras) são vistos como pertencentes a essa categoria.
Bhoorah estava entre os 2.500 eunucos registrados que viviam no que é agora o Estado mais populoso da Índia, Uttar Pradesh, e seu vizinho Uttarakhand.
Anos depoisseu assassinato, foi lançada uma campanha para reduzir o númeroeunucos com o objetivogradualmente levá-los à "extinção". Eles foram considerados uma "tribo criminosa" sob uma controversa lei1871 que visava gruposcastas considerados criminosos hereditários.
A lei deu à polícia maior poder vigilância sobre esta comunidade. A polícia compilou os dados pessoaiseunucos, definindos muitas vezes como "uma pessoa criminosa e sexualmente desviante". "O registro era uma formavigilância e tambémgarantir que a castração fosse erradicada para que a população hijra não se perpetuasse", diz Hinchy.
Os eunucos não podiam usar roupas femininas e jóias, nem se apresentarpúblico, sendo ameaçados com multas ou prisão se não obedecessem. A polícia cortaria seus longos cabelos e os despiriam se usassem trajesmulheres e ornamentos no corpo. "Sofriam intimidação e coerção da polícia, embora os padrões desta violência policial não sejam claros", diz Hinchy.
A comunidade reagiu pedindo o direitodançar e tocar instrumentospúblico e se apresentarfeiras. As petições, diz Hinchy, apontam para a devastação econômica causada pela proibiçãodanças e performances. Em meados da década1870, eunucos reclamaram que estavam morrendofome.
Um dos movimentos mais chocantes das autoridades foi tirar as crianças que viviam com eunucos para "resgatá-lasuma vidainfâmia". Se os eunucos viviam com um menino, eles se arriscavam a serem punidos com multas e prisão.
Muitas dessas crianças eram realmente seus discípulos. Outras pareciam ter sido órfãs, adotadas ou escravizadas quando crianças. Havia também filhosmúsicos que se apresentavam com eunucos e que pareciam ter vivido ao lado deles com suas famílias. Alguns eunucos até viviam com viúvas que tinham filhos. Autoridades britânicas viram as crianças como "agentescontágio e uma fonteperigo moral".
"As ansiedades coloniais sobre a ameaça que as hijras representavam para os meninos indianos levar a superestimar o número realcrianças que residiam com a comunidade", diz Hinchy.
De acordo com os registros, foram encontradas entre 90 e 100 crianças do sexo masculino morando com eunucos registrados entre 1860 e 1880. Poucas delas haviam sido emasculadas, e a maioria vivia com seus pais biológicos.
"O objetivocurto prazo da lei incluía a eliminação cultural dos eunucos através da eliminaçãosua presença pública. A ambição explícita elongo prazo era extinguir os eunucos", diz Hinchy. "Para muitos altos funcionários coloniais, a pequena comunidadeeunucos pôsperigo a autoridade colonial."
Os britânicos também começaram a policiar outros grupos que não se encaixavam nas categorias bináriasgênero - homens efeminados que usavam roupas femininas, que se apresentavampúblico e viviamlares com homens que desempenhavam papéis femininos no teatro e devotos do sexo masculino que se vestiam como mulher. "A lei foi usada para policiar uma gama diversapessoas que desafiavam os padrõesgênero", diz Hinchy.
De certa forma, as atitudes dos britânicos e das elites indianasrelação aos eunucos ecoavam aspectos da fé hindu que os governantes coloniais consideravam abomináveis.
A indologista Wendy Doniger escreveu sobre a rejeição britânica das tendências sensuais do hinduísmo como uma espéciepaganismo sujo. No entanto, a religião não foi um fator na rejeição colonialeunucos - era mais sobre "contaminação", "sujeira", suas práticas sexuais epresença pública.
No entanto, apesar dessa história sombria, os eunucos sobreviveram a essas tentativaseliminá-los e continuaram a ter uma presença pública visível ao planejar estratégiassobrevivência.
Hinchy escreve que eles se tornaram habilidosos na violação das leis, evitando a polícia e mantendo-se sempremovimento. Eles também mantiveram suas práticas culturais vivas dentrosuas comunidades elugares privados, o que não era ilegal. Eles também ocultaram suas propriedades,modo que a polícia não conseguia registrá-los.
Seu sucesso fica evidente pelo fatoque, apesarserem frequentemente definidos como desviantes e desordeiros, os eunucos "continuam tendo uma presença visível no espaço público, cultura pública, ativismo e política no sul da Ásia", diz Hinchy.
Na Índia, eles continuam ganhando a vida dançandocasamentos e outras cerimônias, apesarenfrentarem discriminação e viverem à margem da sociedade,uma história emocionanteresiliência e sobrevivência.
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