A modesta vida dos juízes do Supremo da Suécia, sem auxílio-moradia nem carro com motorista:

Crédito, Patrik Svedberg/Divulgação

Legenda da foto, O período máximoférias dos juízes na Suécia é35 dias - aqueles com até 29 anos não podem tirar mais28 dias

Nesta semana, o presidente Michel Temer sancionou o reajuste16,38% nos salários dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e da procuradora-geral da República, o que aumenta a remuneração dos magistradosR$ 33 mil para R$ 39 mil. O reajuste foi garantido após acordo que condicionou o aumento do salário à revogação do auxílio-moradiaR$ 4,3 mil a juízestodo o país.

Na sexta-feira, entretanto, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu da decisão - o ministro do Supremo Luiz Fux suspendeu no último dia 26 o benefício para todas as carreiras do Judiciário - e pede que o auxílio-moradia seja mantido para os membros do Ministério Público.

Em um Brasilcrise, o aumento terá um efeito cascata sobre a remuneraçãotodo o funcionalismo público, e, segundo técnicos da Câmara, deverá produzir um impactoR$ 4,1 bilhões anuais nos cofres da União e dos Estados.

Na Suécia, o salário dos magistrados da Suprema Corte - que não têm statusministro - é109,5 mil coroas suecas, o que equivale a aproximadamente R$ 46 mil. Uma vez descontados os altos impostos vigentes no país, os vencimentoscada juiz totalizam um valor líquido59 mil coroas suecas, segundo dados do Poder Judiciário sueco - o equivalente a cercaR$ 25 mil.

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Juiz Göran Lambertz, da Suprema Corte da Suécia, defende padrões éticos rígidos para o Judiciário

"Isso é o que se ganha, e é um bom salário. Pode-se viver bem com vencimentos desse porte, e é suficiente", diz Lambertz. Ex-professorDireito da UniversidadeUppsala e ex-ProvedorJustiça (Ombudsman) do Governo, Göran Lambertz chefiou ainda uma das divisões do Ministério da Justiça antesse tornar juiz da Suprema Corte, cargo vitalício que ocupou até recentemente.

Benefícios extra-salariais, oferecidos a juízestodas as instâncias no Brasil, não existem para juízes suecosnenhuma instância.

"Privilégios como esses simplesmente não são necessários. E custariam muito caro para os contribuintes", diz à BBC News Brasil o jurista sueco Hans Corell, ex-Secretário-Geral Adjunto da ONU para Assuntos Jurídicos.

"Não quero emitir julgamentos sobre sistemasoutros países, pois eles têm seus próprios motivos e tradições. Mas não temos esse tipotradição na Suécia", observa Corell.

Nas demais instâncias do Judiciário, o salário médio brutoum juiz na Suécia é66 mil coroas suecas, o que equivale a aproximadamente R$ 28 mil. Em valores líquidos, o salário médio dos juízes écerca41 mil coroas suecas - aproximadamente R$ 17,4 mil. O salário médio no país é32,2 mil coroas suecas (cercaR$ 13 mil),acordo com as estatísticas da confederação sindical sueca LO (Landsorganisationen).

Negociações sindicais na Suécia

Para reivindicar reajustes salariais, os juízes suecos seguem o mesmo procedimento aplicado aos trabalhadoresqualquer outra categoria: as negociações sindicais.

A negociação dos reajustes salariais da magistratura se dá entre o sindicato dos juízes suecos (Jusek) e o Domstolsverket, a autoridade estatal responsável pela organização e o funcionamento do sistemajustiça.

O aumento salarial dos magistrados trata normalmente da reposição da perda inflacionária acumulada no períodoum ano, e que se situageral entre 2% e 2,5%.

"Nossos reajustes seguem geralmente os índices aplicados às demais categoriastrabalhadores, que têm como basecálculo os indicadores gerais da economia e parâmetros como o nívelaumento salarial dos trabalhadores do IF Metall (o poderoso sindicato dos metalúrgicos suecos)", explica o juiz Carsten Helland, um dos representantes da categoria no sindicato dos juízes.

Legenda da foto, Juiz Carsten Helland gargalhou ao ser questionado se magistrados suecos considerariam reivindicar benefícios extra-salariais

A negociação depende essencialmente do orçamento do Domstolsverket, que é determinado pelo Ministério das Finanças.

"Os juízes têm influência limitada no processonegociação salarial", diz Carsten. "As autoridades estatais do Domstolsverket recebem a verba repassada pelo governo, através do recolhimento dos impostos dos contribuintes, e isso representa o orçamento total que o governo quer gastar com as Cortes. A partir desse orçamento, o Domstolsverket se faz a pergunta: quanto podemos gastar com o reajuste salarial dos juízes?", explica.

"Não podemos, portanto, lutar por salários muito maiores. Podemos apenas querer que seja possível ganhar mais", acrescenta ele.

Na Suprema Corte sueca, os reajustes salariais seguem a mesma regra aplicada ao restante da magistratura.

Perguntado se juízes suecos considerariam reivindicar benefícios extra-salariais como auxílio-alimentação e gratificação natalina, o juiz Carsten Helland dedica os segundos iniciais daresposta a uma sessãorisosincredulidade.

"Juízes não podem agirnome dos próprios interesses, particularmentetamanho grau, com tal ganância e egoísmo, e esperar que os cidadãos obedeçam à lei", diz o juiz.

"Um sistemajustiça deve ser justo", ele acrescenta. "As Cortesum país são o último posto avançado da garantiajustiçauma sociedade, e, por essa razão, os magistrados devem ser fundamentalmente honestos e tratar os cidadãos com respeito. Se os juízes e tribunais não forem capazestransmitir essa confiança e segurança básica aos cidadãos, os cidadãos não irão respeitar o Judiciário. E, consequentemente, não irão respeitar a lei", enfatiza.

É simplesmente impossível, segundo Carsten, imaginar a aprovaçãobenefícios extra-salariais a juízes na Suécia.

"Porque não temos um sistema imoral", ele diz. "Temos um sistema democrático, que regulamenta o nível salarial da categoria dos magistrados, assim como dos políticos. E temos uma opinião pública que não aceitaria atos imorais como a concessãobenefícios para alimentar os juízes às custas do dinheiro público", assinala Carsten Helland.

Juízes sem secretárias nem carros oficiais

No antigo palacete que abriga a Suprema Corte sueca, próximo ao Palácio RealEstocolmo, imensas pinturas a óleo retratam nobres representantes da corte no passado, como marcasum tempoque havia lacaios e a aristocracia era predominante no Poder Judiciário. Nos pequenos escritórios dos juízes, não há secretária na porta, nem assistentes particulares.

No sistema sueco, os magistrados contam com uma equipeassistentes que trabalha,conjunto, para todos os 16 magistrados da corte. São mais30 profissionais da áreaDireito, que auxiliam os juízestodos os aspectosum caso jurídico.

O tribunal conta ainda com uma equipecercaquinze assistentes administrativos, que auxiliam a todos os juízes. Ou seja: nenhum juiz tem secretária ou assistente particular para prestar assistência exclusiva a ele, e sim profissionais que lidam com aspectos específicos dos casos julgados pela corte.

E nenhum juiz - nem mesmo o presidente da Suprema Corte - tem direito a carro oficial com motorista.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O prédio da Suprema Corte está localizada no centro históricoEstocolmo

Para ir ao trabalho na Suprema Corte, o agora aposentado Göran Lambertz pedalava 15 minutos todos os dias desde acasa até a estação central da bucólica cidadeUppsala, que fica a cerca70kmEstocolmo. De lá, tomava um trem e viajava 40 minutos até o centroEstocolmo,onde caminhava a pé para a Corte.

A casa do juiz é surpreendentemente modesta. No pequeno jardim, ficam as bicicletas. A portaentrada dá acesso a uma estreita salaestar, decorada com mobiliário simples que remete aos anos 70. Ao fundo, uma escadamadeira liga os dois andares da residência, cada um com 60 metros quadradosárea. Junto à escada, um corredor conduz a uma minúscula cozinha, onde o juiz prepara seu café ecomida: não há empregados.

Férias: máximo35 dias

O período máximoférias a que os juízes suecos têm direito é35 dias por ano. A variação depende da idade do magistrado: juízesaté 29 anos têm 28 diasférias, e a partir30 anosidade o período é31 dias anuais. Juízes acima40 anos passam a ter direito a 35 diasférias.

No Brasil, a lei determina que os juízes, diferentemente dos demais trabalhadores, têm 60 diasférias por ano.

Qualquer cidadão pode checar as contas dos tribunais e os ganhos dos juízes. Autos judiciais e processosandamento também são abertos ao público.

"As despesas dos juízes também podem ser verificadas, embora neste aspecto não exista muita coisa para checar. Juízes usam muito pouco dinheiro público, e não possuem benefícios como verbarepresentação. Os juízes suecos recebem seus salários, e isso é o que eles custam ao Estado. As exceções são viagens raras para alguma conferência, quando seus gastos com viagem e hotel são custeados. Com relação às contas bancárias privadasum juiz, elas só podem ser verificadas se o juiz for suspeitoum crime", diz Lambertz.

Na Suprema Corte, funcionários atendem solicitaçõescidadãos para verificar as contas ou examinar documentosprocessos judiciais.

"Cópias dos arquivos também podem ser solicitadas. Não há nada a esconder. A idéia básica é que tudo o que é decidido nos tribunais do país é aberto ao público. O sistema judiciário sueco não é perfeito, mas não é impenetrável", afirma o magistrado.

Fiscalização dos juízes

Não há um órgão específico para supervisionar os juízes. Mas entidades como o Ombudsman do Parlamento e o ProvedorJustiça têm poderes para fiscalizarque maneira os tribunais lidam com diferentes casos, quanto dinheiro eles gastam e se atuamforma eficiente.

Não há foro privilegiado para juízes e desembargadores. Também não há registrocasosmagistrados suecos envolvidoscorrupção.

"Entre juízes, nunca ouvi falarum casocorrupçãotoda a minha vida. E os juízes jamais ousariam. Acho que nenhum juiz sueco jamais aceitaria um suborno. É algo tão proibido, que chega a ser impensável. É distante demais das nossas tradições. E, se algum ato irregular for cometido, ele será reportado à polícia. Por isso, mesmo se algum juiz pensarcometer um ato impróprio, ele não o fará. Porque teria medoser reportado à polícia", diz Göran Lambertz.

Presentes a juízes, segundo Lambertz, também são inaceitáveis.

"Ninguém ofereceria a um juiz coisas como dinheiro, viagenscruzeiro ou mesmo garrafasbebida. Isso simplesmente não acontece. Na época do Natal, um banco, por exemplo, pode querer oferecer um presente a autoridades e órgãos públicos. Mas isso nunca acontece nos tribunais."

Um Judiciário que perde o respeito da população pode provocar "uma explosãodesordem na sociedade", alerta o magistrado sueco:

"Quando o sistemajustiçaum país não é capazobter o respeito dos cidadãos, toda a sociedade é rompida pela desordem. Haverá mais crimes, haverá cada vez maior ganância na sociedade, e cada vez menos confiança nas instituições do país. Juízes têm o dever, portanto,preservar um alto padrão moral e agir como bons exemplos para a sociedade, e não agirnomeseus próprios interesses", diz Göran Lambertz.

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