Por que a palavra 'descobrimento' renovou polêmicassport betPortugal sobre a conquistassport betterras como o Brasil:ssport bet

"De início, estamos nos contrapondo à denominação, e não ao museussport betsi. Ao nomear, define-se a forma como a história será apresentada ao público. Neste caso, falarssport bet'descobrimento' representa uma visão histórica eurocêntrica. As terras conquistadas por Portugal já existiam, tinhamssport betprópria história. Em vezssport betdescobertas, elas foram invadidas, por vezes destruídas e palco para genocídios históricos, como o das populações indígenas no Brasil", afirmoussport betentrevista à BBC Brasil a professora Junia Furtado, historiadora da Universidade Federalssport betMinas Gerais (UFMG) e signatária da carta.

Culpa e orgulho

Ainda segundo o manifesto, a escolha desse nome representaria "recorrer a uma expressão frequentemente utilizada durante o Estado Novo (português) para celebrar o passado histórico", algo que seria incompatível com "o Portugal democrático".

O Estado Novo marcou o período do regime autoritário que Portugal viveussport bet1933 a 1974, sob o comando na maior parte do tempossport betAntôniossport betOliveira Salazar - o que faz esta fase ser conhecida também como "salazarismo".

Mas, para o historiador português João Pedro Marques, ainda que as conquistas do país europeu naquele período tenham sido celebradas pelo salazarismo, esta valorização vemssport betainda antes.

"Isso já era algo presente no final da monarquia e na República (proclamadassport bet1910). Na corrida à África (períodossport betque o continente africano foi marcado por disputas e pela colonização por potências europeias), no final do século 19, evocou-se muito a história dos descobrimentos e o que seria uma vocação dos portugueses para se ligar a outros povos", diz Marques, para quem o nome do museu proposto não é um problema e gera disputas por motivos ideológicos.

"(A polêmica) é fruto da atuaçãossport betgruposssport betativistas que querem injetar esse sentimentossport betculpassport betPortugal", disse Marquesssport betentrevista à BBC Brasil. "Esse período é algo extraordinário para a alma portuguesa".

Em 2015, durante um evento, Fernando Medina falou sobre o seu projeto e evocou o passado do país.

"No nosso país não temos muitas histórias para contar ao mundo, mas temos uma grande história única a contar e chegou o momentossport betdar a conhecer", disse, acrescentando que seu objetivo não era criar "um museu dos Descobrimentos, hegemônico", mas sim "um elemento que contribua para contar bem essa história".

A BBC Brasil tentou contato com Medina, mas a assessoriassport betimprensa da Câmara Municipalssport betLisboa (CML) afirmou que não foi tomada qualquer decisão sobre o projeto do museu: "Quando houver alguma informação relativamente a esta questão, ela será divulgada pela CML".

Revendo a história

Enquanto isso, o nome do museu tem sido tema frequentessport betdebates entre historiadores e nos veículosssport betimprensa. Alguns pesquisadores têm até mesmo proposto alternativas ao nome, como "Museu da Viagem", "da Expansão" ou da "Interculturalidade".

Para Laurentino Gomes, autorssport betbest-sellers sobre a história do Brasil, tais contestações fazem partessport betum "revisionismo histórico" que coincide,ssport betPortugal, com dois processos históricos: a redemocratização, com a Revolução dos Cravos,ssport bet1974, e a progressiva integração do país à comunidade europeia.

"Isso fez com que emergisse uma nova identidade portuguesa, que questiona o seu passado e se contrapõe profundamente à chamada história oficial propagada no período anterior, da ditadura salazarista. É sempre bom lembrar que a história é uma ferramentassport betconstruçãossport betidentidade", escreveu Gomes, por e-mail, à BBC Brasil.

"O esforçossport betrevisão histórica está, portanto,ssport betacordo com um Portugal que busca se identificar cada vez mais com a Comunidade Europeia e seus valores, deixando no passado mitos e conceitos que os portugueses hoje julgam anacrônicos. Como resultado, acho que Portugal tem se tornando um país mais politicamente correto do que os seus vizinhos, tentando se ajustar ao discurso que fortalece a construção dessa nova identidade".

O escritor lembra, como outro exemplo deste revisionismo, protestos contra a colocaçãossport betuma estátua do Padre Antônio Vieira no largo Trindade Coelho,ssport betLisboa. O padre, que na homenagem aparece rodeadossport bettrês crianças indígenas, é visto por alguns portugueses como um defensor dos povos nativos, mas, por outros, como um representantessport betsua dizimação e da perpetuação da escravidão africana.

De acordo com Gomes, essa revisão também é observada no Brasil, onde a redemocratização tem papel fundamental.

"Há uma tentativa, sob o regime democrático,ssport betdesconstruir a narrativa da história oficial que imperou durante os períodosssport betditadura e na qual se destacavam sempre os grandes feitos nacionais e seus heróis. Um exemplo desse revisionismo no Brasil envolve, por exemplo, o imperador Pedro I. Durante o regime militar, ele era celebrado como um herói marcial, como, por exemplo, no filme Independência ou Morte,ssport bet1972, com Tarcísio Meira e Glória Menezes. Era um Dom Pedro que estavassport betacordo com os ideais e a estética que os generais do regime militar queriam impor ao país numa épocassport betMilagre Brasileiro e do lema 'Brasil, Ame-o ou Deixe-o'", diz o escritor.

"Com a redemocratização, Dom Pedro virou um herói bastante desqualificado, boêmio, mulherengo essport betcaráter duvidosos, como aparece no filme Carlota Joaquina e na série Quinto dos Infernos".

'Achamento'

Para Gomes, contestações ao uso da palavra "descobrimento" no Brasil ainda estão restritas aos círculos acadêmicos e à militância dos partidos políticosssport betesquerda, mas já se reflete nos livros didáticos.

Já a historiadora Junia Furtado diz que, na academia, tais debates remontam aos anos 80 e 90,ssport betque novas correntes da historiografia inglesa e francesa influenciaram a produção brasileira. Ainda assim, segundo ela, as críticas não se refletiram,ssport bet2000, na celebração no Brasil dos 500 anos da chegada dos portugueses ao país. Naquele ano, marcado por uma sériessport beteventos sobre o fato histórico, a palavra "descobrimento" esteve por todo canto.

Entre os pesquisadores, alguns propõem novos termos, como, por exemplo, "achamento".

"A renovação da historiografia brasileira vem neste movimento da leitura dos ditos 'desclassificados'. Em contraposição à memória dos grandes feitos, dos heróis, passa-se a valorizar a história dessas populações. É pensar a história nãossport betfora para dentro, masssport betdentro para fora".