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A sessãoexorcismouma semana que terminou com o assassinatouma mulher na Nicarágua:
Junto com fiéis, Juan Rocha,23 anos, guiou a mulher até a o casebremadeira da Visão Celestial, onde ela foi mantida por vários dias sem receber comida ou água enquanto rezavam por ela - as orações seriam o antídoto para o demônio que a havia possuído.
Quando parentes foram visitá-la, disseram que ela ainda não estava curada e os mandaram embora. Vilma havia chegado ali voluntariamente, mas, quando não aguentou mais aquela situação, tentou fugir com um facãomãos, sem sucesso.
Na sexta noiteque estava ali, um dos membros da congregação disse que havia tido uma revelação divina: os demônios podiam ser expulsos com fogo. Uma vez construída a pira, Vilma foi atada à árvore ao lado da fogueira.
Até hoje não está claro se ela foi empurrada para dentro do fogo ou se as chamas cresceram até envolvê-la. "Vou morrer, vou morrer", gritou a jovem, segundo contairmã15 anos, que estava rezando dentro da cabana.
Ela afirma que então os mais velhos presentes no local diziam que Vilma ressuscitaria livretormento. Passaram-se horas até que um dos membros do grupo disse à adolescente para ir buscar ajuda.
O resgate
El Cortezal não aparece na maioria dos mapas. Localizadoplena montanha, não tem electricidade, telefone, polícia ou médicos. Para chegar até ali, são necessárias dez horasviagem do povoado mais próximo, Rosita: duas horascarro 4x4, quatro horas a pé e mais duas horas no lombouma mula.
O sinalcelular é quase inexistente, restrito a alguns pontos mais altos. Assim, o único lugar onde a irmãVilma podia conseguir ajuda era no sítiosua tia. "Queimaram ela", disse ao chegar lá.
O gruporesgate liderado pelo paiVilma, Catalino, chegou ao local quando as últimas chamas ainda ardiam. Vilma estava nua, com queimaduras80% do corpo e ainda consciente. Ao ver o pai, pediu-lhe água.
Ela foi levada ao sítio da tia, onde Catalino e outros parentes improvisaram uma maca para carregá-la por 12 horas, cruzando montes e rios. Quando chegaram a Rosita, os médicos disseram que as feridas eram graves demais para serem tratadas ali.
Foi necessário percorrer mais 30 km até o aeroporto mais próximo, para ir até a capital, Manágua, mas era tarde demais. Vilma morreu28fevereiro do ano passado com os pulmões cheiossangue e por falência múltipla dos órgãos.
Não é raro ocorrerem crimes violentos na Nicarágua, mas este é um dos países mais seguros da América Central. Por isso, o exorcismoVilma chocou a nação.
"Por que a queimaram?", questionaram jornalistas ao jovem pastor que conduziu o ritual após o caso vir à tona. "Não", corrigiu-os Juan Rocha. "Quando íamos orar, ela se suspendeuespírito e caiu no fogo."
Enquanto ele respondia a uma bateriaperguntas, houve uma interrupção reveladora. Um dos seus colaboradores - seu cunhado, Franklin Jarquín - olhou friamente para uma câmeraTV e disse: "Ela cometeu um erro perante Deus. Ela falhou, porque ela tinha um companheiro e cometeu um erro com outro homem".
A condenação
Rocha, seu irmão Pedro José,irmã, Tomasa, e o marido dela foram acusadossequestro e assassinato, assim como uma quinta participante, Esneyda Téllez, quem teve a "revelação" sobre o uso do fogo.
Os assistentes do juiz responsável pelo caso,Manágua, dizem não ter visto sinaisarrependimento nos acusados, todos com 20 e poucos anosidade. Eles foram sentenciados a penas30 a 36 anosprisão.
O companheiroVilma, que viajava no momento do crime, mudou-se para longe com a filha deles, que tem 2 anos. O primeiro filhoVilma está vivendo com o tio.
Ángela conta ter sido ameaçadamorte caso testemunhasse. Por segurança, foi viver a mais100 kmdistância,San MiguelCasa del Alto,onde vemfamília e onde Vilma foi enterrada.
Ela agora estávolta, mas diz que a tensão tem aumentado com a aproximação do aniversárioum anomortesua sobrinha. Ela conta ter visto um homem armado rondandocasa.
O local está decorado para uma celebração católica, religião da família, mas nãoVilma eirmã, que haviam se convertido à igreja evangélica. Ángela conta que elas queriam um recomeço após a mortesua mãe por câncer.
O jovem pastor era filhoum agricultor local e havia estudado por alguns anos, o que,meio à gente majoritariamente analfabetaEl Cortezal, o fazia parecer suficientemente capacitado para dirigir a igreja construída poucos anos antesum terreno doado por um benfeitor local.
A Visão Celestial faz parte na Nicarágua da AssembleiaDeus, que é formada por um conjuntoigrejas autônomas e é a maior denominação pentecostal do mundo.
Fundada no Estado do Arkansas, nos Estados Unidos, hoje tem mais67 milhõesmembros200 países. Na Nicarágua, são mais600 mil seguidores, ou 10% da população,um país cada vez mais evangélico - segundo dados do Pew Research Center, o percentual da sociedade que se identifica como católico caiu90% para os 50% atuais.
O pastor
O superintendente da AssembleiaDeus no país, Rafael Arista, atende o telefone e deixa claro que preferia não estar falando sobre o casoVilma. Ele é receptivo, mas respira fundo quando é perguntado sobre o pastor Juan Rocha.
"Foi a imprensa que começou a usar a palavra 'pastor'", suspira. "Não tínhamos nenhum pastor com esse nome. Foram os jornalistas que o chamaram assim, porque queriam manchar o nome da AssembleiaDeus."
Rocha era mais um pregador laico do que um pastor, diz ele. E a Visão Central não era "o que poderíamos chamaruma igreja organizada", mas como uma futura igreja"potencial".
"Em maiscem anos, nunca havia ocorrido algo assim", diz ele irritado. "Por que não mencionam as coisas boas que fazemos, como construir casas ou administrar escolas para surdos?"
De fato, a AssembleiaDeus tem muitos projetos assim, financiados por seus membros, que doam 10%sua renda para a igreja. A tiaVilma conta que ela dava ao pastor uma parte do que ganhava vendendo doces.
Quando falaVilma, Ángela sorri carinhosamente. "Era tão amável, tão prestativa. Todo mundo fala bemuma pessoa depois que ela morre, mas é verdade."
Vilma vivia na casa ao lado, onde fazia doces, queijo fresco e pão para vender. "Trabalhava mais do que a maioria", garantetia.
A dúvida
Ninguém nunca saberá o que afetava Vilma nas semanas antessua morte. Há vários rumores, que não podem ser provados, inclusiveque ela havia sido drogada e estuprada por um poderoso homem da comunidade. Esse foi o motivo para a igreja acusá-later relações sexuais fora do casamento, sem fazer diferença entre abuso e adultério.
Ainda que a AssembleiaDeus não pratique exorcismos violentos, cada vez que o pastor Arista é questionado sobre os autores do crime, ele expressa simpatia por eles, sugerindo quepunição foi excessiva e que eles podem ser inocentes.
"Na minha opinião, essa jovem pode ter atirado a si própria contra o fogo. Não acredito que cinco pessoas que estavam rezando vão entraracordoque que era preciso jogar alguém nas chamas", afirma.
Ele diz ainda que há provas suficientesque "essa louca" se queimou sozinha, mas não se aprofunda sobre isso. Nenhuma prova neste sentido foi apresentada no tribunal.
A crençaArista parece não ter respaldo popular. Manifestantes furiosos lançaram pedras contra a igreja da AssembleiaDeusRosita depois da morteVilma.
O pastor local, Saba Tobares, parece entender melhor esse sentimento. Para começar, ele reconhece que os presos cometeram um crime. "Como nenhum deles não se perguntou se era certo fazer aquilo?", questiona ele, que também considera bastante provável que Vilma tivesse um problema mentalvezestar possuída.
Não está claro qual dos pastores - Arista ou Tobares - é mais representativo do conjunto da igreja, ainda que o antecessorArista como superintendente da AssembleiaDeus, Saturnino Cerrato, tenha expressado uma posição ainda mais dura na televisão, ao dizer não haver dúvidasque era um casopossessão.
O psiquiatra José Salmerón, que esteve envolvido no casoVilma, alerta sobre os riscos desta "formaver o mundo que era comum na Idade Média". "A maioria da população nicaraguense não se interessa pela saúde mental, prefere explicações sobrenaturais", diz.
"A chave para mudar isso é mais educação nas escolas. Precisamos criar um espaço para a razão e o pensamento crítico e secular, separar a religiãonossas interpretações do mundo que nos rodeia."
O feminicídio
A maior parte da cobertura da imprensa local tratou a morteVilma como um "feminicídio", palavra que tem sido usada na América Latina para descrever algo mais complexo do que o simples assassinatouma mulher.
"É um crimeódio", diz enfaticamente Magally Quintana, fundadora da ONG Católicas pelo DireitoDecidir e uma veterana na luta pelos direitos das mulheres.
O grupo foi criado há 12 anos, quando a aborto foi declarado totalmente ilegal no país, inclusivecasosestupro ou quando a vida da gestante corre risco. Hoje, ele se dedica também a fazer campanha contra a violênciagênero. Segundo seu mais recente boletim, ocorreram 51 feminicídios na Nicarágua no ano passado, incluindo oVilma.
"Usar essa palavra torna o problema visível, chama atenção para a desigualdadeuma sociedadeque os homens decidem como vivemos ou morremos."
O termo foi cunhado pela feminista americana Diana Rusell nos anos 1970 para destacar o longo históricomortes por motivosgênero, das bruxas levadas à fogueira e "assassinatos por questãohonra" às mulheres que morreram por abortos malfeitos e pela transmissãodoenças sexuais.
Mas o termo ganhou forçaverdade após a ondaviolência contra mulheresCiudad Juárez, no México, na década1990. Desde então, por toda a América Latina e no Caribe, há esforços para tipificar o feminicídio como um crime específico, algo que ocorreu18 países da região, a Nicarágua entre eles.
Tecnicamente, o casoVilma não poderia ser considerado um feminicídio, porque a lei nicaraguense diz que esse crime só é cometido por alguém que teve relações íntimas com a vítima. Mas ativistas argumentam que, se um homem tivesse sido tratado como Vilma, membros da comunidade teriam protestado. Mais importante ainda, dizem, é o fatoela ter sido castigada por ter tido relações sexuais fora do casamento.
O embate
Na Nicarágua, as feministas e as igrejas católica e evangélica há algum tempo vãodireções opostas. As igrejas obtiveram uma importante vitória2006, com o veto integral ao aborto.
Seis anos depois, ativistasdireitos das mulheres celebraram a aprovaçãouma lei contra a violênciagênero que tipificou o feminicídio e proibiu uma controversa prática conhecida como mediação, usadadenúnciasviolência doméstica no lugaruma investigação criminal,que a polícia chamava o casal para tentar resolver o problema.
As feministas denunciavam que essa prática era uma formapressionar as mulheres a ficarem com um parceiro abusivo, enquanto a igreja dizia ser uma formaevitar a ruptura familiar, o que gerou uma campanha para restituir a mediação.
Uma vez mais, a vitória foi da igreja: a lei foi enfraquecida, e a mediação, reinstalada para casos menores e quando não há antecedentes.
Em 2014, as feministas sofreram mais dois reveses. Primeiro, o crimefeminicídio foi limitado a casosque o assassino teve relações sexuais com a vítima. Depois, o presidente Daniel Ortega emitiu um decreto ampliando o papelgrupos comunitários na resoluçãodisputas domésticas, o que dificulta processos criminais nestes casos.
O governo também tem se tornado cada vez mais religioso, conforme Ortega, um ex-líder revolucionário, se reinventa como um personagem piedoso que governa ao lado da mulher, Rosario Murillo, que ele nomeou vice-presidente do país no ano passado.
Seu governo se autodefine como "cristão, socialista e solidário", o que simpatizantes veem como uma provasua devoção, e seus críticos, como uma estratégia para ganhar votos.
No entanto, após o assassinatoVilma, o Parlamento aprovou uma lei mais favorável às feministas, estabelecendo o crimecausar uma morte por "fundamentalismo religioso" passívelpena25 a 30 anosprisão.
Muitas ativistas veem isso como um gesto vazio, mas outros, inclusive religiosos, acreditam ser um passo na direção correta. "A liberdade religiosa não pode anular direitos humanos básicos", diz o frade capuchinho Bernan Bans.
Bans diz ter visto os efeitos danosos do fundamentalismo emparóquiaEl Rama, no sul da Nicarágua. "Nas zonas rurais, onde não há educação, as pessoas se apoiam na magia e na fantasia. Quando aparece alguém que sabe ler, essa pessoa tem um poder enorme."
O pastor Juan Rocha só havia chegado ao quarto ano do ensino fundamental, segundo seu pai, mas isso bastou para ter o respeitosua comunidade.
Na opiniãoBan, é difícil separar os fatores que levaram à morteVilma: a faltaeducação, a prevalência da violência contra a mulher, o abuso da religião, o estigma associado a problemas mentais. "É como uma boneca russa", resume.
Miuriel Gutiérrez, que trabalha para uma organização dedicada a direitos femininosRosita, acredita haver motivos para ter esperança. Ela cita um caso parecido com oVilma que teve um final bem diferente.
"Um dia, um rapaz teve uma espécieataque e o tiraram do hospital a força para levá-lo a uma igreja evangélica, mas alguns pensaram: 'Não, isso não vai acontecernovo'", conta ela.
Um grupo foi atrás dos que tinham levado o rapaz, filmando com os celulares, e avisou à imprensa local. Logo tudo se acalmou, e o rapaz foi devolvido ao pai. Era como se tivesse se acendido uma pequena luz."
A ativista Magaly Quintana não está convencidaque a morteVilma tenha gerado mudanças. "De vezquando, há uma grande reação a um caso extremo, mas as mortes violentas não cessam", diz.
Gutierrez é mais otimista. "Esse caso criou um precedente muito importante no país. Apesar das condições adversas, fez-se justiça e até se mudou a lei. Há muito o que fazer, mas isso não significa que não vamos conseguir."
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