A história por trás do sequestroum casal norte-americano no Afeganistão:

Joshua Boyle e Caitlan Coleman
Legenda da foto, O casal foi sequestrado2012 | Foto: Divulgação FBI

Um amigoBoyle, Alex Edwards, diz que não conseguiu entender como o casal tinha feito algo tão perigoso. Coleman estava grávidasete meses.

"Quando eles desapareceram, demorou dois anos para termos alguma provaque estavam vivos. Eu simplesmente assumi que eles provavelmente tinham morrido e tentei lidar com isso", diz Edwards.

Família e amigos descreveram o casal como "ingênuos idealistas" – uma dupla com fortes convicções e inclinações humanitárias.

Em entrevistas depoisser libertado, Boyle disse que ele e a mulher viajaram ao Afeganistão para ajudar as pessoas. Ele se referiu a si mesmo como um "peregrino"uma missão.

Boyle afirmou que foi ajudar "a minoria mais negligenciada do mundo: os moradores dos vilarejos que vivem no coração da área controlada pelo Talebã". Ele alega que esse é um local "onde nenhuma ONG, voluntário humanitário ou governo jamais tinha conseguido levar a ajuda necessária".

Joshua e Caitlan
Legenda da foto, Joshua e Caitlan se conheceram na internet | Foto: FBI

Mas exatamente o que o casal pretendia fazer para ajudar não foi explicado.

Coleman,31 anos, cresceuStewartstown, uma pequena cidade da Pensilvânia, nos EUA. Boyle,34, foi criadoSmith Falls, perto da capital do Canadá, Otawa.

Os dois se conheceram pela internet e ficaram próximos por ambos serem fãsStar Wars. Casaram-se2011.

Amigos do casal entrevistados pela revista Philadelphia2016 descreviam Coleman como uma cristã devota que amava viajar e tinha muito sensohumor.

Boyle, que se descrevia como "criança menonita pacifista e hippie", tem um passado mais turbulento.

Ligações problemáticas

Ele foi casado por pouco tempo com Zaynab Khadr, irmã do prisioneiroGuantanamo Omar Khadr. A união o colocou na órbitaumas das famílias mais notórias do Canadá.

O patriarca da família Khadr, que foi morto no Paquistão2003, era supostamente próximo a Osama Bin Laden.

A própria Zaynab é conhecida por suas opiniões, sobre as quais fala abertamente. Ela se negou a condenar ataques como os bombardeiosLondres2005 e diminuía o horror dos atentados11setembro2001, nos Estados Unidos.

O ex-cunhadoBoyle foi acusadoassassinar um soldado americano e ficou preso por 10 anos. Algumas pessoas diziam que ele foi cooptado quando criança e Boyle – que advogava pelos direitos humanos – se interessou muito pelo caso.

Seu casamento com Zaynab Khadr terminou2010.

O governo americano não acredita que os laçosBoyle com a família da ex-mulher tenham algo a ver com seu sequestro, segundo a agêncianotícia Associated Press.

Antessua viagem, ele disse a amigos que só iria a lugares segurosseus seis meses foracasa. Mas,algum momento, essa perspectiva mudou.

Casal Joshua Boyle e Caitlan Coleman antesviagem ao Afeganistão
Legenda da foto, O casal Joshua Boyle e Caitlan Coleman antes da viagem ao Afeganistão (Foto: Divulgação FBI)

Antes do Afeganistão, o casal mochilou pelo Cazaquistão, pelo Quirguistão e pelo Tadjiquistão.

Segundo um britânico que os conheceu no Quirguistão, Richard Cronin, Boyle disse que queria conhecer o Afeganistão inteiro. "Ele também disse que era seguro desde que você não fosse para uma área onde houvesse tanto tropas estrangeiras quanto o Talibã", contou Cronin.

Logo depois o casal desapareceu.

A fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão

O cativeiro

Em 2013, depoismesesangústia, as famílias dos jovens descobriram o que tinha acontecido. Eles viraram reféns do grupo Haqqani – ligado ao Talebã – enquanto viajavam pela provínciaWardak, região montanhosa pertoCabul.

Um homem supostamente ligado ao grupo mandou para a famíliaColeman dois vídeos dela esua filha, que nasceu no cativeiro. As duas aparecem amarradas, apáticas e desorientadas.

O último vídeo veio a público há apenas 10 meses. Mostrava o casal e doisseus filhos.

A mulher descrevesituação como um "pesadelo kafkiano".

Ela, o marido e os filhos sofreram inúmeras violências e maus-tratos enquanto estavam sob o poder do grupo radical. Boyle diz que a família era sempre levadaum lugar para o outro e frequentemente era mantidaquartos do tamanhouma cabinebanheiro público. Às vezes o casal era separado e apanhava.

Mas Boyle diz que uma das maiores dificuldades era o tédio, as longas horas sem nada para fazer. Em uma curta trocae-mail com a BBC, ele diz que passava o tempo educando seus três filhos.

"Sempre tivemos a intençãoeducá-loscasa, só não imaginávamos que seria sem livros, papel ou caneta", diz ele. "Mas fizemos o que deu com o que tínhamos. Usava lixo para fazer o sistema solar, usava pedaçosmadeira para ensinar mulplicação etc."

Ele disse à Associated Press que os dois decidiram ter filhos porque "ficaram reféns por muito tempo". "Sempre quisemos ter muitos filhos e não queríamos perder tempo. Cait tem 30 e poucos anos e o relógio não para."

Soldado afegão

Crédito, AFP/Getty Images

Legenda da foto, Soldado afegãoMaydan-Wardak, área que sofreu ataque suicida

Pouco interesse

Durantes os anosque a dupla ficou refém, as famílias e os amigos demonstravam frustração diante do aparente pouco interesse dos governos americano e canadenseajudá-los. Também reclamavam da "indiferença da mídia e do público".

"O sequestro não recebe a atenção que merece, e eu não faço ideia do porquê", disse um amigo à revista Philadelphia,2016. "É errado. Ela é uma pessoa. Tem uma família. Não é só 'uma mulher americana qualquer'".

Edwards diz que recebeu apenas desinteresse quando tentou fazer com que os fãsStar Wars ajudassem na causa. Hoje, olhando para trás, ele diz que vê claramente qual foi o problema.

"As pessoas não querem ajudar com algo se elas não têm certeza que é a coisa certa a se fazer. E no casoJoshua e Caitlan, havia muitos fatores que complicavam a situação", afirma.

"O que eles estavam fazendo no Afeganistão? E essa relação deles com os Khadr? Eu tentava responder o melhor que podia, mas só o fato do questionamento existir já é um empecilho para obter ajuda das pessoas."

Um oficial do exército americano disse2015 que chegou a existir um planoresgate como parteuma troca maiorprisioneiros, mas o projeto não foi para a frente.

O casal aos poucos caía no esquecimento.

Livres

A libertação depoiscinco anos foi uma grande surpresa. Em outubro, o exército americano anunciou que tropas paquistanesas haviam resgatado o casal. Os dois e seus três filhos estavam seguros e indo para casa.

A cientista política Aisha Ahmad, da UniversidadeToronto, afirma que o resgate do casal aconteceuum momento calculado. "Os paquistaneses estavam dispostos a assumir uma missãoresgate como essa, pois estavam desesperados para reatar laços com o governoDonald Trump".

A libertação da família arrancou um raro elogio ao Paquistão do presidente americano.

Joshua Boyleentrevista coletiva

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Joshua Boyle concede entrevista no aeroportoToronto, Canadá, depoisser libertado do cativeiro no Afeganistão

Já seguro no Canadá, Boyle disse que os "criminosos malfeitores que o sequestraram" haviam estupradomulher e matado uma quarta criança - uma filha -um aborto forçado. O Talibã nega o estupro e diz que o aborto foi espontâneo.

Boyle disse à BBC que conheceu melhor apenas um dos sequestradores: um homem do ocidente a quem ele podia fazer perguntas sobre pontos pouco conhecidos da lei e da história islâmicas.

Depoisdescobrir o estupro praticado pelos guardas, o homem desertou para o Estado Islâmico para "tentar encontrar a verdadeira jihad" e prometeu "contar ao EI das crueldades, atos hereges e hipocrisias da rede Haqqani", segundo Boyle.

"Eu ofereci o meu maior perdão a ele, e Caitlan disse que iria perdoar todos os seus pecados menores contra ela, mas ela não poderia perdoar o que ele tinha feito às crianças", escreveu Boyle.

Boyle brincando com o filho

Crédito, AFP

Legenda da foto, Joshua Boyle diz que planeja construir uma casa segura para seus filhos

Por enquanto, o casal e seus três filhos estão se ajustando à nova liberdade na casa dos paisBoyle,Ontario. As crianças recebem a atenção dos avós - embora a adaptação esteja dando certo, a família ainda dorme juntouma pequena sala.

"Não é 'bem-vindo' ao Canadá, ou ao mundo ocidental, o correto a dizer é 'bem-vindos à vida'", disse Boyle sobresituação ao programa Today, da redeTV americana NBC.

Coleman não falou publicamente desde que foi libertada do cativeiro - recentemente ela foi internadaum hospital com um doença ainda não revelada.

Boyle disse a jornalistas que o casal agora está focadocontruir uma casa segura para seus filhos e que ele continuar empenhado"fazer a coisa certa, não importando os custos".

"Em última análise, são pelas intençõesnossas ações, e não por suas consequências, que todos devemos ser julgados", disse ele.