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A escritora que fugiu do comunismo na Rússia e hoje faz a cabeça da direita:
O livro se passa num futuroque empresários americanos sofrem com leis e regulações cada vez mais duras. A executiva Dagny Taggart luta contra o que a autora chama"exploradores" - burocratas, sindicalistas e funcionários pouco qualificados - que se aproveitamseu sucesso. Enquanto isso, um homem misterioso chamado John Galt convence inventores, empresários e executivos a entraremum tipogreve contra o governo.
Em meio à história, mas nem tão disfarçadamente assim, Rand prega os fundamentos da filosofia que ela chamaobjetivismo, baseada na razão, no individualismo, no Estado mínimo e no capitalismo ultraliberal.
Em 2009, após a crise financeira, Atlas voltou à lista dos livros mais vendidos nos Estados Unidos. Em 2011, teve seu segundo melhor anovendas desde que foi publicado,1957.
No Brasil,2017, João Amoêdo, administradorempresas fundador do Partido Novo, recomendou a leitura do romance no jornal FolhaS. Paulo, assim como o jurista conservador Ives Gandra. Em fevereiro, uma reedição da obra chegou à listamais vendidos no país.
Sem altruísmo
Rand é considerada um contraponto ultraliberal à ética socialista, e com uma credencial frequentemente mencionada por seus fãs: também é russa.
Ela nasceu Alissa Zinovievna Rosenbaum,uma família judiaclasse média que empobreceu após a Revolução1917 - uma experiência que teria sido o embriãoseu desprezo pelas ideiasbem comum eEstado como mecanismo para assegurar a igualdade. Em 1925, ela foi para os Estados Unidos sob o pretextovisitar a família e nunca retornou.
Lá, assumiu o nomeAyn Rand e trabalhou como roteiristacinema e teatroHollywood, enquanto escrevia seu primeiro romance,memórias da Revolução Russa. Mas o reconhecimento do público veio somente com A Nascente (1943) - que o presidente americano Trump costuma citar como umseus livros favoritos.
Com Atlas,1957, Rand ganhou espaço entre os ambiciosos jovens americanos dos anos 1950, mesmo sem conquistar os críticos. Logo, ela tornou-se filósofatempo integral, e um gruposeguidores do objetivismo passou a se reunir para debater suas ideias.
Segundo Rand, "o homem existe para que seu maior propósito moral seja o alcance daprópria felicidade".
Ao contrário das ideiasKarl Marx, que ela considerava totalmente opostas às suas, a russa acredita que a mudança na sociedade deveria começar com uma revolução moral dentrocada indivíduo, que deve espalhar os ideais "corretos", ela diz, por meio do discurso racional.
Em seus ensaios, ela defende que os interesses humanos, se forem determinados pelo que chama"virtude do egoísmo", sempre levam a trocas saudáveis e ao crescimento da sociedade.
Para garantir que indivíduos que seriam, emopinião, "pouco racionais" não trapaceiem ou roubem os demais, o papel do Estado deveria ser limitado a fornecer o Exército -adesão voluntária - a polícia e o sistema judiciário. Nadasaúde pública, ensino público ou programas sociais.
"Ela defende que o que nos diferencia, nesse caso, são nossas capacidades, nossa motivação, nossa ambição, nossos valores, o sentimentoque eu sou responsável pelo destino da minha vida e ninguém mais", explica Eduardo Chaves, professor aposentadofilosofia da Unicamp e especialista na obraRand.
"Não devemos esperar que venhaterceiros - sejafilantropos, sejagovernos com vocação social - a solução dos nossos problemas. A esquerda diz que isso é culpar o pobre pelapobreza, mas, para Rand, simplesmente não há igualdade nos talentos naturais com os quais nascemos, nem nas circunstâncias ambientais, na família. E não vamos conseguir equalizar o pontopartida com políticas públicas. Há elementossorte eazar."
A teoria, segundo seus críticos, reforçava a ideiaque os mais ricos possuem mais talento, e que os desprivilegiados não devem ser ajudados - o que ainda causa polêmica nos círculos acadêmicos.
Segundo a EnciclopédiaFilosofiaStanford, os ensaiosRand "não têm autocrítica e nenhuma tentativaconsiderar possíveis objeções a suas visões" e dizendo que "seus argumentos frequentemente não sustentam suas conclusões".
'Laissez-faire'
Um dos principais seguidoresRand nos anos 1960 era o jovem Alan Greenspan, que se tornaria presidente do Federal Reserve (FED, o banco central americano),1987 até 2006 - e seria apontado como um dos principais responsáveis pela grande crise econômica2008.
Greenspan foi indicado pelo então presidente americano Ronald Reagan que, juntamente com a a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, levariam a todo o mundo ocidental o conceitoque as forças do mercado, livres, eram o melhor mecanismodistribuição dos recursos da sociedade.
Anos depois, o próprio Greenspan questionaria esse pensamento após os efeitos da crise2008 na economia dos EUA epaíses europeus. Diante do Congresso americano,2009, ele disse que havia "percebido um erro" naconfiança no capitalismolivre mercado.
Mas para o israelense radicado nos Estados Unidos Yaron Brook, atual diretor do Instituto Ayn Rand, que promove suas ideias, os problemas atuais ocorrem justamente porque não temos capitalismo o suficiente. Ao menos não como a filósofa gostaria.
"A maior parte dos países do mundo hoje vive economias mistas, com algum grauliberdade econômica, alguns elementos do capitalismo e muita intervenção do governo. Hoje há muita distribuiçãoriqueza e muita regulação, até nos EUA. E olhe que os EUA é uma das melhores economias", reclama.
Mas sem leis para regular as transações econômicas, como garantir que não haverá exploração do trabalho? "Não vemos exploração nos lugares onde deixamos as pessoas e os negócios fazerem o que quiserem. Vemos pessoas produzindo, criando, negociando, fazendo suas vidas e melhorando."
Brook, que é consultorinvestimentos no mercado financeiro, admite que na sociedade atual há trabalho análogo à escravidão, "especialmentepaíses da África, por exemplo".
"E eu condeno tudo isso, e acho que a solução para isso é capitalismo e propriedade privada, e um governo local que respeite os direitospropriedade e a santidade da vida humana. Não dá para culpar o capitalismo automaticamente pelos problemas do mundo se ele nem existe", completa, dizendo que, emopinião, não vivemos numa sociedade realmente capitalista há pelo menos 100 anos.
Eduardo Chaves, no entanto, diz ser adeptouma abordagem menos "radical" às ideias da escritora, apesarse considerar um verdadeiro "liberal randiano".
"Estamos num mundo muito mais complexo, desigual e corrupto do que o que ela descreveuA RevoltaAtlas. Então não dá para parar tudo e fazer do zero, como se faz no livro", afirma.
"No Brasil, do governo Itamar até Lula, houve uma sérieaplicaçõesideias que ela defendia: por exemplo, a privatizaçãouma sérieáreas da economia, como telefonia, estradas, etc. Essa ideiadiminuir o tamanho do governo é randiana. Se você perguntasse para ela se esse processo lento e gradual funciona ela diria que isso levaria mais100 anos e não iria realmente transformar a sociedade. Mas seriam mudanças no sentido das ideias dela."
Conservadora?
No ano passado, Rand foi incluída pela primeira vez no currículopolítica do ensino secundário britânico, ao ladograndes nomes do conservadorismo como Thomas Hobbes. Mas ela não ficaria satisfeita com isso, segundo os especialistas emobra.
No livro Goddess of Market: Ayn Rand and the American Right (Deusa do Mercado: Ayn Rand e a Direita Americana,tradução livre), a historiadora Jennifer Burns diz que Rand rejeitava os conservadores, porqueteoria era contra a moral religiosa e defendia a separação completa entre Estado e Igreja, assim como entre Estado e economia.
Para Burns, a vitóriaTrump significou justamente "o fim do romance" dos republicanos com a obra e as ideiasRand, que eles citavam nos comícios.
"Ao eleger Trump, a base republicana rejeitou o capitalismo liberalfavor do nacionalismo econômico", disse,artigo no jornal Washington Post.
Yaron Brook, porvez, acha completamente equivocada a associação atualRand com a direita nos EUA.
"As pessoas falamAyn Rand sem entender exatamente o que ela quis dizer. Donald Trump diz que leu A Nascente e gostou. Mas não sei nem se ele entendeu o livro, não sei nem se terminou", critica.
"Posso dizer, como administrador do Instituto Ayn Rand, que esse governo não tem nada a ver com a filosofiaAyn Rand. Ela odiaria Trump. Ele é tudo ao que ela se opunhaum homemnegócios: ele usa seu governo para conseguir favores, ele é um centralizadorplanejamento que não confia no mercado."
Outro ponto no qual Rand e a direitahoje divergiriam seria direito da mulherescolher o aborto, ao qual ela era favorável. Ela também se declarava contra as leis antidrogas e seu ateísmo fez com que ela afirmasse que o conservadorismo religioso era "o piortodos".
"Não dá para defender a filosofiaAyn Rand e ser católico ao mesmo tempo", diz Brook. "Ela era pró-aborto, antirreligião, a favor da separaçãoIgreja e Estado, pró-liberdade sexual. Em diversos assuntos sociais, ela seria consideradaesquerda, e nãodireita. Nos anos 1980, ela se recusou a votarRonald Reagan, que era liberal, por causa daposição antiaborto e a favor da religião."
No Brasil, Eduardo Chaves diz que os admiradoresRand "se distanciam"suas ideias mais progressistas, contentando-seapoiardefesa do liberalismo econômico total.
Milionários
Os fãs mais conhecidos e fiéisRand costumam ter algo maiscomum: são - ou pretendem ser - multimilionários. De preferência, por serem considerados mais inteligentes, mais trabalhadores ou à frente do seu tempo.
"Por muito tempo, ela foi adorada por empreendedores, investidoresrisco, pessoas que se veem moldando o futuro, indo à frente dos demais, apoiando-se somenteseus instintos, intuição e conhecimento, e indo contra a corrente", diz Jennifer Burns.
Para além da política, revista americana Vanity Fair descobriu uma das principais áreasinfluênciaRand nos dias atuais: o Vale do Silício.
Executivos das start-ups mais importantes do momento como Travis Kalanick, CEO do Uber, Peter Thiel, cocriador do PayPal e investidor do Facebook, e até Steve Jobs e Steve Wozniak, criadores da Apple, citaram livrosRand como seus "guias", segundo a revista.
A admiração da russa pelos ricos tinha uma exceção, no entanto: aqueles que herdavam a riqueza também eram chamados "nepotistas". Segundo a filósofa, a riqueza viria para os que se mostrassem mais dispostos a usar a razão e a energia no trabalho criativo.
Para ela, era "imoral", por exemplo, "colocar coisas como amizade e laços familiares acima do próprio trabalho produtivo".
"Amizade, vida familiar e relacionamentos humanos não são primordiais na vidaum homem. Um homem que coloca os outros acimaseu próprio trabalho criativo é um parasita emocional", disseuma entrevista à Playboy em 1964.
Críticos dizem que Rand apela aos milionários por causa do discurso que minimiza seus privilégios e os consideraria vítimasuma sociedade que não os deixa completamente livres para crescerem.
Mas para Yaron Brook, o diretorseu instituto, ela estava certa. E isso não é um problema.
"Sinto penaBill Gates, apesarele ser o homem mais rico do mundo. Eu acho que ele anda por aí com um sentimentoculpa desnecessário, e está fazendo filantropia hoje porque sente que precisa agradar as pessoas. Mas ele fez do mundo um lugar muito melhor ganhando bilhões na Microsoft do que comfilantropia", afirma.
"Os gênios, os empreendedores, os criativos - nem todos, porque algunsfato são trapaceiros e ladrões - são forçados a se sentir culpados quando estão mudando o mundo para melhor. E isso é uma das grandes tragédias do nosso tempo. Tratamos mal os gigantes da sociedade", conclui.
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